“Incerteza”, “hiato”, “espera”. Essas são algumas das palavras mais ouvidas no município de Rio Grande quando se indaga a algum morador sobre a situação do polo naval. O ambiente é um misto de receio que os impactos desencadeados, fundamentalmente, pela Operação Lava Jato durem por muito mais tempo e otimismo que novas encomendas de plataformas de petróleo e a normalidade sejam retomadas.
Atualmente, as operações no polo encontram-se com o “freio de mão puxado”, em um ritmo bem abaixo do que o verificado em anos anteriores. O estaleiro Rio Grande, da empresa Ecovix, trabalha nas plataformas de petróleo P-67 (praticamente concluída) e na P-69. Enquanto o consórcio QGI Brasil (que administra o estaleiro da antiga Quip) espera, para breve, um acerto com a Petrobras para a retomada da montagem e integração dos módulos das P-75 e P-77. Já no município vizinho, localizado do outro lado da Lagoa dos Patos, São José do Norte, o estaleiro EBR aguarda a chegada do casco da P-74 para intensificar os serviços de implementação dessa plataforma. Todas essas estruturas foram encomendadas pela Petrobras.
Com esse cenário em aberto e gerando opiniões distintas entre os rio-grandinos (há os que comemoram a alavancagem da economia da região com o polo e outros que reclamam do custo de vida que subiu e da dependência do complexo), o certo é que o polo naval mudou o perfil do município. O secretário estadual de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia e ex-prefeito de Rio Grande, Fábio Branco, considera o polo naval um divisor de águas para a economia e a autoestima da região. “Há muito tempo cobrava-se um empreendimento do porte como esse.” No entanto, o secretário admite que um impacto percebido no município foi causado pelos espaçamentos entre as construções de plataformas. “Ainda sofreremos um período de adaptações e ajustes para entender o quanto de projetos, a serem feitos ao mesmo tempo, será o ideal”, aponta o secretário.
Conforme Branco, Rio Grande é muito dependente da atividade naval e por isso a cidade está sofrendo com a redução das demandas nessa área. Porém, apesar disso, o dirigente acredita na sustentabilidade da economia local. O secretário justifica o seu otimismo citando a futura instalação de empreendimentos na região, como a termelétrica do Grupo Bolognesi, que será alimentada com gás natural liquefeito (GNL). Essa iniciativa está atrelada à construção de uma malha de gasodutos que, segundo Branco, servirá como um indutor de desenvolvimento. Além disso, o secretário aposta no aprimoramento da atividade portuária no município.
O presidente da Câmara de Comércio da Cidade de Rio Grande, Renan Lopes, confirma que depois da Lava Jato a redução da atividade econômica foi acentuada. De acordo com o dirigente, o fenômeno começou a ocorrer já a partir de 2013, com as saídas das plataformas P-55, P-58 e P-63.
Lopes estima que os segmentos hoteleiro, de transporte e restaurantes estão atuando com menos da metade da demanda que se registrava nos áureos tempos. “O que perdemos foi aquele crescimento que não estávamos acostumados, agora ficou uma coisa comum”, argumenta. O presidente da Câmara de Comércio salienta que as companhias navais, além de dispensar colaboradores, demitiram funcionários com altos salários, o que refletiu na economia da cidade.
O gerente comercial do Hotéis Atlântico, Rogério Schwartz, admite que a diminuição do ritmo do polo naval teve consequências para o setor hoteleiro. Schwartz prefere não arriscar mensurar um percentual, contudo, diz que é possível perceber o reflexo. O gerente lembra que, em audiência pública no ano passado, foi mencionada a possibilidade da vinda de seis a sete hotéis de maior porte, acima de 100 unidades habitacionais. “Acho que, com o perfil de público, da cidade, não vai ter demanda para tudo isso.” Schwartz frisa que, no ápice do polo, eram procuradas vagas em estabelecimentos de outras cidades para atender à necessidade gerada em Rio Grande, mas essa não é mais a realidade.
Janine da Silva Correa, proprietária do restaurante Kika, no Mercado Público da cidade, confirma que foi possível sentir os reflexos da crise. Ela recorda que, há alguns meses, durante o quinto dia útil do mês, época de pagamento, o mercado ficava lotado com o pessoal do polo naval, o que não se verifica hoje. Contudo, a empresária reitera que outra clientela, como os comerciantes dos arredores, sustenta os negócios.
O taxista Osni Correia reforça que a Operação Lava Jato teve reflexos na cidade, criando um clima de estagnação. Dentro do seu ofício, o motorista recorda que, no auge do polo naval, fazia em média 20 corridas por dia. Atualmente, esse número caiu para cerca de 10 a 12. “Não sei como as coisas vão ficar”, admite Correia. O taxista comenta que o medo é de que o crescimento econômico possa estancar. O motorista atesta ainda que, com o desenvolvimento do polo naval, os preços das moradias em Rio Grande dispararam, entretanto, agora estão estabilizando.
Apesar da crise, cidade sediará dois shoppings
Mesmo com os revezes que a economia da cidade sofreu com os problemas da indústria naval, os rio-grandinos viram um antigo sonho de consumo extrapolar as expectativas. Enquanto o Praça Rio Grande Shopping completou um ano de atividade em abril, o Partage Shopping Rio Grande celebrou também neste mês a conclusão de 100% da cobertura do shopping e oficializou a entrega das chaves aos locatários. Esse último empreendimento tem inauguração prevista para 30 de setembro.
