Apesar da instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso para avaliar irregularidades na Petrobras, as ações preferenciais da empresa (PETR4) apresentam valorização de cerca de 50% desde meados de março. Um observador desavisado consideraria esse comportamento contraditório, irracional. Mas por que os investidores, especialmente os institucionais, resolveram adquirir ações da empresa?
Ou indo mais longe, o mercado tem avaliado corretamente as ações de estatais? As empresas públicas ou sociedades de economia mista possuem outros objetivos além do lucro. Elas podem funcionar para atender objetivos estratégicos do Estado, tais como promover o desenvolvimento regional ou atuar como linha auxiliar no combate a inflação. Dessa forma, estariam atendendo a sua função social. Embora essa visão possua opositores, há acórdãos do Superior Tribunal de Justiça que corroboram essa ideia da atuação mais abrangente das estatais. Por essa razão, as ações dessas empresas, em regra, negociam com desconto para as das competidoras privadas.
No caso da Petrobras, é difícil fazer essa comparação, pois não existem petrolíferas nacionais do mesmo porte listadas na bolsa. Mas, no setor bancário, é possível fazer essa avaliação. Banco do Brasil (BBAS3) e Banrisul (BRSR3) negociam com grande desconto por múltiplos para os principais bancos privados, como Itaú Unibanco (ITUB4) e Bradesco (BBDC4). Em termos de P/L (preço por lucro), levando em conta o lucro esperado para 2014, Banco do Brasil negocia com desconto de 36% para Itaú e 37% para Bradesco. Já Banrisul está com desconto de 39,6% para Itaú e 40,8% para Bradesco. Alguns podem alegar precipitadamente: “mas os bancos públicos são mais ineficientes, apresentam menor rentabilidade, logo esse desconto é merecido”. Não é o caso.
Com base no balanço de 2013, Banco do Brasil apresentou retorno sobre o patrimônio líquido de 24,8% e Banrisul, de 18,1%, enquanto Itaú, 20% e Bradesco, 17,4%.
Esse múltiplo mais depreciado se reflete em um retorno com dividendo mais polpudo para os acionistas. Banco do Brasil e Banrisul apresentam “dividend yields” projetados para 2014 de 5,9% e 6,45%, respectivamente, bem superiores aos de Itaú (3,41%) e Bradesco (3,39%). Embora reconheça que os bancos públicos mereçam negociar com desconto, esses dados parecem indicar que as ações dos bancos públicos têm negociado com deságio exagerado para os bancos privados.
Essa irracionalidade também aconteceu com as ações da Petrobras. Vítima da contenção de reajustes nos preços dos derivados de petróleo, a empresa vem apresentando déficits substanciais na divisão de abastecimento em decorrência da importação a preços mais elevados do que os domésticos. Assim, as ações preferenciais de Petrobras caíram acentuadamente desde a crise de 2008. Contudo, em meados de março, analistas de mercado indicavam um retorno com dividendos da Petrobras superior a 7% (hoje se encontra em 4,57%) mesmo com o resultado operacional claudicante. Esse foi um dos sinais de que as ações da companhia estavam baratas. Além disso, a divulgação de pesquisas demonstrando fragilidades à candidatura Dilma Rousseff em benefício da oposição, que, em tese, é mais amigável ao mercado, foi a senha para a entrada de recursos de estrangeiros na bolsa impulsionando as ações da petroleira.
Mas e a CPI? Ela não interfere negativamente nas ações? Nesse ponto, é preciso separar a percepção da magnitude do dano. Comenta-se que, entre aquisições e investimentos, a refinaria de Pasadena custou cerca de US$ 2 bilhões. Muito dinheiro para mim e para você leitor, mas uma perda pequena para uma empresa do porte da Petrobras, com valor de mercado (preço da ação multiplicado pela base acionária total) de cerca de US$ 100 bilhões. Além disso, esse evento não tem mais volta, é um custo irrecuperável (conhecido como “sunk cost”). E o mercado não chora sobre o leite derramado. Assim, a CPI, embora negativa, não teve forças para impedir a valorização das ações da petroleira. Em outras palavras, o vetor negativo não conseguiu suplantar os catalisadores positivos da ação: o fluxo financeiro e a rentabilidade com dividendos atrativa.
André Rocha é analista certificado pela Apimec e atua há 20 anos como especialista na avaliação de companhias listadas na bolsa.
Fonte: Valor Economico – As opiniões contidas neste espaço refletem a visão do analista sobre as companhias, e não a do Valor Econômico.