Críticas ao Brasil e China são exageradas

  • 06/03/2014

O presidente da Vale, Murilo Ferreira, afirma que há três fatores que vêm influenciando a visão dos investidores sobre a mineradora: os volumes de produção de minério de ferro, a China e o processo eleitoral brasileiro. “Em havendo uma evolução nesses três ambientes, a precificação [da ação] da Vale vai chegar ao nível que ela merece hoje”, disse Ferreira ao Valor.

Esses três elementos afetaram as ações da empresa. De janeiro até ontem, a ação preferencial caiu 14,12%, cotada a R$ 28,10 por ação. “Vivemos um começo de ano de verdadeiro apocalipse em relação à China e ao Brasil. E não enxergo essa situação nem em um nem em outro”, afirmou o executivo. Para ele, o mundo continua, porém, em ambiente de grande volatilidade e muita incerteza.

No cenário doméstico, como resultado do processo eleitoral, Ferreira avalia que o país está vivendo um FLA x FLU desnecessário. Ele destacou o dado positivo do investimento no PIB do ano passado e reconheceu que o país vive uma valorização cambial “excessiva”.

Em 2014, a Vale vai continuar com sua política de desinvestimentos e Ferreira não descarta que a empresa contabilize um valor semelhante aos US$ 6 bilhões obtidos em 2013 com a venda de ativos. A seguir os principais trechos da entrevista.

Valor: Resolvidas as incertezas de 2013, a empresa tem condições de garantir uma alta maior na ação, reduzindo a diferença em relação aos principais concorrentes?

Murilo Ferreira: Nos últimos anos e meses, trabalhamos intensamente para reduzir incertezas. Seja através do projeto da Argentina [de Rio Colorado, suspenso pela empresa], seja na pendência fiscal relacionada a lucros no exterior. Mas acredito que hoje há três eventos que mais influenciam os investidores. Um deles é o volume em minério de ferro. Embora ache que esse assunto está sendo bem esclarecido. O minério de ferro sofreu muito porque, em 2012, tivemos a licença de operação do N5S [no Pará]. Foi a primeira licença desde 2002 na região de Carajás.

Valor: Foram dez anos sem licenças ambientais…

Ferreira: Dez anos. Depois [do N5S] nós tivemos as licenças de implantação da Serra Sul [de Carajás] e da logística associada à Serra Sul. Mais recentemente demos um grande passo para resolver o assunto das cavidades [cavernas]. Hoje tem uma definição institucional sobre o assunto. Então o assunto de volume estava incomodando os investidores da Vale e demos um grande passo.

Valor: Qual o segundo ponto de preocupação?

Ferreira: O segundo ponto é a China. Recentemente se discutiu a saída de recursos da China. Ora, um país que está à beira de completar US$ 4 trilhões de reservas, um país que fez superávit na conta comercial de US$ 263 bilhões [2013], quem diz sobre saída de recursos da China só pode estar brincando. Por outro lado, discutiu-se muito o sistema bancário chinês. O governo do presidente Xi Jinping tem tomado medidas corajosas, descritas no Plenário do Partido. São 60 medidas. E uma das coisas que ele está corrigindo é o sistema de “shadow banking” [crédito paralelo] e bancos locais, para que não aprofundem a imprudência. Isso está sendo feito via política monetária cortando o fluxo de recursos. Parece, para os analistas ocidentais, que quem tem a dívida de US$ 17,3 trilhões é a China. Mas não, são os Estados Unidos e de onde saem a maior parte desses relatórios. A China tem demonstrado ano após ano a capacidade de superar suas dificuldades.

Valor: E o terceiro ponto?

Ferreira: O terceiro ponto é que houve uma antecipação do processo eleitoral brasileiro. O risco Brasil foi aumentado. E hoje estamos vivendo dois ambientes diferentes. Uma parte dos brasileiros fica muito feliz de o desemprego estar em 4,3%, segundo números do fim do ano passado, portanto, quase no pleno emprego. E com o aumento de renda real do ano passado de 3,2%. Esse é um time de brasileiros. E outro time, que, por exemplo, levanta uma grande preocupação porque houve uma queda da produção industrial de 3,5%. E assim como um déficit em conta corrente de 3,7% [do PIB]. O déficit em conta corrente é um dado muito importante e o governo tem de tomar as providências dele. Mas eles [os críticos] não olham que o déficit foi financiado com 2,9% através do investimento estrangeiro indireto, o que é um número excepcional porque demonstra que muitos no exterior estão interessados em investir no Brasil. Há um elemento brasileiro de verdadeiro FLA x FLU. Então, em havendo evolução nesses três ambientes, a precificação da Vale vai chegar ao nível que ela merece hoje.

Valor: Que nível é esse?

Ferreira: O nível que a maioria dos analistas aponta como preço-alvo em seus relatórios. Não há nenhum motivo para a Vale ter “gap” [diferença] em relação à Rio Tinto, por exemplo.

