A indústria naval brasileira sofreu um grande baque há quase 10 anos, que forçou toda a cadeia a se reinventar. Os primeiros anos de crise foram de escassez de encomendas, demissões e perda de competitividade. Após um período de terra arrasada, alguns estaleiros conseguiram avançar na recuperação judicial e firmaram contratos para retomar algumas atividades. O cenário ainda está longe do ideal, mas o setor vislumbra algumas oportunidades para se reerguer. A maior abertura para importação de embarcações estrangeiras a partir do programa BR do Mar também trouxe preocupação aos construtores nacionais. Agentes defendem a revisão e metas maiores de conteúdo local para garantir a participação de empresas brasileiras em novos projetos.
O Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval) apresentou, em julho, a edição 2022 da agenda com propostas para o fomento setorial e aumento de competitividade, tradicionalmente encaminhada aos candidatos à presidência a cada quatro anos. O documento destaca que, entre 2000 e 2013, a política de conteúdo local, as novas encomendas da Petrobras e o aumento da produção offshore fizeram com que o setor avançasse, em média, 19,5% ao ano, de acordo dados do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea).
O Sinaval ressalta que, em 2014, a indústria naval brasileira vivia um momento de ápice, conseguindo permanecer de pé após décadas de esquecimento. “Passados oito anos, às vésperas da escolha dos novos dirigentes do país, continuamos vivendo em um cenário de grandes números. Desta vez, infelizmente, negativos. Tudo o que foi conquistado em uma década de muito investimento e trabalho hoje se resume a uma tentativa de sobrevivência”, lamenta o presidente do Sinaval, Ariovaldo Rocha.
O levantamento do Sinaval contabilizou que o crescimento da atividade resultou na construção de 605 embarcações até 2016 e na criação de mais de 80 mil empregos diretos e 400 mil indiretos, além da qualificação da mão de obra da cadeia produtiva de petróleo e gás e do desenvolvimento da economia dos municípios onde os estaleiros estão localizados. A partir da crise iniciada entre o final de 2014 e início de 2015, o setor perdeu mais de 60 mil postos de trabalho. “Dos 28 estaleiros associados no final de 2014, muitos não estão operando. E os que restaram encontram-se na ‘UTI’, agarrando-se aos seus últimos contratos para não fecharem as portas”, declarou Rocha no lançamento da agenda setorial.
Um dos motivos apontados para o desaparecimento das encomendas é que a Petrobras, principal demandante de navios e plataformas no país até então, foi afetada pela crise política e econômica, interrompendo projetos e novas iniciativas, além da adoção de uma política de baixo conteúdo local, com encomendas das plataformas de produção em estaleiros asiáticos.
“Passados mais quatro anos de virtual paralisação, o cenário continua negativo e sombrio. As mudanças de diretrizes do governo federal impactaram diretamente toda a cadeia produtiva da construção naval. Houve uma queda brutal no número de empregos. A falta de encomendas e as alterações nas regras de conteúdo local continuam a ameaçar a sobrevivência dos estaleiros”, descreve o relatório.
O Sinaval, que representa alguns dos principais estaleiros do país, rebate o argumento de que a indústria naval é cara e ineficiente, ressaltando que a construção naval brasileira já provou a capacidade de produzir navios e plataformas com qualidade e eficiência. No documento, o sindicato menciona que os estaleiros nacionais realizaram entregas antecipadas, como a FPSO P-74, colocada em produção com 86 dias de antecipação em relação ao prazo contratual, resultando uma antecipação de caixa de cerca de US$ 900 milhões para a Petrobras, considerando o barril de petróleo ao preço de US$ 71 na época.
Os estaleiros defendem o fortalecimento do setor que evitará o desperdício dos cerca de R$ 10 bilhões do Fundo da Marinha Mercante (FMM) já investidos em instalações modernas para projetos navais. O Sinaval frisa que está aberto ao diálogo e pretende oferecer suas visões e propostas a todos os candidatos. “O setor naval é estratégico e tem que ser defendido por uma política de Estado. Não queremos privilégios, não temos partido político. Queremos o que toda nação desenvolvida já possui: uma indústria naval saudável”, afirma Rocha.
