Em breve, haverá eleições, e começam a surgir especulações sobre o futuro da construção naval – com base na gangorra do passado. Desta vez, no entanto, a situação é diferente. A construção naval assumiu tal importância na economia brasileira que deixá-la de lado seria como negligenciar na produção de café, soja ou minério de ferro. Ou, mais ainda, tendo em vista a simetria com a indústria aeronáutica – que também aplica alta tecnologia e agrega muito valor – relegar a Embraer a segundo plano. A construção naval não deverá mais ser motivo de decisão política de cada gestão, pois, por sua grandeza, se impõe como política de Estado.
Os dados são grandiosos. O setor tem contratos firmes de 390 obras, no valor aproximado de R$ 110 bilhões. A mão-de-obra direta é de 82 mil pessoas, e a indireta passa de 700 mil. Os estaleiros não estão mais concentrados no Rio de Janeiro, como no passado e se distribuem por todo o país. Em São Paulo há também estaleiros de primeira linha, mas em volume inferior a outros locais do país; no entanto, boa parte das navipeças é manufaturada no estado paulista.
Se a demanda já é firme, as perspectivas são melhores ainda. Até 2020, além das 15 plataformas em construção, serão necessárias mais 16 unidades. Até 2030, a demanda é de 41 plataformas. Cada um desses equipamentos pode ser considerado como um centro dinamizador de emprego e tecnologia que, felizmente, passaram do exterior para o território nacional, após 2003, com Lula e Dilma. Os navios-sonda são outra realidade: nada menos de 28 estão sendo construídos integral ou parcialmente no país, igualmente gerando riquezas.
A gigante Transpetro encomendou 46 navios, sendo que, ao fim deste ano, nada menos de 11 deverão estar singrando os mares verde e amarelos.
Além da atual malha de estaleiros, estão em fase de implantação quatro grandes unidades : Jurong, no Espírito Santo; Enseada, na Bahia; EBR (RS); e o pernambucano CMO. Novos estaleiros em geral trazem tecnologia de ponta, e os antigos também procuraram se ombrear em qualidade. Veja-se que grupos japoneses participam acionariamente de quatro estaleiros – o que mostra confiança de investidores conhecidos por procurar sempre terra firme: Ishikawajima no pernambucano EAS; Kawasaki no baiano Enseada; no Rio Grande do Sul, a Toyo aplica no EBR e a Mitsubishi no ERG.
Importante para o setor foi o profundo estudo de Carlos Campos Neto, coordenador de Infra-estrutura Econômica do respeitado Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Além de citar crescimento de 19,5% desde o ano 2000, afirmou que os investimentos superam R$ 150 bilhões e sentenciou: “A construção naval está consolidada no país. Há demanda para pelo menos mais 25 anos”. E, como a todo momento são anunciadas novas descobertas, ou maior extensão de campos de petróleo já conhecidos, as perspectivas podem ser melhores ainda do que anuncia o Ipea.
Em termos de navios, a evolução em barcos de apoio e no suprimento à Transpetro é grande, mas um desafio a ser vencido é atrair empresários brasileiros de navegação. Com isso, a construção naval terá nova garantia de mercado e, tanto ou mais importante do que o efeito para os estaleiros, é que se voltará a ver navios nacionais nas linhas externas, o que, hoje, infelizmente não ocorre. Sendo uma das potências mundiais, o Brasil terá de contar com construção naval e marinha mercante fortes, para não depender de terceiros, seja na fabricação ou operação de navios.
O maior desafio é a produtividade. O setor passou com louvor por sua primeira década, ao provar que estava certa a diretriz, adotada em 2003, de se confiar no homem brasileiro. Agora, temos preços equivalentes aos da Europa, mas 30% superiores aos da Ásia. Esse diferencial tem de ser cortado, para garantir, via mercado, o futuro do setor.
Mas não se pode esquecer que, hoje, a retenção da cotação do dólar encarece os itens nacionais e amplia o Custo Brasil e, do lado de lá do planeta, ninguém sabe até que ponto a eficiência asiática vem de boa tecnologia, ou da exploração de mão-de-obra barata e subsídios ocultos de governos não totalmente democráticos.
Há muito a ser discutido e bom espaço para evolução quanto à competitividade e, nesse cenário, é significativo repetir palavras do deputado Edson Santos (PT-RJ), presidente da Frente Parlamentar da Indústria Marítima, proferidas na feira Marintec/Navalshore: “O Congresso Nacional está atento à necessidade de termos uma política governamental perene que ofereça sustentabilidade à cadeia produtiva da construção naval. O Brasil ganha com o crescimento do setor e pode ampliar a presença no mercado internacional”.
No caso de plataformas, o próprio Sinaval defende novo modelo, que possibilite a geração de um estoque de cascos, em ação integrada entre estaleiros locais e internacionais, para evitar atrasos às operadoras, entre as quais avulta a Petrobras.
Portanto, os historiadores, acostumados a se referir aos ciclos de euforia e depressão do setor, devem se preparar para ver uma construção inquestionável, adotada como política de Estado, e não apenas de governo.
Fonte:Monitor Mercantil – Ariovaldo Rocha Presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore