Críticos domésticos dos Estados Unidos colocam a culpa da anexação russa da Crimeia na política externa fraca de Obama. O senador republicano John McCain chama Obama de “o presidente americano mais ingênuo na história.” Porém, fora da capital, uma percepção diferente está surgindo rapidamente, que vê a Ucrânia não tanto como um fracasso da política externa de Obama, mas como um sinal de declínio geral dos EUA. Como diz Maleeha Lodhi, ex-embaixador do Paquistão para os EUA: “Boa parte dessa crítica mostra uma ignorância deliberada dos limites de poder dos EUA em um ambiente internacional transformado, onde nenhum Estado é capaz de alcançar os resultados por si só ou prevalecer sobre outros, mesmo usando um esmagador hard power”.
Em seu discurso de janeiro de 2012 do Estado da União, o presidente Barack Obama, afirmou que “quem diz que os EUA está em declínio ou que nossa influência diminuiu não sabe o que está falando.” Mas em um relatório de dezembro de 2012, o Conselho de Inteligência Nacional dos EUA argumentou que, enquanto os EUA continuarão a ser “o primeiro entre os iguais, com a rápida ascensão de outros países… a era da ascendência americana na política internacional, que começou em 1945, está rapidamente se encerrando”. A Ucrânia é mais uma prova disso. E o relatório do Programa de Comparação Internacional apoiado pelo Banco Mundial – de que a China está pronta para superar os EUA, com a Índia em terceiro lugar até o final deste ano – envia a mesma mensagem. Isso significa que, pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, a maior potência militar não é a maior economia global.
Talvez a lição mais importante que a Ucrânia deixou é que os EUA não podem cooptar as potências emergentes para apoiar a sua própria visão e abordagem estratégica. Em seu influente livro de 2010, Liberal Leviathan, o cientista político americano John Ikenberry argumenta que independentemente de os EUA estarem em declínio ou não, a ordem mundial liberal que eles haviam criado e dominado desde a Segunda Guerra Mundial iria persistir e poderia até mesmo cooptar seus principais adversários, incluindo a China.
Para o general Martin Dempsey, chefe do Estado-Maior dos EUA, os EUA iriam achar cada vez “mais difícil de articular o uso adequado do poder militar” e teriam que confiar na “capacidade de construção de parcerias e de abrir possibilidades para outros atores”.
Mas a Ucrânia mostra os limites deste argumento. Não só a Rússia lançou um desafio frontal para os EUA e para a Otan, mas o resto dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) abstiveram-se na resolução da Assembleia Geral da ONU que rejeitava um referendo da Crimeia, que formou a base da anexação russa da Crimeia. A Rússia considerou isto como uma vitória. A mensagem é clara e simples. Só porque essas potências emergentes têm se beneficiado com a ordem internacional de dominação americana, não significa que elas iriam deixá-la intacta e iriam aceitar a liderança dos EUA.
O que vem depois do momento unipolar? A sabedoria comum diz que estaríamos entrando em um mundo multipolar. Alguns previram uma ordem bipolar EUA-China. Mas a ordem mundial emergente provavelmente não será nem bipolar nem multipolar, mas uma ordem mundial multiplex.
Em um mundo multiplex, enquanto os EUA continuarão a ser uma grande força nas relações internacionais, eles não teriam a capacidade de moldar a ordem mundial segundo os seus próprios interesses e à sua semelhança. Como resultado, os EUA serão apenas um de uma série de polos, incluindo potências emergentes, forças regionais e um concerto de velhas e novas potências moldando uma nova ordem mundial.
Será o mundo multiplex menos estável do que o momento unipolar? Ninguém pode prever o futuro. A revista The Economist lamenta a perda de autoridade dos EUA como um “declínio da dissuasão”,apontando que os inimigos dos EUA serão incentivados e seus aliados, desmotivados. Mas os EUA tinham muitos inimigos e não conseguiram evitar a ascensão de inimigos poderosos, como, por exemplo, a rede terrorista al-Qaeda.
Ao mesmo tempo, é importante não descartar novas formas de assegurar a estabilidade. Uma diferença fundamental entre o mundo multipolar do século XIX e do mundo multiplex do futuro é o enorme crescimento da interdependência global. A interdependência europeia no século XIX foi baseada principalmente no comércio, mas foi prejudicada pela busca competitiva de colônias estrangeiras pelas principais nações europeias. A interdependência global de hoje é muito mais ampla e profunda, abrangendo não apenas o comércio, mas também o financiamento, redes de produção e arranjos econômicos globais que não existiam até então.
A estabilidade de um mundo multiplex exigirá novas formas de cooperação internacional, onde a liderança será compartilhada, em vez de monopolizada por uma única nação. Isso exigirá uma reforma significativa das instituições globais e o incentivo para mais instituições como G-20. Os mecanismos regionais de paz e estabilidade também são cruciais.
Para manter a estabilidade e sua própria influência, os EUA terão que dividir o poder. O general Martin Dempsey, chefe do Estado-Maior dos EUA, disse em uma entrevista recente que, no ambiente estratégico internacional em mudança, os EUA iriam achar cada vez “mais difícil de articular o uso adequado do poder militar” e teriam que confiar menos em ações militares diretas e mais na “capacidade de construção de parcerias e de abrir possibilidades para outros atores.” Isso está mais alinhado com a chegada do mundo multiplex.