A cartilha reforça que a indústria naval é estratégica em países onde ela é forte e recebe apoio e incentivos governamentais, permitindo qualificação da mão de obra, geração de empregos e movimentando a economia. O documento sublinha que, para essa indústria ser competitiva, é necessário geração de demanda consistente que permita a evolução da curva de aprendizado e, consequentemente, a possibilidade de disputar mercado. Para o Sinaval, a recuperação do caixa da Petrobras é importante, mas não pode contribuir com “o fim de toda uma indústria”. O sindicato também enxerga a Marinha do Brasil como potencial demandante nos próximos anos por conta dos programas para renovação da esquadra, que tem navios militares no fim do ciclo operacional.
O Sinaval aponta que o Brasil precisa seguir o caminho adotado por países que apostaram numa forte política industrial e que contam com frotas sob seu controle — incluindo bandeiras de registro aberto — para o domínio estratégico sobre o transporte de cargas domésticas e internacionais. “No Brasil, a opção governamental foi abrir a cabotagem nacional aos operadores estrangeiros e permitir a importação ou o afretamento sem impostos dos navios necessários, que poderiam ser encomendados no país”, lamenta o sindicato — que pede o aperfeiçoamento do marco regulatório da navegação, a fim de fomentar a construção local de navios por armadores de cabotagem e de longo curso, compensando o estímulo à importação de navios previsto pela Lei 14.301/2022, sancionada este ano.
A Lei 14.301, que cria o programa federal que visa ao estímulo à cabotagem (BR do Mar), trouxe alterações no marco regulatório do setor (Lei 9.432/1997), com regras mais flexíveis para o afretamento de navios de bandeira estrangeira, mantendo a limitação do transporte por cabotagem no Brasil às empresas brasileiras de navegação (EBNs), que não precisam ser proprietárias de navios. A lei permite que as EBNs possam operar com embarcações próprias ou afretadas. As alterações na legislação mantiveram a exigência de embarcação própria sem limitação do local de construção e a possibilidade de afretamento com 50% da tonelagem da frota própria, na modalidade a casco nu com suspensão de bandeira.
Ficou garantido o afretamento de, pelo menos, uma embarcação de porte equivalente, acrescentando o afretamento de uma embarcação estrangeira a casco nu com suspensão de bandeira, independentemente de contrato de construção em eficácia ou de propriedade de embarcação brasileira. O limite de afretamento de uma embarcação estrangeira a casco nu com suspensão de bandeira será ampliado gradativamente, desde duas embarcações após um ano de vigência contratual, até qualquer quantidade de embarcações após quatro anos de vigência do contrato.
Armadores consideram que a indústria naval precisa encontrar formas de caminhar com as próprias pernas e buscar competitividade a nível internacional, sem depender de garantias de demandas de empresas que operam na navegação costeira. A Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem (Abac) entende que, mesmo que houvesse encomendas de navios para transportar toda a carga brasileira na cabotagem, a demanda anual de navios para operar neste modal no Brasil não seria suficiente para manter todos os atuais estaleiros brasileiros funcionando.
“A indústria naval precisa andar com suas próprias pernas. Não conseguimos colocar encomendas em quantidade suficiente para sustentar a indústria naval (…). Os estaleiros precisam ser competitivos internacionalmente também”, afirmou o diretor executivo da Abac, Luis Fernando Resano, durante painel sobre a regulamentação do BR do Mar do XII Workshop de Direito Marítimo promovido, em maio, pelo Tribunal Marítimo, no Rio de Janeiro.
