O interesse dos Estados brasileiros pelos rendimentos decorrentes das atividades petrolíferas é notório, como ilustra a discussão acerca da repartição dos royalties do petróleo entre os Estados produtores e não produtores. Não é diferente com relação à tributação das atividades nessa indústria: em que pesem os esforços da União para reduzir a carga tributária do setor, os Estados caminham em sentido oposto, atropelando jurisprudência e legislação aplicáveis.
É característica da indústria do petróleo a necessidade de grandes investimentos já no início das operações, sem qualquer garantia de retorno. Ciente desta particularidade e da necessidade de incentivar o setor com vistas à desejada autossuficiência, geração de empregos e desenvolvimento do setor naval, a União instituiu o regime aduaneiro especial de exportação e de importação de bens destinados às atividades de pesquisa e de lavra das jazidas de petróleo e de gás natural (Repetro).
O Repetro conglomerou regimes especiais aduaneiros previamente existentes, dentre os quais a admissão temporária, que permite a importação de bens estrangeiros ou desnacionalizados procedentes do exterior, para desempenho de uma determinada finalidade específica, com suspensão total do pagamento dos tributos federais normalmente incidentes na importação.
Cabe aos Estados abrir mão de tributar,
sob pena de sufocar a indústria e afugentar investimentos
Segundo a Instrução Normativa nº 1.415, de 4 de dezembro de 2013, são requisitos para a concessão do regime:
- a importação do bem em caráter temporário;
- sem cobertura cambial, ou seja, sem remessa de valores para o exterior;
- adequação dos bens à finalidade para a qual foram importados;
- utilização dos bens em conformidade com o prazo de permanência constante da concessão e
- identificação dos mesmos.
Seguindo o exemplo da União, os Estados e o Distrito Federal, por intermédio do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), nos termos da Constituição Federal, adotaram tratamento semelhante em relação ao ICMS e aprovaram convênio isentando do imposto os bens importados ao amparo do regime especial aduaneiro de admissão temporária previsto na legislação federal específica.
No entanto, não tardou para surgirem tentativas no sentido de revogar a isenção, sob as mais diversas justificativas, sobretudo do Estado do Rio de Janeiro, que ao final vingaram. Nesse cenário foi publicado o Convênio 130, de 27 de novembro de 2007, que autorizou os Estados e o Distrito Federal a reduzir a base de cálculo do ICMS em importações de bens ou mercadorias destinadas às atividades de pesquisa, exploração ou produção de petróleo e gás natural.
Ocorre que tal tributação, mesmo reduzida, viola a Constituição Federal, pois é requisito da importação o caráter temporário e ausência de cobertura cambial, devendo o bem obrigatoriamente retornar ao proprietário estrangeiro ao término do contrato que amparou a importação, nos termos da instrução normativa que regula a matéria e do próprio Convênio 130/07.
Portanto, se o importador nacional em nenhum momento adquire a propriedade do bem, inexiste a transferência jurídica da mercadoria importada, necessária a configurar o fato gerador da obrigação tributária de recolher o imposto, conforme jurisprudência pacífica dos Tribunais Superiores, segundo a qual a circulação da mercadoria é pressuposto de incidência do ICMS.
Igualmente descabida é a pretensão dos Estados de cobrar ICMS na mera substituição do beneficiário do regime de admissão temporária, sob a justificativa, acolhida por determinados julgadores nos tribunais administrativos, de que por se tratar de nova admissão no regime, ficaria caracterizada outra importação do bem e, em razão do desembaraço aduaneiro, ocorreria fato gerador distinto daquele referente à primeira importação.
Sucede que, além da inconstitucionalidade quanto à inocorrência de circulação propriamente dita, não há entrada de bem ou mercadoria importados do exterior que justifique a cobrança do imposto, nos termos da Constituição Federal e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), sumulada no sentido de que o fato gerador pertinente ao ICMS concretiza-se no momento da entrada no Brasil da mercadoria importada, revelando-se legítima a cobrança do imposto quando da efetivação do ato de desembaraço aduaneiro.
Em suma, o ICMS incide na entrada da mercadoria em território nacional e o desembaraço aduaneiro é tão somente o momento em que deve ser realizado o pagamento do imposto.
Todavia, a legislação do Repetro é expressa em permitir nova importação do bem no regime de admissão temporária, sem exigência de sua saída do território aduaneiro, desde que atendidos os requisitos e formalidades para a sua concessão. Se o bem em momento algum sai do território nacional, por razões óbvias não há que se falar em nova entrada do mesmo no país, e consequentemente em fato gerador do ICMS. O desembaraço aduaneiro decorrente de nova admissão temporária na hipótese de substituição do beneficiário não se confunde com o fato gerador do imposto incidente na importação de mercadoria do exterior.
O que se vê, portanto, é a União reduzindo custos e incentivando o setor, e Estados e Distrito Federal semeando a insegurança jurídica e afastando investimentos ao impor elevada carga tributária de constitucionalidade questionável. Ao contrário do que ocorre com os royalties do petróleo, os Estados não podem pleitear à União que deixe de receber sua parte em seu favor, pois aquela já incorre em perda de receita ao suspender a cobrança dos tributos no contexto do Repetro. Caberia aos Estados abrir mão da intenção de tributar, sob pena de sufocar a indústria e afugentar investimentos e empregos. Já diz o provérbio: melhor perder os anéis, mas manter os dedos.
Fonte: Valor Econômico – Opinião – Edgar Santos Gomes, mestre em tributação internacional pela Universidade de Leiden, da Holanda, é advogado de Levy & Salomão Advogados