Debate entre agentes do setor marítimo em conferência virtual, realizada nesta terça-feira (10), marcou o lançamento da 16ª edição da Navalshore, que será realizada de 16 a 18 de agosto de 2022, de forma presencial.
Representantes do setor marítimo acreditam que é preciso mais união entre os segmentos a fim de pleitear políticas que estimulem a indústria naval do país e aumentar os índices de conteúdo local dos projetos. A avaliação dos agentes, que participaram do evento Cenários da Indústria Naval e Offshore, promovido pela Navalshore e pela Revista Portos e Navios, é que ainda existe potencial para crescer em diversas atividades, o que passa pela manutenção de incentivos setoriais, melhores condições de financiamento e pelo fomento a demandas perenes que garantam encomendas.
O presidente da Câmara Setorial de Equipamentos Navais, Offshore e Onshore da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (CSENO/Abimaq), Bruno Galhardo, identificou um grande número de oportunidades em diferentes segmentos. Segundo Galhardo, as 90 associadas à câmara buscam fortalecer sua representatividade para defender seus pleitos. Entre as apostas da CSENO estão a exploração de petróleo, o desenvolvimento do mercado de gás, a revitalização de campos maduros e as novas contratações.
A CSENO considera que o Brasil é a maior fronteira de exploração de petróleo e gás do planeta, nos próximos 15 anos. Dados da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) apontam uma demanda de 57 novas FPSOs, 212 sondas de perfuração (DRUs) e 228 barcos de apoio. “Existe uma demanda gigantesca para novas construções”, projetou. Outra frente de diálogo da câmara setorial são os projetos da renovação da esquadra da Marinha, a fim de conhecer melhor as demandas e apontar potenciais fornecedores para projetos como das fragatas e do navio polar. O grupo de empresas também acompanha de perto as oportunidades de projetos de eólicas offshore.
O vice-almirante Flavio Brasil, diretor técnico comercial da Empresa Gerencial de Projetos Navais (Emgepron), disse que o programa de fragatas classe Tamandaré adotou metodologia do BNDES a fim de melhorar os índices de conteúdo local. Arranjo semelhante está sendo feito para o navio de apoio Antártico (NApAnt). “Temos conversado bastante com a Abimaq para excitar as empresas [nacionais] a pressionar SPE Águas Azuis para que a indústria nacional tenha espaço dentro desse e de todos os projetos que a Emgepron gerencie”, afirmou.
O diretor da Emgepron contou que a Marinha está perto de selecionar o consórcio vencedor que fará a construção do navio polar, com investimentos da ordem de US$ 200 milhões, que substituirá o navio Ary Rongel, que está no final da vida útil. O consórcio tem os estaleiros Wilson Sons, Jurong Aracruz e Itaguaí Construções Navais (ICN). “Essa decisão será tomada proximamente pela Marinha, usando matriz multicritério, montada para Tamandaré e adaptada para esse programa, e essa decisão será divulgada em breve”, adiantou.
O vice-presidente executivo do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval), Sérgio Bacci, acredita que 2022 será um ano importante para o debate da indústria naval. O Sinaval identifica que existe um volume de projetos importantes, mas que depende de incentivos e políticas que estimulem a construção local. Até 2030, existe uma previsão de 39 plataformas, 60 navios aliviadores e 117 embarcações de apoio marítimo. Bacci disse que qualquer indústria naval do mundo, de qualquer matriz ideológica, tem três bases para ser forte: demanda perene, condições diferenciadas de financiamento e conteúdo local. Ele lamentou que, a partir de 2014, as mudanças na política de conteúdo local geraram empregos e divisas para a Ásia. “Ou entendemos que é ponto crucial para que a indústria se fortaleça, ou não vamos sair do atoleiro”, afirmou.
Bacci considera que a atual política de conteúdo local é um desastre para a indústria nacional, visto que a exigência de 25% em projetos de plataformas é coberta apenas com os itens de subsea. Ele defendeu a necessidade de rediscutir a política de conteúdo local, buscando algo em torno de 40%, que os estaleiros defenderam em 2014. “Sabíamos que os 65% não eram factíveis, mas achávamos que com 40% teríamos demanda no Brasil e poderíamos ajudar os estaleiros brasileiros. Não fomos ouvidos e reduziram para 25%”, contou.
Ele acrescentou que o programa de incentivo à cabotagem (BR do Mar) caminha a passos lentos porque desagradou indústria naval, armadores e outros segmentos. Para Bacci, o projeto não é capaz de gerar empregos no país, na medida em que isenta a importação de navios para o mercado brasileiro por empresas de navegação. Ele teme que o programa similar para a navegação interior, chamado ‘BR dos Rios’, estimule a importação de barcaças usadas do Mississipi (EUA), prejudicando estaleiros da região Norte. Outro ponto de preocupação, segundo Bacci, são projetos de lei propondo redução do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) e de repasses para empresas de navegação, bem como o PEC que prevê a suspensão do Fundo da Marinha Mercante (FMM).