Para o Sinaval, é impossível que estaleiros brasileiros consigam ser competitivos, principalmente com a China, devido à carga de impostos que os construtores precisam pagar no Brasil. A entidade afirma que os estaleiros arcam com os mesmos impostos pagos pelos armadores e que podem vir a receber incentivos do governo, assim como os donos e operadores de navios podem obter recursos do governo federal para reparos, por meio das contas vinculadas. “Há um equívoco em falar que a indústria naval precisa caminhar com as próprias pernas. Já provamos que somos competentes e conseguimos construir”, comenta o vice-presidente executivo do Sinaval, Sérgio Bacci, à Portos e Navios.
Bacci cita que as empresas de apoio offshore construíram em torno de 250 barcos de apoio no Brasil, chegando a ser a segunda maior quantidade desse tipo de embarcação por um período, enquanto empresas de cabotagem construíram poucas embarcações no país, dando preferência a trazer navios do exterior sem pagar impostos. Bacci diz que os armadores sabem que o problema de competitividade internacional não está nos estaleiros. “Não deixamos de ser competitivos porque queremos. Se tivermos demanda e incentivo do governo, conseguiremos ser competitivos, tanto que fomos competitivos nos barcos de apoio”, afirma Bacci.
Ele avalia que a regulamentação da Lei 14.301/2022, ao criar a possibilidade de afretamento de três embarcações de bandeira estrangeira para cada embarcação própria de bandeira brasileira, afasta a possibilidade de se ter uma indústria naval no Brasil, permitindo que os armadores possam trazer navios de fora sem pagar impostos. “Essa regulamentação do Ministério da Infraestrutura é um absurdo. É não querer realmente que se tenha indústria naval no Brasil. Isso tudo é uma ‘cortina de fumaça’ para [armadores] poderem trazer navios para o Brasil sem pagar imposto”, aponta Bacci.
A Abac considera que a indústria naval nacional precisa de desoneração de custos e políticas que incentivem a continuidade de demandas para construção e reparos. Para a associação, ainda que as EBNs que operam na navegação costeira encontrassem condições mais favoráveis para encomendar navios no país, a demanda não seria suficiente para assegurar a estrutura de estaleiros construtores locais. A avaliação é que a construção de um navio mercante, durante três a quatro anos, não garantiria a nenhum estaleiro de maior porte manter milhares de empregos no médio e longo prazo. Outro aspecto é que o programa BR do Mar não cria incentivos à construção no Brasil.
“Mais importante que ter encomendas, é ter perenidade de encomendas”, comentou Resano, em participação no webinar Indústria Naval e Defesa na Economia do Mar, promovido pela Superintendência da Economia do Mar da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Energia e Relações Internacionais do Rio de Janeiro (SEDEERI), em julho. Para Resano, a falta de continuidade dessa indústria no Brasil passa pela necessidade de se criar um ambiente de negócios, dentro de uma política marítima nacional.
Ele defende mais diálogo com o governo a fim de que o setor seja ouvido. “Precisamos ser ouvidos e vemos que é preciso tornar a indústria naval desonerada. Estamos para dar 14º salário para funcionários públicos e onerando a importação de sobressalentes. Isso é um desincentivo porque, em vez de fazer reparo no Brasil, [o armador] mandará fazer reparo no exterior porque já traz o navio com sobressalente sem imposto”, disse Resano.
No mesmo evento, o diretor-presidente da Empresa Gerencial de Projetos Navais (Emgepron), vice-almirante Edésio Teixeira, defendeu que o Rio de Janeiro tem vocação para se tornar um hub logístico para a cabotagem, unindo todos os modais. Ele citou um estudo conduzido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) que aponta o Rio de Janeiro com vocação para ser hub de manutenção naval, devido à cabotagem e à navegação de longo curso. “Existe interesse de armadores internacionais que pretendem se instalar no Rio de Janeiro, usando a capacidade para transformá-lo num cluster”, afirmou Teixeira.
