Um trabalhador chinês do setor de manufatura custa, em média, US$ 1,74 por hora. Um trabalhador americano do mesmo setor vale US$ 23,93, sem contar benefícios. Apesar do custo competitivo, a China, responsável por montar um produto como o iPad, fica com apenas 7% do valor final do tablet. Os demais 93% remuneram licenças de patentes, softwares, marcas e outras atividades de alto valor, cuja origem é justamente os Estados Unidos.
A história ilustra bem a encruzilhada em que foi colocada boa parte dos países em desenvolvimento: escala e custos deixaram de ser cruciais para impulsionar a competitividade e o investimento, avalia Jorge Arbache, professor de economia da Universidade de Brasília (UnB).
“Jogar todas as fichas na questão de custos vai fazer o Brasil perder o bonde”, diz Arbache. “Isso não quer dizer que não se deva olhar para coisas como câmbio, transportes, custo do trabalho e questões relativas ao ambiente de negócios. Embora custos sejam fundamentais, conhecimento é cada vez mais importante, não adianta espernear.”
De olho em uma fatia maior daquele iPad, os chineses não estão imóveis – é o Brasil que preocupa. Em 1980, a produtividade do trabalhador brasileiro era 670% maior do que a do trabalhador chinês e 70% menor do que a americana. Em 2013, o Brasil perdia nos dois casos: a produtividade do trabalhador brasileiro era 80% inferior à americana e 18% menor do que a chinesa. No período, a produtividade dos chineses cresceu 895%. Já a dos brasileiros, meros 6%.
O cenário brasileiro se agrava ao se levar em conta algumas particularidades locais – em especial, os desafios demográficos e a baixa taxa de investimento da economia. Sendo assim, diz Arbache, não há saída: o país vai ter que se mexer se quiser participar do clube dos países e empresas que controlam as fases mais nobres das cadeias globais de valor, que geralmente agregam bens industriais com elevada participação de serviços no valor agregado, como o iPad.
No estudo “O Brasil e a Importância da Indústria Intensiva em Conhecimento”, Arbache ressalta que a educação não apenas deixa a desejar no Brasil, como a sua qualidade é muito desigual entre regiões, classes sociais e entre as redes pública e privada de ensino. Para além da educação de forma geral, as indústrias intensivas em conhecimento são cruciais para alavancar o crescimento econômico, pois pagam melhores salários, têm maior produtividade e estão mais conectadas à economia mundial. “O que importa não é ter indústria, mas qual indústria ter. E mais importante que participar de cadeias globais de valor, é como participar das mesmas”, diz.
O Brasil, no entanto, participa das cadeias globais de valor basicamente pelo fornecimento de matérias-primas, que responde por 60% dessa contribuição. Na Índia, são 55% e, na China, apenas 10%. Já a manufatura de alta tecnologia corresponde a apenas 5% da contribuição brasileira às cadeias globais, assim como a da indiana. Na China, no entanto, chega a 30%.
Segundo o estudo, as indústrias farmacêutica, de telecomunicações, coque, petróleo e derivados, equipamentos de transportes e veículos automotores são as mais intensivas em conhecimento. Para cada R$ 1 mil de aumento dos gastos com inovação por trabalhador, há um aumento de R$ 16,5 milhões em receita bruta média anual por empresa e R$ 73,5 na remuneração média mensal dos trabalhadores.
Não que o país não sustente indústrias competitivas. “Quem já fez uma Embraer, faz duas. O mesmo acontece com as águas ultraprofundas da Petrobras “, lembra Arbache. Para ele, é preciso industrializar as vantagens comparativas, não só exportando soja ou café, mas se voltando também para o óleo de soja, ou o café solúvel. “Por razões políticas, de ambiente de negócios, falta de ambição e até mesmo questões culturais, nós não fazemos isso”, afirma.
Arbache lembra que o país ainda gasta pouco em pesquisa e desenvolvimento (P&D), quando comparado a outras economias, o que fica claro no desempenho de alguns indicadores específicos. Enquanto países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) investiram, em média, 2,4% do PIB em P&D, o Brasil investe 1,2% do PIB – com cerca de metade disso vindo do setor privado. Quanto aos pedidos de patente, o Brasil depositou 1,8 mil pedidos em 2012, a Índia, 6,8 mil e a China, 400 mil.
Diante do quadro, o Brasil fica com a 61ª posição no índice de inovação do World Intelectual Property Organization (Wipo, na sigla em inglês), dentre 143 países, atrás de praticamente todos os emergentes que podem ser considerados nossos potenciais concorrentes econômicos, incluindo Malásia, China, Polônia, Tailândia, África do Sul e México.
O diagnóstico feito por Arbache, junto com um conjunto de propostas para inovação, devem ser apresentados pela Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI) a assessores das duas campanhas presidenciais, com o objetivo de servir de norte para balizar políticas públicas e iniciativas privadas no âmbito da inovação na próxima administração.
Segundo a presidente da associação, Elisabeth Kasznar Fekete, a proposta de maior urgência seria a reestruturação do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), de modo a reduzir o atraso nas concessões de patentes. Enquanto a média internacional é de três a quatro anos, diz ela, o tempo médio de espera pela concessão da patente quase dobrou no Brasil entre 2003 e 2013. Em 2003, a demora era de pouco mais de 6 anos. Em 2008 subiu para 9 anos e em 2013 alcançou 11 anos. “É muito tempo, a tecnologia fica obsoleta.”
Fonte: Valor Econômico – Flavia Lima | De São Paulo