A Câmara Setorial de Equipamentos Navais, Offshore e Onshore da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos identifica uma série de oportunidades para aumentar a participação da indústria local, desde a concepção ao desenvolvimento dos programas de construção naval — tanto de ativos civis, quanto militares. A avaliação da CSENO/Abimaq é que o estreitamento dos canais com os contratantes e prestadores, nos últimos anos, vem contribuindo com o aumento do conteúdo local nos projetos.
Nas demandas do segmento militar, o presidente da CSENO, Leandro Pinto, destacou a aproximação junto às sociedades de propósito específico (SPEs) Águas Azuis, responsável pelo Programa de Fragatas Classe Tamandaré (PFCT), e Polar 1, que executa a construção do navio polar Almirante Saldanha. Segundo Pinto, o objetivo é que a indústria atinja e aumente cada vez mais sua participação nos projetos da força naval.
As fragatas têm a meta de alcançar em torno de 40% a partir da segunda unidade, enquanto o navio polar deve chegar a 45%. Já os 12 navios-patrulha de 500 toneladas, incluídos no novo Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), deverão ter em torno de 50% de conteúdo local. “Temos certeza que damos o recado com um pouco mais dos 50%”, projetou Pinto, em agosto, durante painel da 17ª Navalshore. Ele destacou a participação da CSENO/Abimaq em grupos de discussão, como a câmara de nacionalização de programas da Marinha, coordenado pela Empresa Gerencial de Projetos Navais (Emgepron), além do convite da Transpetro para que fornecedores e estaleiros nacionais contribuam com o grupo de trabalho que estuda a construção de navios para renovação da frota da empresa.
A CSENO também observa uma série de oportunidades nas áreas de O&G e naval nos próximos cinco anos. Pinto lembrou que já existem contratações de novos investimentos pela Petrobras, pelo menos, até 2028, além de oportunidades de construção mapeadas. O presidente da CSENO defendeu a necessidade de garantir o conteúdo local para projetos futuros, sobretudo no setor de petróleo e gás.
Ele citou o caso da bacia de Campos Barracuda e Caratinga FPSO (unidade afretada), em fase de licitação, com entrega das propostas em março de 2024. O conteúdo local esperado é de 10% e o edital prevê que o não atingimento desse percentual mínimo não acarretará multa ou qualquer outra sanção para a contratada. “O mais importante não é a multa, é o fortalecimento e a participação da indústria local como um todo”, ressaltou.
A CSENO também trabalha com a expectativa de cerca de 60 embarcações de apoio offshore até 2026. A leitura é que existe uma demanda reprimida e a necessidade de gestão do ciclo de vida de embarcações com mais de 20 anos e novas unidades que serão incorporadas à frota de apoio marítimo nos próximos anos. “Vemos com bons olhos a sustentabilidade disso ao longo desse caminho. E é algo desafiador, pois já projetamos para 2026”, analisou Pinto.
A câmara setorial da Abimaq avalia que existe um novo ciclo de construção impulsionado pelas demandas da Petrobras e da Transpetro. Pinto cita a construção de SDSVs (mergulho raso), a reforma e atualização de PSVs (transporte de suprimentos) para contratos com novos requisitos da Petrobras. Ele mencionou entre demandas recentes a reforma de dois cascos de PSVs adquiridos pela Posidonia Shipping que eram da Brasil Supply, além de outros cascos de PSVs adquiridos pela Baru Offshore que vão passar por modernização. “O mercado aponta para um novo ciclo de construções puxadas por demandas da Petrobras e Transpetro. Estamos todos nesse caminho tentando ajudar a várias mãos”, disse.
