Grupo intersetorial sobre reciclagem naval discute formas de movimentar atividades de retirada e desmonte de estruturas inoperantes fundeadas em locais como Baía de Guanabara.
Representantes da indústria marítima buscam soluções conjuntas para viabilizar a reciclagem de embarcações que permanecem há muitos anos abandonadas ou fundeadas em diferentes regiões do país, como a Baía de Guanabara, por exemplo. Como muitas delas possuem litígios, autoridades e setor privado trabalham em frentes para acabar com esses imbróglios e movimentar as atividades de retirada e desmonte dessas estruturas inoperantes. A Empresa Gerencial de Projetos Navais (Emgepron) considera grande o potencial da atividade. Recentemente, o Cluster Tecnológico Naval do Rio de Janeiro (CTN-RJ), do qual a empresa é associada fundadora, conduziu um estudo, por meio de um grupo de trabalho intersetorial sobre reciclagem naval.
O diretor técnico-comercial da Emgepron, vice-almirante(RM1) Flavio Macedo Brasil, contou que o resultado deste estudo está consolidado em três produtos: Guia do Empreendedor; Proposta de Anteprojeto de lei; e Cartilha do Conselho de Supervisão Técnica. “O CTN-RJ é uma das iniciativas mais promissoras para o setor marítimo no estado do Rio de Janeiro e, na atividade de reciclagem de embarcações, em especial, tem desenvolvido um trabalho muito ativo, junto aos órgãos governamentais, empresas e entidades acadêmicas”, destacou Brasil à Portos e Navios.
Ele acrescentou que o Cluster tem buscado levar temáticas como essa de interesse da Economia do Mar para a Comissão Interministerial de Recursos do Mar (CIRM), que tem sua secretaria-executiva conduzida pela Marinha e pode oferecer o fórum mais apropriado para discussões desses assuntos de relevância nacional. Segundo o diretor técnico-comercial da Emgepron, o incremento contínuo no número de associados, desde sua abertura para novos associados em abril de 2021, além da participação efetiva das entidades associativas e de classe, assim como de representantes da academia e personalidades dos conselhos consultivos da associação do CTN-RJ, vêm contribuindo para continuidade dessas atividades.
O diretor-presidente do Cluster Tecnológico Naval do Rio de Janeiro, Walter Lucas da Silva, disse que o CTN-RJ vem acompanhando o tema, com base nas análises que foram feitas, tanto no cenário internacional, quanto nacional. Ele contou que o assunto foi inserido como uma de suas prioridades de ações, apresentadas em seu plano estratégico (2021-2025) e no de desenvolvimento de negócios (2021-2022).
O grupo observou a profunda relação da reciclagem naval com a questão das embarcações abandonadas ou encalhadas. “As lacunas na legislação brasileira e no arcabouço normativo, por vezes incipiente no que se refere ao tratamento desses ativos, associados às disfunções da burocracia, permitiram que os seus responsáveis legais utilizassem, como local de descarte, áreas marítimas ambientalmente sensíveis, como baías, enseadas, estuários ou demais reentrâncias do nosso litoral”, elencou Silva.
O diretor-presidente do CTN-RJ ressaltou que esse é um problema mundial, tratado na Organização Marítima Internacional (IMO), que promulgou a Convenção para a Reciclagem de Embarcações em Hong Kong (2009), fruto do incremento do descarte inapropriado de embarcações em todo o mundo e impulsionado pelo aumento significativo do tráfego marítimo internacional e da exploração de recursos offshore nas últimas décadas.
Silva afirmou que, desde a sua criação, o CTN-RJ vem promovendo fóruns de debate ou participando de eventos onde o assunto faz parte da pauta, assim como trazendo autoridades governamentais, de nível regional ou federal, para buscar soluções para as questões envolvidas. Ele destacou que representantes de entidades acadêmicas estão sendo motivados a participar, convergindo com as ações que visam obter tais soluções. “Sendo um problema que demanda uma abordagem estruturada e multifacetada, essas ações podem proporcionar mais segurança jurídica, técnica e econômico-financeira aos empreendedores e investidores”, avaliou.
O CTN-RJ também buscou aproximação com representantes do governo estadual e da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, a nível regional, como também na esfera federal com representantes do Congresso, da Marinha do Brasil e demais órgãos. O projeto “Reciclagem Naval”, no qual teve a participação de 25 instituições públicas e privadas, com mais de 30 especialistas no tema. O guia contém dados do mercado nacional e internacional para que os investidores possam tomar suas decisões de negócios com mais segurança. a cartilha pode ser utilizada por empreendedores e por uma estrutura que possa ser criada para a governança dessa atividade no país. O projeto também lançou uma proposta de anteprojeto de lei sobre reciclagem naval.