A dúvida da comunidade é se existe demanda para dois shoppings no município. Pesquisa encomendada ao Ibope Inteligência, pela 5R Shopping Centers (empresa que construiu e administra o Praça Rio Grande Sho?pping) apontou que pode haver apenas um. O trabalho, com base em dados de 2010, concluiu que um novo complexo de compras em Rio Grande, com área bruta comercial de 17 mil metros quadrados, teria um potencial mensal de vendas de R$ 12,2 milhões, o que representaria R$ 719,00 por metro quadrado (valor superior ao da média nacional que era de R$ 704,00).
Consciente do levantamento, o gerente adjunto do Praça Rio Grande Shopping, Felipe Minasi, prefere não debater sobre a concorrência e pensar apenas no desempenho do seu shopping. O dirigente afirma que os movimentos do Natal e da Páscoa foram ótimos. Entre a quinta-feira e domingo, durante o feriado da Páscoa, cerca de 53 mil pessoas visitaram o local. E, depois de um ciclo de baixa, nos meses de janeiro e fevereiro, algo comum no segmento de varejo, segundo o dirigente, março teve um reaquecimento. Mas os espaços do shopping ainda não foram completamente preenchidos. Por enquanto, o Praça Rio Grande Shopping conta com aproximadamente 60 estabelecimentos abertos, o que representa 60% da sua capacidade.
Conforme a administração do empreendimento, o complexo tem média de 250 mil visitantes por mês e cerca de 30% desse número são de fora da cidade. O shopping, que possui uma área de 24 mil metros quadrados, registrou, de abril a dezembro do ano passado, vendas na ordem de R$ 100 milhões.
Uma das lojas estabelecidas no Praça Rio Grande é a Vivi Moda Feminina. A proprietária, Viviane Huber Braga, afirma que a crise no polo naval, aliada a outros motivos, como o veraneio na praia do Cassino, causou uma diminuição no movimento. A empresária calcula uma queda de aproximadamente 40%, a partir de janeiro.
Porém, sem se abater com essa diminuição, Viviane está esperançosa quanto ao futuro. “Acho que o shopping melhora, mesmo sem o polo naval, o crescimento irá acontecer”, projeta. A lojista reforça que o movimento precisa aumentar, pois a perspectiva era que as vendas atingissem o dobro do volume verificado até o momento.
No caso do Partage Shopping Rio Grande, a estrutura contará com 160 lojas, área bruta locável de 26 mil metros quadrados, rede de cinemas CineSercla, com cinco salas, um complexo multiuso com um hotel da rede Ibis, condomínio comercial vertical e um residencial, além de estacionamento com 1.143 vagas. O investimento é de R$ 200 milhões e deve gerar mais de 3 mil empregos diretos e indiretos, após a inauguração.
Sobre a questão se há espaço para a operação de dois shoppings centers no município, o presidente da Câmara de Comércio da Cidade de Rio Grande, Renan Lopes, diz que se trata de uma difícil pergunta, mas escolhe ser otimista e torce para que ocorra a retomada do desenvolvimento e, com isso, haja compatibilidade dos dois empreendimentos. Lopes sustenta que a expectativa é que as obras no País sejam retomadas e isso influenciará a economia local. “O problema é o tempo que vai demorar para voltar, nós vamos ter saúde financeira para resistir a isso aí? Os shoppings e os hotéis terão?”, indaga o dirigente.
Queda de empregos já estava ocorrendo antes da Lava Jato
O coordenador do curso de mestrado em economia aplicada da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), Gibran da Silva Teixeira, diz que, antes mesmo da Operação Lava Jato, havia uma retração de empregos em Rio Grande devido aos términos de contratos de plataformas. Até pouco tempo, o professor comenta que havia uma forte incerteza se os acordos de construção naval envolvendo os estaleiros seriam mantidos.
Teixeira recorda que houve demissões e, de uma época em que se teve mais de 15 mil empregos diretos gerados por essa atividade, hoje estima que existam 9 mil postos de trabalho. Agora, a perspectiva é que os acordos sejam mantidos, e a tendência diminui a sensação de instabilidade que pairava sobre quem indiretamente depende do polo, como prestadores de serviço e comerciantes.
O docente da Furg também considera que o polo naval transformou a cidade. Em 2006, o município verificava cerca de 35 mil empregos diretos e, em 2013, Rio Grande ultrapassou o patamar de 50 mil postos formais. Teixeira frisa que esse incremento foi quase que totalmente vinculado ao polo naval, pois o complexo mobilizou os setores do comércio, de prestação de serviços, a qualificação profissional e melhorou a qualidade de vida das pessoas. O professor indica ainda o desenvolvimento social propiciado pelo polo. Em 2007, havia 12 mil famílias rio-grandinas beneficiadas com o Bolsa Família. Hoje, o número caiu para cerca de 8 mil. “Se você deixa de estar inserido nesse benefício é porque ascendeu a um patamar de renda que não é mais compatível com essa ferramenta”, argumenta.