Com demandas principalmente de barcos de pequeno porte, embarcações pesqueiras ainda não são consideradas atrativas ou com carteira relevante de projetos para estaleiros nacionais.
O consumo de pescados no Brasil cresce, mas a atividade ainda é considerada muito artesanal. Em comparação com outros mercados e considerando sua extensa costa, a pesca no país ainda não tem representatividade no comércio internacional. A demanda por embarcações pesqueiras de porte relevante está longe de ser atrativa para os principais estaleiros do país. A avaliação de especialistas é que existem poucos barcos de pesca oceânicos no Brasil e que, praticamente, não há barcos-fábricas modernos e de grande autonomia como os de origem chinesa e espanhola. A presença de pesqueiros de outros países, inclusive, são desafios para a segurança da navegação na costa brasileira.
O perfil de embarcações pesqueiras varia de acordo com o tipo de pescaria, bem como as condições locais onde aquelas embarcações estarão exercendo sua atividade. Se o local de pesca for próximo e em águas calmas, como por exemplo em baías e estuários, as embarcações podem ser de pequeno porte, de madeira, fibra, alumínio, podendo contar com motor ou apenas se deslocarem com remo. Se a pesca for atrás de um recurso mais distante, ou as características ambientais exigirem, as embarcações tendem a ser mais robustas, geralmente construídas em madeira, com um grande espaço de porão para acondicionamento do pescado ao longo dos vários dias de pescaria, e podem contar com equipamentos mais potentes.
A pesca comercial é dividida em pesca artesanal e pesca industrial. Dentro de cada categoria, existem uma variedade de tipos de pesca que irão refletir nas características dessas embarcações. “A variedade é tão grande que alguns tipos de pescarias não utilizam embarcações, outros já podem utilizar pequenos barcos de madeira a remo até barcos maiores com maior investimento em equipamentos e tecnologia de ponta”, explicou o analista de recursos pesqueiros da Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro (Fiperj), Fernando Tuna.
Algumas pescarias não contam com barcos específicos para pesca, podendo ser utilizadas embarcações de fibra ou alumínio, comumente as usadas como esporte e lazer. Tuna ressaltou que os lugares para a construção de embarcações pesqueiras também têm estruturas e portes bem diferenciados, algumas feitas até no quintal de casa do construtor, ao passo que outras apresentam estruturas mais aparelhadas. Ele citou que, no Rio de Janeiro, os barcos construídos em Farol de São Tomé são conhecidos pela qualidade das embarcações produzidas localmente, na beira da praia.
Tuna observa que o Brasil também segue essa tendência mundial de aumento no consumo do pescado, com uma demanda crescente pela oferta de pescado, tanto para consumo interno, quanto para exportação. Entretanto, ele identificou diversas questões, como falta de financiamento e de iniciativas para a construção, bem como escassez de determinados recursos, aumento do preço dos combustíveis, entre outros fatores, que de certa forma, limitam esse setor. “Ainda observamos uma certa limitação do setor. No entanto, é crescente a necessidade de modernização das embarcações e adequações às novas normas, logo, acreditamos que é um nicho interessante a ser explorado”, analisou Tuna.
A região de Itajaí é considerada o maior polo pesqueiro do país e onde se concentram os principais armadores. O Sindicato dos Armadores e das Indústrias da Pesca de Itajaí e Região (Sindipi) percebe um aumento do consumo mundial de pescado, especialmente devido à pandemia, quando todos querem consumir alimentos saudáveis. No entanto, hoje a construção de novos barcos não é viável, pois não há expectativa de liberação de novas licenças de pesca por parte da Secretaria Nacional de Aquicultura e Pesca (SAP), ligada ao Ministério da Agricultura. Dessa forma, atualmente os estaleiros costumam trabalhar apenas na manutenção de embarcações já existentes.
O Sindipi observa interesse por parte de estaleiros nacionais em construir esse tipo de embarcação. No entanto, a avaliação é que, para que uma renovação da frota fosse possível, seria necessário linhas de crédito especiais e outros incentivos do governo federal. De acordo com o sindicato, não há hoje nenhuma linha de crédito acessível específica para a obtenção de financiamento para navios pesqueiros no Brasil.
A Pesa forneceu a propulsão de passo variável para os dois Well Boats construídos no estaleiro Detroit (SC) e que vão operar nas fazendas de salmão do Chile. No entanto, a demanda por construção de embarcações de pesca de maior porte e com mais tecnologia não é perene no Brasil. O gerente de negócios da área marítima da Pesa em Itajaí, Esdro Vieira Câmara Junior, observa que o mercado de pesca no Brasil ainda é muito limitado e de baixa potência. Ele explicou que geralmente são barcos pequenos, muitas vezes com motores industriais marinizados. “Este não é um segmento de mercado que focamos”, comentou Câmara.