Ele destaca que Itaguaí (RJ) dispõe de um porto de águas profundas e infraestrutura adequada para se transformar em hub para transbordo de contêineres. Acrescenta que, por natureza, o desenvolvimento de um cluster naval depende de um negócio âncora para se desenvolver. Os representantes do cluster do Rio de Janeiro vislumbram aliar atividades ligadas à construção e manutenção naval e transporte marítimo à infraestrutura portuária e ao e-navigation — ambiente de controle e segurança do tráfego marítimo, cujo conceito prevê maior produtividade e melhor utilização das instalações portuárias.
O diretor executivo da Abac pondera que a balança comercial brasileira é feita de exportação de commodities e que não há controle de preços sobre os produtos, que são transportados em navios de propriedade de empresas estrangeiras. Segundo Resano, a balança de serviços é extremamente deficitária porque o país remete frete. “Precisamos aumentar a presença da bandeira brasileira no comércio exterior, e não ficar limitados aos poucos navios da Transpetro que fazem a exportação de petróleo”, defende Resano.
Ele lembra que existe a prerrogativa constitucional de que a exportação do petróleo produzido em águas territoriais seja exclusiva de empresa brasileira, porém é feita em navios de bandeira estrangeira por falta de uma frota expressiva para esse segmento de embarcação. “Os armadores brasileiros estão para investir aqui. É muito mais fácil investir aqui, entretanto precisamos criar um bom ambiente de negócios”, afirma Resano.
Em outra frente, os estaleiros sugerem um novo programa, nos moldes do Programa de Renovação da Frota de Apoio Marítimo da Petrobras (Prorefam), a fim de estimular a construção de novas embarcações de apoio marítimo. O Sinaval propõe ainda assegurar recursos do Fundo da Marinha Mercante (FMM) e projetos de construção de navios, plataformas e estruturas para novas atividades, como geração eólica offshore, além de medidas para levar a estaleiros brasileiros serviços de desmonte de navios e desmantelamento de plataformas.
O pacote de propostas da agenda do Sinaval recomenda a discussão de formas de ampliar incentivos fiscais estaduais e federais à construção naval, além de uma reforma tributária que seja capaz de simplificar o sistema atual, por exemplo, com a criação de um imposto único de valor agregado incidindo sobre todos os bens e serviços. As propostas também pedem uma oferta de financiamento com juros competitivos e a extinção da intermediação dos agentes financeiros nas operações com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O segmento defende linhas de crédito adequadas para a ampliação da construção de embarcações no Brasil, tanto na região Norte para produção das barcaças que atendem o agronegócio, quanto para as demais regiões onde estão instalados estaleiros que constroem navios de todos os tipos e portes.
Desde 2020, o Estaleiro Atlântico Sul (EAS) vem realizando uma série de reparos de navios e negociando docagem e reparo junto a armadores. No ano passado, o plano de recuperação judicial do estaleiro foi aprovado. Apesar do momento da construção naval e das incertezas sobre as demandas da indústria para os próximos anos, a administração do EAS continuou a apostar na diversificação das atividades. A partir da reestruturação da dívida, o estaleiro concentrou os esforços na captação de novas oportunidades de negócios.
O Estaleiro Rio Grande (RS) também continua a prospectar novos negócios. Apesar do foco na construção, a Ecovix, que administra o ativo, estuda outras potenciais atividades, desde reparos e descomissionamento a mercados em desenvolvimento, como o de eólicas offshore. O grupo avalia que o plano de recuperação do estaleiro tem seguido seu rito e que, por conta do cumprimento das exigências, não haverá nenhum tipo de entrave a potenciais novos negócios. A empresa também vislumbra uma parceria para projetos no setor de petróleo e gás.
O diretor operacional da Ecovix, Ricardo Ávila, destaca que o estaleiro realizou dois reparos para navios da Siem Offshore, armador estrangeiro, entre o final do ano passado e o início de 2022. Ele explica que um dos desafios para o estaleiro participar das concorrências por esses serviços é a proximidade dos ativos do Sudeste, principal centro de reparação. “Temos alguns orçamentos para reparos na rua. É um mercado muito competitivo, mas algumas propostas podem ser convertidas em negócios”, conta Ávila.