O CTN-RJ contribuiu com o PL 1584/2021 para a reciclagem de embarcações, do deputado federal Coronel Armando (PSL-SC), que encontra-se em tramitação na Câmara dos Deputados. A proposta resultante do Projeto “Reciclagem Naval”, apresentado à Alerj, também será apresentada à Comissão Estadual para Desenvolvimento da Economia do Mar (Cedemar), recém-criada no governo estadual, por indução do Cluster.
Recentemente, integrantes do Tribunal Marítimo foram nomeados para compor, como membros convidados, o Cluster Tecnológico Naval do Rio de Janeiro, participando de estudos que incluíam a questão das embarcações abandonadas, afundadas, ou, ainda, em más condições que se encontram na Baía de Guanabara e as possíveis soluções para resolução dessa importante questão.
“Uma das possibilidades apontadas seria a venda e reciclagem dessas embarcações/cascos, solução que não somente seria benéfica para segurança da navegação e preservação do meio ambiente marinho, mas também poderia constituir uma excelente oportunidade de atração de investimento, criação de novos negócios associados à ‘Economia Azul’ e geração de riquezas”, informou a Corte do Mar.
Em novembro, o Tribunal Marítimo promoveu o XI Workshop de Direito Marítimo, cujo tema foi a “Sustentabilidade e Atividade Marítima: essenciais na Economia Azul”. Um dos painéis abordou o tema “Reciclagem de embarcação no Brasil: Convenções Internacionais e legislação pertinente”. Na ocasião foram expostos estudos e debatidas propostas, que contribuíram para a disseminação do assunto.
O TM ressaltou que a Corte do Mar não possui competência para julgar eventuais questões cíveis ou criminais decorrentes das situações apontadas, sendo o Poder Judiciário o foro próprio para resolução de tais demandas. No entanto, se houver acidentes ou fatos da navegação, previstos na Lei 2.180/1954, o agente da autoridade marítima deverá instaurar um inquérito sobre acidente ou fato da navegação (IAFN). Após o encerramento o IAFN é encaminhado ao Tribunal Marítimo, sendo posteriormente convertido em processo e apreciado pelo colegiado de juízes da Corte.
O Tribunal Marítimo considera que a questão que envolve embarcações abandonadas, fundeadas em mau estado de conservação ou cascos afundados é de conhecimento notório, podendo ser facilmente visualizado, por exemplo, por aqueles que trafegam diariamente pelas vias que margeiam a Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. “Em nossa opinião, é um tema de elevada relevância para toda a sociedade e que deve ser trazido à pauta com máxima brevidade e precedência pelos atores dos setores público e privado envolvidos na questão”, manifestou o tribunal.
Na avaliação da Corte do Mar, há soluções bem encaminhadas para permitir a retirada dessas embarcações nessa situação. Entre elas, a criação de um ambiente de cooperação e parcerias para agentes econômicos, públicos e privados a partir de um espaço de diálogo e negociação entre academia, indústria e governo, estimulados pelo Cluster.
A expectativa é que o Brasil seja o terceiro maior mercado de descomissionamento offshore nos próximos dez anos, com pelo menos 102 plataformas (31 flutuantes e 71 fixas) desativadas na próxima década. “Tais iniciativas devem promover o fomento e incentivar/facilitar a realização da reciclagem de embarcações, contribuindo para a adequada destinação final de embarcações abandonadas, em final de ciclo de vida útil e cascos afundados, com evidentes resultados ambientais, de segurança, sociais, econômicos e paisagísticos”, projeta o Tribunal Marítimo.
Recentemente, o diretor-presidente da Emgepron, Edésio Teixeira, disse em um evento que a Baía de Guanabara, em alguns trechos, se tornou praticamente um ‘cemitério de navios’. Na ocasião, ele defendeu um trabalho conjunto para mobilizar autoridades e a indústria para resolver o problema. Na ocasião, ele explicou que muitos dos navios abandonados e dos cascos soçobrados foram revertidos à União, o que gera uma burocracia enorme devido aos litígios judiciais não resolvidos e dificulta a liberação para retirada desses cascos e posterior desmanche em estaleiros na Baía de Guanabara. “Temos um projeto pronto, licenciamento e só estamos aguardando a vontade política e a liberação dessa pendência junto ao Ministério Público”, afirmou.