FLORIANÓPOLIS — Pelo menos um setor da economia brasileira pode se orgulhar de apresentar números chineses de crescimento: o naval. Apesar da queda de investimentos após o boom que a descoberta do pré-sal gerou nos últimos anos, o mercado naval continua em alta. Empresas de Navegantes e Itajaí são as principais beneficiadas. Com crescimento acima de 10% ao ano, a maior dificuldade para os estaleiros continua sendo mão de obra qualificada. A solução foi a própria indústria preparar os trabalhadores, que vêm de regiões cada vez mais distantes.
Em 2002, quando abriu um pequeno estaleiro em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, o ex-pescador Marcelo Zenóbio só tinha cinco funcionários. Ele lembra que teve que meter a “mão na massa” em várias ocasiões, mas valeu a pena. “O nosso primeiro bloco flutuante pesava 20 toneladas, eu ajudei a soldar, pintar etc. Hoje produzimos 14 embarcações e estamos nos preparando para construir dois diques de 2.000 toneladas. Serão os maiores do Brasil”, contou o proprietário do estaleiro Zemar.
O estaleiro conta com 200 funcionários atualmente, sendo que 150 estão em Navegantes, onde Marcelo escolheu para fixar a empresa há seis anos. “Já conhecia essa região e lia muito sobre o crescimento naval daqui. Por isso, montamos a parte industrial toda aqui em Santa Catarina. Em Angra dos Reis ficou apenas um negócio de locação de embarcações. E aqui deu tão certo que devemos abrir um novo estaleiro, este em Itajaí, até o final do ano”, comentou.
“Como todo bom mineiro, gosto de ficar perto do mar”, brincou Marcelo, que também foi pescador e mergulhador profissional no Espírito Santo antes de entrar no setor da construção naval. Sobre a região que ele optou para ficar instalar a parte industrial do estaleiro, Marcelo elogia o desenvolvimento em algumas áreas, mas critica os atrasos para conseguir licenças ambientais. “Para construir esta empresa, eu tive que entrar na Justiça, pois a liberação da licença de operação estava com mais de um ano de atraso. O próximo que estamos construindo está no mesmo caminho”, afirmou.
“Não é um negócio para aventureiros”
Com o anúncio da descoberta do pré-sal, em 2007, houve um crescimento natural de investimentos no setor naval, principalmente pela Petrobras. Mas desde o ano passado, o mercado passou por uma desaceleração. “O mercado cresceu bastante por causa dessa especulação que a Petrobras incentivou. Nós chegamos a crescer 50% por ano, mas isso diminuiu. A própria crise atual da estatal, que passa por alguns escândalos, prejudicou o negócio. Quem deu um passo maior que a perna está atrasando a entrega de embarcações. Mas assim foi melhor, pois houve uma seleção natural de boas empresas. Isso aqui não é um negócio para aventureiros”, disse Marcelo.
Professor do curso de comércio exterior da Univali, Eclésio da Silva também aponta um desaceleração da economia naval, mas ressalta que o setor ainda é pujante. “Este mercado para estaleiros que fabricam embarcações para prospecção e alimentação direcionado para o setor petrolífero continua em alta. O que pode estar ocorrendo é um período de acomodação, seja pela deficiência de mão de obra ou a crise na economia. Mesmo assim, cresce em taxas acima de 10% ao ano”, comentou.
Oportunidade de vida nova
Há vagas. É difícil encontrar uma empresa do setor naval em Navegantes e Itajaí que não tenha uma placa com esse anúncio no portão de entrada. A dificuldade é tão grande para conseguir mão de obra, que as empresa optam por treinar os próprios funcionários. “O estaleiro Zemar tem treinamento permanente para os funcionários. Nenhum trabalhador da empresa fica mais de um ano sem fazer algum tipo de reciclagem ou curso de algo novo”, explica o coordenador de segurança do trabalho do estaleiro, Robson Vitorino.
Foi assim que o professor de língua estrangeira Jules Joseph, do Haiti, virou técnico em tubulação na Zemar. “Quando cheguei em Santa Catarina, há dois anos, não sabia muito sobre mecânica. Agora já tenho um bom emprego”, contou o ex-professor de espanhol, inglês, crioulo (língua falada no Haiti) e francês.
O drama pessoal de Jules comoveu os colegas de trabalho e a direção da empresa. Eles o ajudaram a trazer a mulher, Claudine, para Santa Catarina em 2013. “Fizemos uma vaquinha para colaborar na viagem dela. Temos oito haitianos trabalhando na empresa hoje e todos são bem queridos”, disse Robson.
O próximo objetivo de Jules é conseguir pagar a viagem dos filhos Djery, 6, e Djeferson, 2. Este último ele ainda nem conhece pessoalmente. “Saí do Haiti quando a minha mulher ainda estava grávida. Mas trabalhando vou conseguir trazer meus filhos”, afirmou.
Prata da casa
Do Rio Grande do Sul à Paraíba, as cidades que margeiam os rio Itajaí-Açu atraem trabalhadores de diferentes lugares. Mas é crescente também a procura por mão de obra local. Quem aproveitou isso foi o Bruno Moura, que nasceu em Navegantes e trabalha como ajudante de montagem. “Aprendi a soldar aqui na empresa. É difícil você não ver alguém da cidade que não trabalhe ou esteja procurando emprego em construção naval aqui na região. Os salários são melhores do que a média”, contou o dengo-dengo, como são conhecidas as pessoas naturais de Navegantes.
Com quase 10 anos de experiência em soldagem, Hilário Neto aproveitou a escassez de mão de obra especializada para trabalhar mais perto de casa. “Trabalha em outro estaleiro, em Itajaí, mas este aqui fica pertinho de casa. São menos de cinco minutos de caminhada. Também cheguei a trabalhar no ramo industrial de cordas, mas a construção naval paga bem melhor”, disse.
Para Robson, que é de Itajaí, quem entra para o setor naval na região não sai mais. “O salário é bom e o cuidado das empresas com regras trabalhistas é muito grande também, pois o MPT (Ministério Público do Trabalho) sempre faz vistorias. Daqui eu só saio quando não me quiserem mais”, brincou.
Crescimento e eficiência
Navegantes e Itajaí viram seus PIBs (Produto Interno Bruto) crescer mais de 50% entre 2009 e 2011, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), acima da média estadual de 30% no mesmo período. Um dos motivos está às margens do rio Itajaí-Açu, onde se concentram a maior parte das cerca de 70 empresas de construção naval de Santa Catarina. Esse crescimento se reflete na oferta de trabalho.
“A região de Itajaí e Navegantes deve empregar pelo menos 2.000 funcionários até o final do ano. Aqui na Zemar temos 150 trabalhadores, mas o ideal seria dobrar esse número até dezembro”, contou Marcelo Zenóbio.
Apesar do alto crescimento, a eficiência na produtividade é uma tendência no setor. A Zemar chega a fabricar embarcações que custam mais de R$ 20 milhões, e pelo menos 95% da estrutura é feita no próprio estaleiro, garante Marcelo: “Antes importávamos o aço, mas agora já temos um bom fornecedor nacional. A produção é praticamente toda feita aqui na empresa. Essa é uma das nossas garantias para poder entregar o produto final no prazo certo”.
Fonte: ndonline/Hyury Potter