O diretor de gestão de programas da Marinha do Brasil, vice-almirante Celso Mizutani Koga, afirmou que os programas de obtenção de meios navais da Marinha têm a orientação de fortalecer a estrutura produtiva nacional. Ele contou que o almirantado estabeleceu como premissa dos projetos tentar privilegiar a produção nacional, a construção em estaleiros no Brasil e aumentar os índices de conteúdo local. Koga citou o programa de fragatas classe Tamandaré (PFCT), em andamento, que prevê a construção de quatro unidades no estaleiro Brasil Sul, em Itajaí (SC). O projeto prevê 30% de conteúdo local para a primeira fragata e 40% a partir das demais unidades.
Ele disse que a força naval gostaria de alcançar índices de 60% a 70%, mas reconheceu que há desafios ligados à transferência de tecnologia e à atual capacidade da indústria brasileira. A primeira fragata (F 200 Tamandaré) teve batimento de quilha em março deste ano e está em fase de construção e testes. A previsão é que o navio militar seja lançado em 2024 e entregue até o final de 2025. As demais estão previstas para 2027 (F 201 Jerônimo de Albuquerque), 2028 (F 202 Cunha Moreira) e 2029 (F 203 Mariz e Barros).
A principal dificuldade da indústria brasileira para aumentar a participação local nos projetos, no curto prazo, está relacionada à parte de sensores e armamentos. “A maior dificuldade para aumentar o índice de conteúdo local é o desenvolvimento desse tipo de sensores e armamentos, mas temos confiança de que podemos melhorar bastante esse conteúdo local”, disse Koga, durante painel da 17ª Navalshore.
A avaliação, segundo o diretor, é que a base industrial de defesa é incipiente, mas vem melhorando bastante, com investimentos em pesquisa em áreas como drones e radares, por exemplo. “Essa tem sido uma preocupação. Apesar da alta complexidade, da resistência à transferência de tecnologia, é sempre importante aumentar o índice de conteúdo local”, analisou. Koga destacou que existem 39 empresas envolvidas com o PFCT que estão localizadas principalmente nas regiões Sul e Sudeste.
Outra espera da indústria naval e da base industrial de defesa é o programa de obtenção de navios-patrulha (Pronapa), que prevê o modelo NPaOc-BR, de 1.800 toneladas, e o NPa 500-BR (500 toneladas), semelhantes aos navios das classes Amazonas e Macaé, respectivamente. Koga explicou que o NPa 500 será um navio um pouco maior que o da classe Macaé e terá maior deslocamento, maior autonomia e outros avanços nas características do navio.
O navio-patrulha de 500 toneladas faz parte do programa de construção naval de longo prazo (PCNLP) desenvolvido pela Marinha e pela Emgepron e incluído no novo PAC, do governo federal. Há ainda avaliações sobre a adaptação do NPa 500MB em NCMM, para atuar como navio-mãe em operações de contramedidas de minagem. O detalhamento será feito pelo centro de projeto de sistemas navais.
O diretor acrescentou que o NPa Mangaratiba segue em construção no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ). “Estamos prevendo a instalação de sistemas de comando e controle [SisC2Geo (SCT)] desenvolvidos pelo Instituto de Pesquisas da Marinha do Brasil (IPqM) no Mangaratiba. Temos quantidade de sensores e armamentos a serem adquiridos para o NPa 500 que serão licitados. Estamos aguardando os valores orçamentados nos próximos anos, para dar início ao programa de obtenção dos navios-patrulha”, afirmou Koga.
O novo PAC tem listados R$ 53 bilhões para a indústria de defesa, sendo R$ 27,8 bilhões entre 2023 e 2026 e outros R$ 25 bilhões após esse período. Desse montante, 6 projetos são relativos à pesquisa, desenvolvimento e aquisição de equipamentos de grande porte para a Marinha, que somam R$ 20,6 bilhões. Entre os projetos da força naval, destaque para o Prosub, com a construção de 3 das 4 unidades de propulsão convencional diesel-elétrica restantes, e a construção do submarino de propulsão nuclear, bem como o programa nuclear da Marinha, que prevê combustível para este submarino e demais aplicações. O programa federal também incluiu a construção das 4 fragatas classe Tamandaré (PFCT) e de 11 navios-patrulha (Pronapa).