O grupo também participou do processo de orçamento da FPSO P-79, que será fornecida para a Petrobras pelo consórcio formado por Saipem e DSME. O estaleiro EBR, localizado próximo ao ERG, construirá sete módulos para essa plataforma, que vai operar no campo de Búzios, no pré-sal da Bacia de Santos. Ávila acredita na possibilidade de uma parceria com o EBR para projetos da área de petróleo e gás. “Entabulamos algumas conversas com o EBR para ver se conseguimos ajudá-los e temos conversado para oportunidades futuras. Talvez surja a sinergia de um pequeno polo naval no sul do país”, projeta Ávila.
A Ecovix também olha para oportunidades de construção e logística das estruturas para os parques offshore, assim como para atuar como uma base de apoio à operação e à manutenção desses ativos. O ERG já recebeu visitas de empresas interessadas, mas a Ecovix acredita que a demanda deva se materializar entre 2023 e 2024. A empresa vê competitividade em seu estaleiro, principalmente em projetos no Rio Grande do Sul, devido à proximidade dos futuros parques. O estado tem capacidade em áreas de profundidade de até 50 metros, segundo o Plano Nacional de Energia.
Além dos serviços de reparos navais/offshore, o Estaleiro Mauá (RJ) está dedicado aos projetos que envolvem sua infraestrutura marítima/portuária para os serviços de “base logística” destinados à navegação de apoio marítimo a operações offshore, como também a projetos de engenharia offshore que necessitem de acesso aquaviário, utilizando todas as facilidades de sua “Plataforma Portuária Industrial”. A plataforma é voltada para atendimento a operações marítimas/portuárias, o apoio à navegação, além de diversos serviços de engenharia naval/offshore e facilidades para responder às ações ambientais desses armadores.
O estaleiro avalia que conseguiu passar pelo período mais crítico da pandemia, atendendo com qualidade seus clientes. “Graças às ações desenvolvidas por sua qualificada e experiente equipe técnica, somadas às orientações dos diversos órgãos governamentais, o Estaleiro Mauá atendeu 100% das demandas geradas por seus clientes armadores, principalmente no seu ponto mais crítico, que foi no apoio às operações marítimas/portuárias”, informou a administração do estaleiro à Portos e Navios.
A equipe do Mauá acrescenta que para reparos navais e offshore não foi diferente, uma vez que houve planejamento e execução desses serviços, conforme todas as normas e orientações sanitárias para prevenção da Covid-19, além de planejar e cumprir, com sucesso, uma agenda para a vacinação de todo seu quadro pessoal.
O Estaleiro Mauá apostou num grande movimento interno, envolvendo toda a sua área comercial, visando entregar um novo valor aos clientes. Segundo a diretoria, a amplitude nesse campo de atuação tem, como objetivo, aumentar a penetração do Mauá no segmento offshore, com maior oferta de infraestrutura e expertise nas soluções para esse mercado.
“É perceptível que, num espaço curto de tempo, vem crescendo a presença do Estaleiro Mauá nas mídias sociais digitais. É fundamental complementar a comunicação com o mercado e com toda a sociedade, tornando mais fácil identificar para qual horizonte o estaleiro está orientado”, destaca a empresa.
Para a diretoria do Estaleiro Mauá, o Brasil claramente demanda uma política para o desenvolvimento do setor da indústria naval, acompanhada de um conjunto de ações para o seu fomento e melhoria das condições em todos os seus aspectos, como tributários, legislativos e trabalhistas. A administração destaca que o estaleiro participa de instituições civis nas esferas municipal, estadual e federal que representam seus interesses e valores, porém considera não ser possível aguardar pela maturação de uma política de Estado voltada para este setor.
“Diante do atual cenário da indústria naval nacional, o desafio para o Estaleiro Mauá é aumentar sua participação na indústria marítima nacional, fazendo mais e melhor com menos”, ressalta. A gestão do Mauá também acredita que o atual modelo de negócio dará suporte para o estaleiro alcançar e aproveitar as oportunidades para ampliar esse desenvolvimento. A diretoria afirma que cada passo da estratégia de ações comerciais exige muito planejamento e articulação da equipe.
