Simulação computacional é um dos exemplos da modernização de processos de construção de navios e outros tipos de embarcações, cenário que vem facilitando trabalho de engenheiros via testes virtuais, que não comprometem projetos futuros de prototipagem
O mundo passa por uma profunda transformação digital nas empresas e o que era esperado para daqui a cinco anos, no mínimo, teve de ser adiantado como consequência da acelerada globalização do universo online, nos últimos tempos. Como o caminho da digitalização não tem volta, a indústria naval tende a acompanhar as inovações tecnológicas, se quiser se manter competitiva.
Para Frederico Cupello, CEO da Ghenova Brasil, “a construção naval, historicamente, se desenvolve a passos mais curtos que outras indústrias, como a automobilística, por exemplo”. “A principal tendência para os próximos anos é a transformação digital, ilustrada pela indústria 4.0 também sendo aplicada na indústria naval mundial”.
“O desenvolvimento de novas tecnologias, para ampliar os itens que podem ser instalados antes da edificação (a exemplo dos estaleiros) e, por consequência, diminuir a quantidade de horas de instalações a bordo, também vem se mostrando uma tendência contínua”, avaliou o executivo da Ghenova, empresa internacional que oferece serviços de engenharia multidisciplinar e consultoria nos setores de energia, infraestrutura, indústria naval, offshore, aeronáutica e tecnologia da informação.
Atualmente, segundo Cupello, a transformação digital vem crescendo em conjunto com a adoção e iniciativas de P&D (pesquisa e desenvolvimento) no setor naval da Europa. “A corrida para otimizar os custos é uma realidade mais urgente para os estaleiros europeus, especializados em embarcações de maior complexidade e valor agregado”, disse o executivo à Portos e Navios.
No mercado brasileiro, ele ressaltou que tem notado “maior procura por soluções, como gêmeos digitais na indústria de O&G (Óleo e Gás) que, unida a outras voltadas para a gestão do ciclo de vida (GCV), possibilitam maior controle sobre o estado atual e futuro dos ativos”. “A Ghenova possui portfólio nessa área e vem obtendo evidências efetivas do ganho operacional, proporcionado pelas soluções próprias de gêmeos digitais e GCV, junto a nossos clientes”.
Ao analisar o mercado naval, Cupello comentou que, sem dúvida, “o mercado de defesa sempre foi o pioneiro, historicamente, no desenvolvimento e adoção de novas tecnologias”. “Como essa é uma área relevante de atuação da Ghenova, nos unimos para participar de muitas iniciativas, demandadas por nossos clientes, nesse setor. Já no mercado civil, e igualmente importante portfólio da nossa empresa, o setor de cruzeiros busca por constantes inovações, tanto na construção dos navios, devido aos cronogramas rígidos, quanto na operação dessas embarcações”.
Processos automatizados
Nesse universo tecnológico da indústria naval, a engenheira química Karolline Ropelato, Latam & Iberia Technical Manager da Engineering Simulation And Scientific Software (ESSS), empresa multinacional brasileira especializada em simulação computacional, diversos processos estão mais automatizados, tais como: desenvolvimento de geometrias parametrizadas; redução de massa no projeto de módulos topside; levantamento de deformações térmicas em navios-tanque, durante o transporte de produto a quente; além do aumento da capacidade de carga de guindastes e sistemas de içamento.
A engenheira ainda citou os avanços na estimativa de vida em fadiga para planejamento de manutenção de embarcações, sujeitas aos efeitos de ondas e correntezas; estimativa de forças de arrasto e elevação em equipamentos submarinos; impacto de ondas e embarque da água em cascos de navios; melhoria de eficiência em sistemas de propulsão, com predição de cavitação e desgaste em hélices; e identificação de zonas quentes ao redor de helidecks, trazendo segurança às operações em diversas condições operacionais e ambientais.
O CEO da Ghenova Brasil, por sua vez, enumerou melhorias nos serviços de corte e chanfro de chapas e perfis; soldagem; tratamento, pintura, preparação e finalização de chanfros em chapas e tubos. “A automação de processos no mercado naval evolui em marcha lenta, de modo geral, demarcado por projetos e construções ‘customer built’. Entretanto, a manufatura aditiva vem ganhando espaço, após as primeiras peças terem sido classificadas e testadas em embarcações em operação”, ponderou Cupello.