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) avalia que a elaboração de uma nova metodologia de conteúdo local para o setor naval depende de um diagnóstico consistente. A gerente do departamento de produtos e desenvolvimento de cadeias industriais do BNDES, Martha Madeira, observa que, com base em experiências anteriores, já existe uma certa dimensão do nível de presença dos fornecedores locais e da capacidade de fornecimento das empresas instaladas no país.
Ela citou também os trabalhos em curso da Câmara de Nacionalização para os Programas estratégicos da Marinha do Brasil, coordenado pela Emgepron. “Esse primeiro diagnóstico é fundamental para conseguir mais à frente elaborar uma boa política de conteúdo local”, disse Martha, durante painel da 17ª Navalshore. Ela acrescentou a necessidade de listar itens transversais a outros setores industriais.
Martha destacou que, durante quatro anos da metodologia, o setor eólico chegou perto de 90% de conteúdo local. De 2013 a 2018, foram investidos aproximadamente R$ 58 bilhões em projetos eólicos no Brasil, com cerca de 70% de participação de recursos do BNDES. Foram gerados mais de 40.000 empregos diretos e indiretos, segundo dados da ABEEólica. Também foram implementados 51 novos investimentos, em montante superior a R$ 1 bilhão, em novas fábricas no país.
Antes de 2013, havia 2,5 gigawatts (GW) instalados e 33 fabricantes envolvidos, distribuídos em 7 estados produtores. De 2013 até 2018, com impacto da política de conteúdo local, a capacidade instalada subiu para 15,6 GW, com 150 fabricantes envolvidos e passou para 11 o número de estados produtores.
O BNDES adotou como metodologia a definição de componentes que deveriam ser nacionalizados ao longo das fases, em vez de utilizar índices de credenciamento a serem alcançados. O banco de fomento definiu os componentes que deveriam ser desenvolvidos e integrados aos aerogeradores para serem entregues nos parques eólicos.
O BNDES estabeleceu componentes a serem nacionalizados e tecnologias que deveriam ser desenvolvidas no país. “Sempre buscamos essa lógica do que é necessário mais tempo para desenvolvimento e se é necessário certificação internacional para determinado item. Começamos com exigência básica para estabelecer o processo de montagem do país”, pontuou Martha.
Ela lembrou que, na época em que foi desenvolvida a metodologia, o setor de O&G estava em baixa e diversos fabricantes estavam com produção parada. Segundo Martha, isso fez com que o banco tomasse a decisão de que determinados componentes poderiam ser produzidos no país para o setor eólico, por fabricantes que tradicionalmente eram voltados para o setor de O&G. “Essa transversalidade de capacidade produtiva é para segurar a demanda e a escala para os fabricantes e também levamos isso em conta [nas análises]”, disse.
A gerente do departamento de produtos e desenvolvimento de cadeias industriais do BNDES também defendeu a abertura de empresas brasileiras para participarem de negociações internacionais. Há possibilidade de elas estarem no catálogo da OTAN (Organização do Tratado Atlântico Norte). O catálogo do BNDES tem mais de 8.000 fornecedores cadastrados e mais de 30.000 produtos disponíveis para serem financiados pelo banco.
Martha disse que existe um mapeamento que precisa ser feito para que seja possível introduzir essas empresas para essas negociações. “Mesmo que nossas forças não estejam precisando, pode ser que essas empresas nacionais consigam fornecer para empresas internacionais e manter sua produção forte”, projetou.
O BNDES é responsável pela aferição de conteúdo local de dois projetos da Marinha do Brasil, acompanhados pela Emgepron. Um deles é o Programa de Fragatas Classe Tamandaré, que prevê a construção de 4 unidades, a primeira com 30% e as demais com 40% de conteúdo local. O outro é o navio polar Almirante Saldanha, que prevê conteúdo local em torno de 45%.