A demanda por esse tipo de embarcação esteve mais aquecida nas décadas de 1970, 1980 e 1990. Cada modalidade de pesca possui características específicas determinadas pela espécie alvo. O Sindipi ressaltou que, por conta disso, não há como especificar um perfil. “A média para embarcações pesqueiras industriais é que tenham de 18 a 30 metros, com capacidade de 70 toneladas”, afirma o sindicato. Além do Detroit, a região de Itajaí e Navegantes concentra estaleiros como: Maccarini, Santa Gertrudes, TLB, D´Leon, Santa Luzia, Felipe Abílio Souza e Dona Isa.
Segundo dados do relatório State of World Fisheries and Aquaculture (FAO, 2020) os sete países que mais pescam, são responsáveis por metade da produção mundial de pescado, sendo a China o líder em produção. O Brasil apresenta uma carência de uma estatística sólida a nível nacional, tendo como estatística pesqueira, o esforço de alguns estados junto a institutos que conseguem produzir dados confiáveis. A Fiperj atua desde 2016 no Projeto de Monitoramento da Atividade Pesqueira, cujo objetivo é avaliar de forma integrada e sistemática, o monitoramento do desembarque pesqueiro e caracterização socioeconômica e estrutural da atividade.
Tuna, da Fiperj, frisou que a pesca é muito diversificada no Brasil, devido às inúmeras peculiaridades regionais. Segundo dados publicados no relatório “Iluminando as Capturas Ocultas – ICO/A Pesca Artesanal Costeira no Brasil”, publicado em 2020, os pescadores artesanais representam cerca de 99% do número de pescadores no Brasil. As linhas de crédito mais acessadas, segundo Tuna, são as relacionadas ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que são voltadas aos pescadores artesanais. São linhas que operam a juros reduzidos, tanto para o custeio da atividade, quanto para investimento, inclusive reformas, construção e aquisição de embarcações.
O analista da Fiperj acrescentou que, por ser uma atividade que exige muito das embarcações, esse setor nunca está totalmente parado. Segundo Tuna, é comum ver embarcações sendo construídas ou recebendo reparos, principalmente em meses de condições climáticas desfavoráveis ou de interrupção da atividade por conta de questões como o defeso. Entretanto, as embarcações brasileiras são, de maneira geral, antigas. Dados do Diagnóstico da Pesca do Estado do Rio de Janeiro (Fiperj, 2014) apontam que as embarcações apresentavam, em média, cerca de 18 anos, mas também foram verificadas embarcações construídas há mais de 100 anos.
Os estaleiros nacionais podem ser consultados por empresas de pesca. No caso do Detroit, como a empresa faz parte de um grupo empresarial do Chile, onde a pesca é mais desenvolvida, é natural que o estaleiro acompanhe esse tema de perto e receba consultas. Décadas atrás, o Brasil já teve um programa governamental de financiamento para construção de barcos de pesca. O ProFrota Pesqueira não foi à frente porque não houve interessados em utilizar esse financiamento. Os pescadores se associam em cooperativas e o financiamento a cooperativas não era viável para o BNDES, que centralizava os recursos.
O FMM, em teoria, poderia financiar armadores de pesca, mas não se acredita que há demanda atualmente. No passado, estaleiros como o Inace (CE) e alguns estaleiros do estado do Rio de Janeiro chegaram a construir pesqueiros. Hoje não se tem notícia de armadores interessados. Para barcos de madeira pequenos, que são comuns nesse mercado existem construtores, como os pequenos estaleiros que estão nessa atividade em Itajaí-Navegantes.
Tuna, da Fiperj, acredita que os setores devem acompanhar as inovações tecnológicas, conforme a tecnologia dos equipamentos evoluir. Ele ponderou que essa é uma realidade um pouco difícil para a pesca a depender da realidade local. O analista salientou que muitas embarcações artesanais não contam com grandes aparatos tecnológicos e dependem da experiência do mestre da embarcação para obter sucesso nas pescarias. “Não é raro ver pescadores irem para o mar apenas portando um celular. A pesca industrial, por sua vez, tem uma maior relação com a tecnologia, visto que o investimento para exercer esse tipo de pescaria é muito elevado. O retorno, em termos de produção pesqueira, é maior, mas o custo para manter e operar essas embarcações também é”, analisou.