O vice-presidente executivo da Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem (Abac), Luis Fernando Resano, disse que o BR do Mar não está incentivando a importação de navios nem investimentos. Ele lembrou que o programa foi lançado com a ideia de reduzir custos para o usuário. “Não teremos mais frota de propriedade brasileira, seremos um país dependente de frota internacional, de armadores estrangeiros que usam seus navios no melhor momento possível. Grandes fretadores de navios que botam navio ao preço de mercado internacional, no lugar que estiver mais rentável”, alertou.
Resano disse que, num cenário em que o frete subiu quatro vezes em relação a dezembro de 2020, grandes fretadores deslocaram seus navios para rotas mais rentáveis. Se for esse o modelo adotado, a Abac entende que, como a cabotagem é vinculada diretamente com a economia nacional, teria que suportar quatro vezes o aumento do frete. Além disso, a associação vê risco da carga migrar para o modal rodoviário. “Programa BR do Mar precisa urgentemente reter e atrair investimentos no país”, afirmou.
O assessor do Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima (Syndarma) e da e da Associação Brasileira das Empresas de Apoio Marítimo (Abeam), Mário Mendonça, destacou a necessidade de previsibilidade das rodadas até 2022 e de regras estáveis para que novos investimentos atinjam o apoio offshore. A previsão de aportes em manutenção e modernização da frota, entre 2021 e 2025, é de US$ 550 milhões em docagens obrigatórias da frota e de US$ 360 milhões em modernização de embarcações.
“Se começar a mexer no marco, fazer alterações, atrapalha o investimento e não é bom para o setor. Se acontecerem dessa forma, teremos aumento da demanda por embarcações de apoio marítimo, tanto na manutenção e reparo, como na construção, porque precisará de mais embarcações”, analisou Mendonça. Além das novas unidades de produção, a demanda por descomissionamento também é capaz de gerar novas contratações de supplies. Ele ressaltou que, no momento, ainda existem cerca de 70 embarcações ociosas, aguardando contrato.
O gerente executivo do Sindicato Nacional das Empresas de Navegação de Apoio Portuário (Sindiporto Brasil), Francisco Reis, destacou que todos os 125 rebocadores lançados nos últimos 10 anos foram construídos em estaleiros nacionais, com investimentos da ordem de R$ 4 bilhões. A entidade estima investimento anual de R$ 100 milhões em manutenção e docagem de embarcações realizadas em estaleiros no Brasil. A frota de apoio portuário tem em torno de 250 embarcações em operação na costa brasileira.
Reis destacou que o segmento mantém uma frota moderna em operação que cresce anualmente em número de embarcações e com performance que atende a demanda das empresas de transporte. Segundo o gerente do Sindiporto, as empresas do setor de apoio portuário são adequadamente atendidas pelos estaleiros nacionais em seus processos de construção e manutenção. Ele citou a aprovação de prioridades pelo conselho diretor do FMM para 27 embarcações em estaleiros nacionais. “Nossos rebocadores operando no Brasil são de última geração, em linha com rebocadores que operam em portos como Roterdã”, afirmou.
A presidente do Sindicato das Empresas de Navegação Fluvial no Estado do Amazonas (Sindarma), Jéssica Sabbá, disse que a navegação interior foi surpreendida com as propostas de redução do AFRMM apresentadas por emendas ao PL da cabotagem. Ela avalia que seria um grande impacto à região, principalmente para armadores de combustível, uma vez que o recurso é fundamental para modernização da frota. “O AFRMM tem nos ajudado a manter uma frota moderna e segura. A indústria local sofrerá impacto grande”, analisou.
O Sindarma vê futuro no desenvolvimento do Arco Norte, mas teme que o BR dos Rios cause impactos à navegação local. “No momento em que abrirmos para a importação das barcaças do Mississipi, nossa indústria local de construção se acaba porque todos vão querer importar e vamos ver problema enorme em cadeia, para estaleiros, para fornecedores e para nossa navegação. Temos que unir forças”, defendeu Jéssica.
A conferência virtual, realizada nesta terça-feira (10), marcou o lançamento da 16ª edição da Navalshore, que será realizada de 16 a 18 de agosto de 2022, no Centro de Convenções SulAmérica, no Rio de Janeiro, com início das vendas de espaços para exposição em 1º de setembro. Reveja o evento Cenários da Indústria Naval e Offshore neste.