Valor: Por que a ação sofreu tanto no início do ano?

Ferreira: São as mesmas razões que mencionei. Vivemos um começo de ano de verdadeiro apocalipse em relação à China e ao Brasil. E não enxergo essa situação nem em um nem em outro.

Valor: Na semana passada, saiu o PIB de 2013, que surpreendeu positivamente. Qual a avaliação que o senhor fez da economia?

Ferreira: O número mais importante que sempre vejo, a Formação Bruta de Capital Fixo [FBCF], cresceu 6,3% em 2013, o que demonstra a disponibilidade das pessoas em investir. Aí eu pergunto: que país ruim é esse que é anunciado com um número tão bom de Formação Bruta de Capital Fixo? As pessoas estão ou não estão investindo? Nós estamos no maior volume de recursos de investimento da história.

Valor: Apesar de o plano de investimentos da Vale ter caído em termos de valores nominais?

Ferreira: Gastamos em reais. A taxa de câmbio hoje não é mais R$ 2. Hoje a taxa é R$ 2,40 e as pessoas não ajustam isso porque querem sempre ver o copo vazio.

Valor: O investimento para 2014 foi fixado em US$ 14,8 bilhões. E a empresa prevê US$ 13,6 bilhões em 2015 e US$ 10,4 bilhões em 2016.

Ferreira: Ajuste no câmbio para ver em reais e veja nossas despesas. Estou na Vale desde 1998 e nunca tinha visto uma unanimidade. Ontem [dia 27 de fevereiro] eu vi todos os relatórios [de bancos] favoráveis [à Vale].

“Trabalhamos com alta de 3% na produção de aço e de 7% no consumo internacional de minério de ferro”

Valor: O senhor espera um ano melhor para a Vale em 2014?

Ferreira: Estamos trabalhando para isso. Se quiser verificar sobre outra ótica, pode dizer que não. Há, por exemplo, uma tendência de baixa no preço do minério de ferro como média para o ano porque houve uma entrada muito grande de material com origem na Austrália. Por outro lado, os chineses estão anunciando que vão bater este ano um recorde no consumo de minério de ferro e na produção de aço. Vamos ter que fazer um balanceamento disso. No níquel, estamos esperando [um resultado] melhor do que o de 2013 não só porque devemos apresentar volumes melhores, mas um preço maior. No negócio de cobre, devemos aumentar nossa produção. No carvão, somente em 2015 vamos transitar no Corredor Nacala [em Moçambique]. Aí é que vamos dar um salto de produção. E nos fertilizantes ainda depende muito do mercado internacional para saber como [o setor] vai se comportar em termos de preços.

Valor: Qual é a previsão da Vale para o crescimento na produção de aço e no consumo de minério de ferro este ano na China?

Ferreira: Trabalhamos com crescimento de 3% na produção de aço e de cerca de 7% no consumo do mercado internacional de minério de ferro.

Valor: Como vê as medidas anunciadas pela China para reduzir a poluição?

Ferreira: A atitude do governo chinês é muito positiva para que a população chinesa viva melhor, em ambiente menos poluído. Mas estamos no pico do inverno na China, quando não há dispersão dos particulados. O governo está ciente disso e tem três grandes prioridades para o público externo: redução da disparidade, combate incessante à corrupção e assuntos de ambiente. Embora a decisão do plenário do comitê [do partido] inclua 60 medidas, essas três alicerçam o conhecimento público que têm aumentando muito a popularidade do presidente Xi [Jinping].

Valor: As medidas poderiam ter impacto sobre as importações chinesas de minério de ferro?

Ferreira: Não sobre as importações. Hoje a China importa [minério] de 60 países. Como o minério do Brasil, em especial de Carajás e os itabiritos [de Minas Gerais], e o minério australiano propiciam menor consumo de carvão, são bem-vindos ambientalmente. Para nós, pode ter um efeito positivo. Mas precisamos ver no bojo das medidas que o Politburo vai tomar em relação à indústria como um todo. Não esperamos nada de dramático. O governo tem mostrado capacidade de balancear as medidas em favor da economia e das pessoas.

Valor: E o fato de o governo querer reduzir a dependência das importações de minério?

Ferreira: É natural o governo querer trabalhar com as próprias empresas chinesas no exterior, ainda mais neste momento em que eles precisam de material de mais alta qualidade. Não devem ser os produtores brasileiros e australianos os mais atingidos.

Valor: Como vê a situação da economia global como um todo?