Em julho, a Enseada Indústria Naval recebeu uma nova autorização da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), em caráter especial, para operar por até 180 dias movimentação e armazenagem de manganês em suas instalações, em Maragogipe (BA). A empresa do grupo Novonor (antiga Odebrecht), que dispõe de um estaleiro de grande porte e diversificou suas atividades nos últimos anos, tem autorização de terminal de uso privado (TUP). A Enseada requereu um novo prazo para realização de três embarques do minério para exportação, de modo que atenda ao serviço contratado pela Davos Comercial e Exploração Mineral Ltda. O TUP tem autorização para movimentação de granéis sólidos desde 2014.
No começo de julho, o complexo Enseada recebeu a visita do presidente Jair Bolsonaro (PL), e dos ministros Ronaldo Bento (Cidadania) e Carlos Brito (Turismo). A empresa informou que, durante a visita às instalações industriais, foram discutidos assuntos como: competitividade na construção de módulos de FPSO, parques eólicos offshore, operações logísticas e o projeto da ferrovia que interligará o complexo Enseada à Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), operada pela VLI Logística.
Também estavam presentes o presidente do Enseada, Mauricio Bastos de Almeida, o presidente da Bamin, Eduardo Ledsham, o vice-presidente da Brazil Iron Limited, Roberto Mann, além de outras autoridades, parceiros e trabalhadores do estaleiro. Durante a visita, Almeida, do Enseada, destacou que o complexo conta com uma área de 500 mil metros quadrados, que se transformou no maior terminal portuário de minério de ferro da Bahia. O complexo dispõe de um cais de recebimento de materiais e mais três cais de 270 metros de comprimento, todos com 13 metros de calado.
Em junho, a Enseada assinou contrato com as empresas CGN Brazil Energy e Goldwind para receber aerogeradores em seu terminal alfandegado e que terão como destino parques eólicos da Bahia. A operação prevê que o complexo receba e armazene pás eólicas, torres, naceles e hubs — componentes de grandes dimensões, para suprir os parques de Tanque Novo e Caetité.
A Enseada destaca que o contrato está alinhado com seu posicionamento estratégico focado em soluções logísticas e industriais para mercado de energia eólica e futuras fabricações estruturais de torres, fundações e flutuadores para parques eólicos onshore e offshore. As operações logísticas de parques eólicos na Enseada foram iniciadas no dia 19 de julho, quando atracou no cais 1 o primeiro navio trazendo componentes eólicos que serão instalados na região de Caetité. Ao todo, serão cinco desembarques, contabilizando 40 aerogeradores completos.
A Belov está focada na construção de dois empurradores híbridos para a Hidrovias do Brasil e na conversão de uma embarcação PSV (transporte de suprimentos) para OTSV (suporte a terminais oceânicos), que inclui a construção e a instalação de dois carretéis para mangotes de petróleo. O OTSV mantém contrato para operar para a Petrobras. “Além desses dois grandes projetos de construção, as docagens de embarcações em nosso dique flutuante, estão voltando a acontecer”, destaca o diretor de obras e serviços subaquáticos da Belov, Vilas Bôas.
Ele ressalta que as docagens e os reparos navais estão sempre no radar, mas a construção de embarcações especiais são o principal alvo do estaleiro. Vilas Bôas conta que o grupo construiu os primeiros barcos de mergulho do mundo que reuniram três tecnologias: ser embarcação diesel-elétrica, com posicionamento dinâmico tipo 2 (DP2) e que utiliza hidrojato como propulsão principal. “Ninguém nunca tinha feito isso e tivemos grandes desafios no caminho, mas o resultado foi excelente. Esse projeto recebeu duas premiações internacionais”, celebra Vilas Bôas.
