Apesar dos recursos do Fundo da Marinha Mercante (FMM) e interesse de bancos, burocracia e entraves estão desestimulando o setor naval do Amazonas
A Navalshore Amazônia começou nesta quarta-feira (24) com uma série de apresentações e debates entre representantes de empresas, entidades empresariais e poder público. No centro dos debates, a necessidade de diminuir a burocracia no financiamento de instituições financeiras para o setor naval, em especial para o Norte do país.
A analista de infraestrutura e representante do Ministério de Portos e Aeroportos, Laura Moutta Calado, abriu sua participação no painel “Financiamento à construção naval fluvial” explicando para empresários e representantes do setor como funciona a dinâmica de financiamento do Fundo da Marinha Mercante (FMM). Criado em 2004, o FMM é um fundo de natureza contábil, que visa destinar recursos para o desenvolvimento da Marinha Mercante e da indústria de construção e reparação naval brasileiras.
Ao abordar a atuação do FMM, Lara trouxe uma situação inusitada: o fundo possui recursos sobrando e ao mesmo tempo poucos projetos em execução. Isso porque como parte dos recursos são controlados por bancos, o risco financeiro e as exigências fazem com que parte dos investimentos demore a ser aprovado. Além disso, o Conselho Diretor do FMM, responsável pelas decisões e composto por sindicatos, bancos e representantes de sindicatos da sociedade civil também precisa avaliar, para evitar conflitos de interesses.
De acordo com a analista, apenas 34% dos recursos são utilizados. “Atualmente, há apenas 11 obras do Fundo da Marinha Mercante, sendo que há 269 obras aprovadas”, explicou Laura Calado. Apesar dos problemas burocráticos, ela ressaltou que o objetivo do fundo é o desenvolvimento do setor e parabenizou os representantes do setor na Região Norte pelo evento. “Esse congresso é uma conquista para vocês, meus parabéns”.
Investimento e financiamento
A burocracia na análise dos projetos para adquirir financiamento federal foi um dos fatores apontados como um dos maiores entraves para o setor naval no estado por Humberto Soares da Silva, pelo Diretor do estaleiro CHP Construções Navais e associado do Sindicato da Indústria Naval, Offshore e Reparos do Amazonas (Sindnaval).
“Os juros cobrados para o pagamento de seguros também desestimulam o setor”, lamentou. Além disso, o diretor reclamou ainda sobre a quantidade de garantias que as instituições bancárias exigem. Em alguns casos, as condições para adquirir um financiamento são consideradas irreais.
Ele lembrou ainda que o setor privado, em especial os bancos, perceberam as oportunidades do setor e se interessaram. Para se ter uma ideia, a participação dos portos do chamado Arco Norte nas exportações brasileiras cresceu 400% nos últimos 11 anos. “Mas embora o mercado esteja em alta e haja demanda, as condições oferecidas pelos bancos não são satisfatória. A Taxa Selic a 13% também atrapalha”, reclamou.
Silva mencionou ainda outros pequenos entraves técnicos, como a falta de informações dadas a pequenos empresários do setor no Amazonas. Humberto lembrou ainda que o transporte naval possui vantagens ambientais, sendo um dos modais de menor impacto poluente. “As empresas que adotarem esse modelo ou participarem terão facilidade na obtenção de selo verde de sustentabilidade”, sugeriu.
Dificuldades do setor local
Marcus Evangelista, presidente do Conselho Regional de Economia do Amazonas (Corecon-AM) também reforçou as críticas contra os entraves para a obtenção de financiamento para o setor naval do Amazonas. Ele reclamou do comportamento dos bancos, que por exemplo exigem capital de garantia de 130% do valor de um eventual empréstimo. Marcus lembrou ainda que poucas empresas da região possuem preparo contábil pra adquirir esse financiamento.
Para ter acesso a crédito atualmente, o empresário precisa ter uma série de requisitos apresentados para a aprovação de crédito por bancos privados, como capital social, movimentação bancária mensal, documentos contábeis e as chamadas Operações em SER. Dentre as garantias necessárias estão carta fiança, garantia hipotecária, aval e documentos da embarcação. “Mas infelizmente não é todo estaleiro que tem documentação ou capital para esse tipo de pedida”, lamentou.
Há ainda uma dificuldade que atrapalha a criação de novos projetos. Isso porque atualmente há uma diferença de documentação entre uma embarcação pronta e outra no projeto, o que pode tornar ainda mais burocrática a obtenção de financiamento. “As exigências são muito grandes. São coisas simples, mas que muitas empresas simplesmente não têm”, lamentou.
Outra reclamação feita por Evangelista é a emissão de licenças ambientais feitas pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM). “O órgão precisa se atualizar. O empresário precisa da licença para ontem”, afirmou o dirigente.
Iniciativas de fomento
Ainda durante o painel, representantes de outras entidades apresentaram modelos de atuação que podem beneficiar o setor. Kallil Iangle Maia, gerente substituto da Regional Norte da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), citou vários projetos criados na região Norte com financiamento da Finep, como o primeiro empurrador auxiliar elétrico do mundo em Belém, no Pará. “A função da Finep é trazer inovação para o Brasil”, afirmou.
O superintendente executivo do Atacado dos estados do Amazonas, Roraima, Acre e Rondônia da Caixa Econômica Federal, Bruno Cabral, falou sobre as soluções oferecidas pela instituição para os representantes do setor. Atualmente, a Caixa atua em várias linhas de apoio ao segmento de infraestrutura, variando de linhas de crédito a financiamento, como o Finisa e o FMM.
Sobre o problema da formalização abordado em outras palestras, Bruno explicou que a Caixa possui formas de acompanhamento no dia a dia para os clientes. Segundo o superintendente, a região possui uma ampla camada de oportunidades. “São mais de 60 mil quilômetros de rios navegáveis, há um potencial enorme a ser explorado”, afirmou.