Simulação computacional
Segundo a multinacional ESSS, diversas soluções na área de simulação computacional vêm sendo implantadas no desenvolvimento de produtos destinados à construção de navios, tais como: simulações multifísicas, análises estruturais, análises de fadiga e falhas, eletromagnetismo, dinâmica de fluidos, previsões acústicas e otimização de projetos.
A simulação computacional vem facilitando a vida de engenheiros na hora de projetarem – com eficiência, excelência e prazo menor – o máximo possível de testes virtuais, sem comprometerem seus projetos futuros de prototipagem. Esse é o principal benefício para empresas do setor naval, de acordo com a ESSS, que vêm empregando o programa Computer Aided Engineering – CAE (Engenharia Assistida por Computador, em tradução livre).
A companhia também destacou que fabricantes de navios e outros tipos de embarcações mais modernas precisam desenvolver projetos que permitam analisar, construir e testar modelos, confirmando o desempenho funcional de seus produtos. Como resultado disso, é possível fazer as mudanças necessárias ao longo desse processo, decorrentes de atrasos dos cronogramas, disparada dos custos e produtos que podem ficar obsoletos, frente às exigências do mercado e dos negócios, entre outras situações.
A engenheira Karolline Ropelato (da ESSS) relatou que, “atualmente, as tecnologias de simulação são utilizadas para o desenvolvimento de diferentes tipos de embarcações, desde projetos de plataformas offshore, como FPSOs (sigla em inglês para Floating, Production, Storage and Offloading) e unidades semi-submersíveis, passando por rebocadores, barcaças, cruzeiros, fragatas, entre outros”.
Tendências
Conforme a especialista, a partir dessas ferramentas de análise, que acompanham as várias fases do projeto de um navio, por exemplo, a simulação ajuda na otimização de seu desempenho, integridade estrutural, confiabilidade, durabilidade, custos e outros requisitos.
Para Karolline, a simulação computacional é uma das principais tendências adotadas pela indústria naval ao redor do mundo, objetivando reduzir custos com processos de construção de navios e outros tipos de embarcações mais modernas, “por meio do desenvolvimento de simulações numéricas em etapas iniciais do projeto, para avaliar diferentes conceitos e propostas construtivas, reduzindo a quantidade de testes físicos e o tempo total desse mesmo projeto”. “Um exemplo vem da Delta Marine (empresa construtora de iates) que, para realizar o cálculo dinâmico de casco pela ISO 6954, levava entre quatro e seis meses pelos métodos tradicionais. Hoje, esse tempo foi reduzido para dois dias, com a simulação”, citou a engenheira.
Aplicação na prática
Karolline citou empresas públicas e privadas, que vêm utilizando a simulação computacional em seus projetos: Petrobras, Centro de Projetos de Navios (CPN), Diretoria de Engenharia Naval (DEN), Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP), Estaleiro Navship (SC), Bureau Veritas, DBR Energies (Doris), PhDsoft, entre outras.
“A Mechanical, por exemplo, está realizando análises estruturais, pelo Método de Elementos Finitos, para avaliação estática e dinâmica, além da interação solo-estrutura para equipamentos submarinos e sistemas de ancoragem. A LS-Dyna está fazendo análise dinâmica de alta velocidade para averiguação de impactos e testes de queda. Já a Aqwa vem trabalhando com a análise hidrodinâmica para avaliação dos movimentos de embarcações, configurações das linhas de ancoragem e interação hidrodinâmica entre múltiplas estruturas”, pontuou Karolline.
Ela ainda acrescentou o trabalho da Fluent e CFX, com a análise de fluidodinâmica computacional (CFD), para avaliação de sistemas de propulsão, impacto de ondas em plataformas e embarque de água; e da Motion com a análise dinâmica de múltiplos corpos para avaliação de içamento de equipamentos e estruturas. “Na área de engenharia oceânica, atualmente o trabalho de simulação em CFD reduz drasticamente a quantidade de ensaios experimentais (em tanque de reboque e túnel de vento), necessários para o projeto de plataformas”, assegurou o engenheiro Daniel Fonseca de Carvalho e Silva, consultor da Petrobras com mais de 15 anos de experiência em simulação em estruturas oceânicas.