O diretor da Belov salienta que as embarcações da Hidrovias do Brasil serão os primeiros empurradores híbridos do planeta e que a conversão da embarcação de apoio marítimo utilizará muita inovação e tecnologia. “É claro que as embarcações de tecnologia já dominada pelo mercado também são muito interessantes para o estaleiro, principalmente por terem menos riscos na construção que as especiais”, frisa Vilas Bôas.
Além das construções e reparos navais, o estaleiro da Belov presta apoio à pré-fabricação de estruturas das obras que o grupo executa. O grupo mantém empresas especializadas em construção portuária, serviços de mergulho, afretamento de embarcações, hidrografia, entre outros serviços. Vilas Bôas diz que esse aspecto foi importante para o estaleiro não parar nenhum dia, mesmo durante a fase aguda da pandemia, quando houve uma redução drástica das docagens em razão da postergação dos prazos para inspeções de classe.
A Belov avalia que a falta de projetos é um dos principais motivos de preocupação no setor. A empresa, porém, acredita que isso seja uma consequência de fatores como: custo de construção e as economias nacional e mundial mais fragilizadas. “É nessa hora que uma legislação e tributos bem pensados podem amenizar o impacto e incentivar os nossos clientes a investir em aumento e/ou renovação de sua frota”, defende Vilas Bôas.
O diretor acrescenta que a Belov está atenta a parcerias estratégicas para o futuro próximo, a fim de contribuir com o fortalecimento e crescimento da empresa. Vilas Bôas conta que a Belov chegou a fechar uma parceria com um estaleiro estrangeiro para construção de uma série de rebocadores, caso fossem vencedores da concorrência. Ele lamenta que o cliente tenha desistido do projeto e a parceria não tenha sido consolidada.
Em evento sobre inovação, o diretor de gestão e modernização portuária do Ministério da Infraestrutura, Otto Burlier, disse que a escassez de recursos do orçamento público faz com que o Estado brasileiro adote uma postura de buscar não atrapalhar investimentos por parte do capital privado. Ele ressaltou que existem financiamentos internacionais disponíveis na agenda de sustentabilidade e de novas tecnologias, além de algumas ferramentas públicas de fomento para o setor aquaviário, como o Fundo da Marinha Mercante (FMM).
Burlier afirmou que o governo pode atrair e tem trabalhado junto a organismos internacionais para fazer a ponte com o setor privado, a fim de ampliar o acesso a fontes de investimentos. “É uma possibilidade que podemos trabalhar, lembrando que infelizmente temos limitações. Os recursos são cada vez mais escassos”, comentou durante o painel Smart Port, desafios e oportunidades do mercado brasileiro’, no evento de lançamento do hub marítimo e portuário, promovido pelo Cubo Itaú, em São Paulo (SP).
Ele acrescentou que, além de impulsionar a cadeia de fornecedores, estaleiros e a construção de embarcações, o FMM é uma linha voltada para financiar investimentos em inovação, estudos e tecnologia. “Não dá para pensar, como no passado, que o Estado vai prover tudo. O Estado, pelo menos, não vai atrapalhar e tentar potencializar essas iniciativas”, salientou.
Durante o painel, o CEO da Hidrovias do Brasil, Fabio Schettino, destacou que o corredor de exportação do chamado Arco Norte se desenvolveu muito em razão do financiamento dos ativos de navegação, via FMM, e dos terminais com apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por meio da linha de project finance. Para o executivo, essa experiência do BNDES teve sucesso a ponto de haver casos de empréstimos ao segmento que foram quitados antes mesmo do último desembolso.
Schettino considera que esse apoio foi determinante para que o Arco Norte alcançasse a movimentação de mais de 50% de toda a produção de grãos produzidos no Mato Grosso. “Sem apoio do banco de fomento ou do fundo para financiar [a construção de] barcaças e empurradores no Brasil, provavelmente não teríamos feito o Arco Norte e gerado a competição que gerou. Um exemplo claro de como o governo pode cumprir papel de fomento, liberando capital para gerar outras iniciativas”, apontou Schettino.