Ferreira: Estou otimista com a situação do Japão, embora vai ter aumento de imposto [do IVA, para 8%, no fim de março]. Existem preocupações em relação ao tema. Mas hoje o humor da economia japonesa é muito diferente. Vejo mais incertezas na Coreia, o ambiente coreano não é tão favorável como era no passado. E a Europa continua sendo uma questão. A economia mais poderosa da Europa, a Alemanha, cresceu cerca de 0,5% [em 2013]. O índice de expectativas [índice ZEW], que estava em 61,5 pontos, caiu para 55,7 [em fevereiro]. Embora os analistas ocidentais estivessem prevendo 61,3. Esse índice mostra que as coisas na Europa não estão tão sólidas como muita gente pode achar. E nem nos Estados Unidos. Tivemos crise aguda em 2008 e 2009, com origem em 2007. Tivemos forte crise europeia em 2011 que se refletiu no Brasil em 2012 e no primeiro semestre de 2013. O que quero dizer com isso? Continuamos em grande volatilidade e em um ambiente de muita incerteza disseminado pelo mundo. O cenário é desafiador em todos os países. E vejo tendência de a gente achar que é só Brasil. Enfrentamos [no Brasil], com certeza, uma valorização cambial excessiva, o que trouxe prejuízo. Temos um problema fiscal que está sendo endereçado. Mas vis-à-vis o que encontramos no mundo nossos problemas não têm nada de diferente e nada demais.

Valor: Este ano surgiu o risco de racionamento de energia elétrica.

Ferreira: Racionamento de energia que também está nesse contexto político. Não é que não exista risco, mas pelo que leio muitas vezes tem pessoas regogizando-se, dentro de um viés político, só da possibilidade de ter racionamento. A situação é muito diferente de 2001. Muitas medidas foram tomadas, temos um sistema muito mais interligado, as termelétricas, e as pessoas não querem enxergar isso.

Valor: Houve avanço no acordo com a Cemig na área de energia?

Ferreira: Fizemos um acordo que está no Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica], para apreciação, para que possamos finalizar. Tínhamos várias “joint ventures” em Minas Gerais que foram construídas desde a época da Vale estatal. Muitos empreendimentos a Vale fez com Cemig, algumas vezes acompanhada da Votorantim, Suzano e Alcan, com diversos parceiros. Mas a Cemig estava sempre no meio. Acabamos de fazer uma consolidação desses ativos. E também uma definição em relação a Belo Monte. O assunto está encaminhando e aguardando preenchimento das condições precedentes para fazer o fechamento da operação.

Valor: A ideia é reunir todos os ativos em uma holding?

Ferreira: Os ativos de Minas Gerais serão reunidos nessa [holding]. Temos outra sociedade em relação a Belo Monte e temos dois ativos que estão fora desse contexto: Machadinho e Estreito.

Valor: O que vai acontecer com esses dois ativos?

Ferreira: Ainda não posso dizer porque não há definição.

Valor: E por que ficaram de fora do acordo?

Ferreira: Porque nossa parceria é com outra parte. Belo Monte é um ativo em construção em que a Cemig tinha muito interesse em aumentar a participação deles. Machadinho e Estreito pode continuar como estão ou desenvolver uma joint venture. Em tendo sinergias, podemos capturar essas sinergias.

Valor: Existe uma tendência de crescimento da participação do negócio de metais básicos na receita da companhia?

Ferreira: Sem dúvida. Por exemplo, no negócio de cobre vamos passar de 400 mil toneladas porque ficou pronto Salobo, que só ele produz 200 mil toneladas. É um ativo com custo baixo, vamos trabalhar abaixo de US$ 2 mil por tonelada. E temos ativos de níquel que estão vindo para o mercado. Mais quantidade em Onça Puma, onde tivemos problemas no forno. Maior volume em Nova Caledônia, o início das operações de Totten, no Canadá, e Long Harbour também em operação. Temos uma série de ativos, o que significará maior volume, acreditamos em preço mais favorável, especialmente no segundo semestre. Então achamos que a receita e a rentabilidade do negócio de metais básicos estão passando de uma transição desafiadora, porque estávamos recuperando a integridade de muitos ativos, e agora vamos colher os frutos disso. Está na hora de os metais básicos pagarem os dividendos dos investimentos que a Vale fez nesses anos todos.

Valor: É possível prever a participação desse negócio na receita?

Ferreira: É difícil dizer porque não temos controle sobre o preço do minério de ferro, do cobre e do níquel. Mas estamos prevendo que todos esses negócios vão apresentar uma rentabilidade saudável.

Valor: Os ferrosos respondem por mais de 70% da receita da empresa. Isso passa a ideia da Vale como mineradora de ferro…

Ferreira: Mas tem de lembrar que, apesar de volumes menores, mas por conta de preço, no primeiro trimestre de 2007 metais básicos gerou mais Ebitda do que minério de ferro. Hoje, se fosse um cenário equivalente, seria com muito mais razão porque vamos ter mais volume. A tendência é dos metais básicos terem participação maior nos resultados da Vale.

Valor: A política de desinvestimentos vai continuar. A empresa pode arrecadar os US$ 6 bilhões registrados com as vendas em 2013?

Ferreira: Se os interessados pagarem os valores que acho que o ativo de Nacala, carvão e fertilizantes merecem podemos ter. Vamos ver se eles concordam [risos].

 

Fonte: Valor Econômico – Francisco Góes | Do Rio

 

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