Às vésperas da COP26, o setor marítimo internacional corre para criar seu próprio sistema para contabilizar emissões e custear despesas com a descarbonização.
O movimento acontece em um contexto onde indústrias dos mais diversos setores voltam suas atenções para a possibilidade de regulamentação de um mercado global de carbono durante a Conferência do Clima em novembro.
O transporte marítimo encara um dilema semelhante ao da aviação internacional: precisa de novos combustíveis para descarbonizar e não se enquadra nas estruturas nacionais de contabilização de emissões de gases de efeito estufa.
No início de outubro, representantes da indústria naval enviaram à Organização Marítima Internacional (IMO) um documento detalhando medidas urgentes para ajudar o setor a atingir emissões líquidas zero de CO2 até 2050 — uma pressão também para dobrar a ambição atual da IMO, que é reduzir as emissões do frete internacional em 50% no período.
Entre as propostas, está a criação de um imposto global sobre as emissões de carbono dos navios, o que seria o primeiro para qualquer setor industrial.
A Câmara Internacional de Navegação (ICS, em inglês), que representa as associações nacionais de armadores do mundo e mais de 80% da frota mercante, defende a medida como instrumento para acelerar a transição para combustíveis zero-carbono.
Atualmente, o transporte marítimo internacional possibilita algo entre 80 a 90% do comércio global e 99% da energia usada pelo setor é de origem fóssil.
Levantamento mais recente da IMO mostra que em 2018 a demanda global por energia pelo segmento resultou na emissão de cerca de 1 bilhão de toneladas de dióxido de carbono (CO2) — 3% das emissões anuais de gases de efeito estufa (GEE).
Se o transporte marítimo internacional fosse um país, seria o sexto ou sétimo maior emissor de CO2, comparável à Alemanha.
A proposta é que a cobrança do imposto seja baseada nas contribuições dos navios que comercializam globalmente, superiores a 5 mil toneladas brutas, para cada tonelada de CO2 emitida.
Os recursos iriam para um fundo climático da IMO que, além de fechar a lacuna de preço entre os combustíveis convencionais e os novos, seria usado para implantar a infraestrutura de abastecimento necessária em portos em todo o mundo para fornecer combustíveis como hidrogênio e amônia.
O fundo calcularia as contribuições climáticas a serem feitas pelos navios, coletaria as contribuições e forneceria evidências de que foram cumpridas.
“Para minimizar qualquer fardo sobre os Estados-Membros da ONU e garantir o rápido estabelecimento do imposto sobre o carbono, a estrutura proposta pela indústria utilizaria o mecanismo já proposto pelos governos para um Fundo de P&D de US$ 5 bilhões separado para acelerar o desenvolvimento de tecnologias de carbono zero”, detalha o grupo.
Esse fundo está programado para ser aprovado em novembro, logo após a COP26.
A ICS acredita que uma medida baseada em taxas globais obrigatórias é preferível a aplicações de impostos unilaterais, a exemplo da proposta da Comissão Europeia que deseja estender seu Sistema de Comércio de Emissões (EU ETS) ao transporte marítimo internacional.
“A adoção de nossa proposta para um sistema baseado em taxas evitará a volatilidade que existe nos sistemas de comércio de emissões, como o EU ETS — que, no caso do transporte marítimo, parece ser mais sobre a geração de receita do transporte marítimo fora da UE, do que ajudar o transporte a descarbonizar”, explica Guy Platten, secretário-geral da ICS.
Aposta no hidrogênio verde
Descarbonizar este setor será um desafio grande, principalmente porque vai depender de soluções que ainda não estão disponíveis em escala e custo competitivo.
Essas soluções passam pela eletrificação indireta, biocombustíveis avançados baseados em hidrogênio verde (H2V), melhoria do desempenho de eficiência energética das embarcações e redução da demanda setorial devido a mudanças sistêmicas na dinâmica do comércio global.
“Em relação ao tipo específico de combustível que moldará a demanda de energia futura do setor de transporte marítimo, os regulamentos que impõem uma taxa de carbono apoiariam fortemente uma mudança em direção ao uso de combustíveis renováveis, incluindo combustíveis verdes baseados em H2 e biocombustíveis”, indica a Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA, em inglês).
A agência estima que, em 2050, o transporte exigirá 46 milhões de toneladas de H2V.
Desse total, 73% serão necessários para a produção de e-amônia, 17% para e-metanol e 10% serão usados diretamente como hidrogênio líquido por meio de células a combustível ou por motores de combustão interna, calcula o relatório A pathway to decarbonise the shipping sector by 2050 (.pdf).
No cenário para que o aumento da temperatura global fique limitado a 1,5 °C, a IRENA aponta um caminho para o transporte marítimo com participação de 70% dos combustíveis renováveis até 2050.
Isso reduziria as emissões em redução de emissões de 80% em comparação com os níveis de 2018, a 144 Mt de CO2 em 2050.