A indústria vê como um pesadelo, mas ao cortar US$ 76,5 bilhões do plano de investimentos até 2019, a Petrobras acompanha, tardiamente, um movimento mundial que começou no ano passado, assim que o preço do petróleo começou a cair.
Os planos de investimentos das 20 grandes para 2015 projetam aportes de cerca de US$ 310 bilhões. O volume é US$ 67 bilhões menor do que os US$ 377 bilhões que o conjunto dessas companhias investiu em 2014.
Entre as principais petrolíferas de capital aberto, a norueguesa Statoil reduziu o orçamento de investimentos em 10%; a britânica BP prevê investir US$ 2,9 bilhões a menos do que em 2014 ou menos 12,7%. Ainda em relação ao ano passado, o corte na francesa Total também foi de 10%; e na Exxon, 12%.
Já na Royal Dutch Shell, prestes a se fundir com a BG, a redução nos investimentos foi de 6,5%. Considerando a média ponderada, os cortes dessas companhias foi de 10,7%, bem inferior à média do grupo das 20 maiores.
A partir da média dos percentuais de cortes do grupo de empresas – dado que o porte delas é diferente – a redução foi 22,7%. É perto da média entre 20% e 25% que a Petrobras vem usando como referência. A Apache, uma petroleira americana “independente” – como são classificadas as que operam apenas na exploração e produção de petróleo – vai cortar seus investimentos em 60%, ou em US$ 5,7 bilhões. Já a Chevron, por sua vez, anunciou plano de corte de US$ 5,2 bilhões que representam 13%. O movimento foi forçado pela acentuada queda do petróleo a partir do segundo semestre de 2014, que levou a uma corrida das empresas para suspender a produção mais cara (quando isso foi possível), conter gastos e adiar projetos. Até junho de 2014, o petróleo brent, usado como referência na Europa e pela Petrobras, era negociado com preço próximo de US$ 110 o barril. Ontem, o brent fechou a US$ 58,61 o barril.
Um levantamento com base nas decisões de investimento das 20 maiores petrolíferas do mundo com ações listadas em bolsa, no ranking da consultoria Petroleum Intelligence Weekly (PIW), mostra que houve redução total de 18% no conjunto de planos de investimento deste ano em comparação com o ano passado.
Petroleiras em todo mundo cortam custos e afetam rede de fornecedores
Com um corte de 37% no plano de investimentos de cinco anos, a Petrobras anunciou que vai investir US$ 29 bilhões em 2015, queda de 21,6% em comparação com os US$ 37 bilhões aplicados em 2014. O corte de US$ 8 bilhões foi, em termos financeiros, o maior do grupo das 20 maiores empresas, junto da russa Gazprom, que reduziu os investimentos de US$ 38 para US$ 30 bilhões neste ano.
A Petrobras reagiu tardiamente e enfrenta as repercussões da Operação Lava-Jato, que dificultou o acesso ao mercado de capitais. E afetou grande parte da cadeia de fornecedores, incluindo estaleiros onde foram encomendadas sondas de exploração e plataformas de produção.
“Isso significa que a Petrobras está considerando, dada a atual regulamentação, a não realização de leilões do pré-sal no médio prazo (cinco anos), impedindo o investimento de outras operadoras”, diz a Firjan em nota divulgada logo depois que ficou conhecido o novo plano de negócios da estatal.
Ao mencionar o corte no plano de investimentos na entrevista na qual anunciou o plano de negócios da estatal, o presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, reconheceu que o setor representa 13% do PIB brasileiro. Mas considerou que mesmo os US$ 29 bilhões previstos para 2015 são robustos. Contudo, admitiu que a Petrobras não prevê participação em leilões no orçamento da área de exploração, sem no entanto afirmar que a Petrobras está fora.
As preocupações da estatal hoje giram em torno da redução de custos, da desalavancagem e da venda de ativos, combinados com uma reestruturação interna. Com dívida líquida de R$ 332,4 bilhões no primeiro trimestre de 2015, a brasileira está entre as empresas mais endividadas do mundo. E a boa notícia é que está adotando medidas para resolver problemas vistos com preocupação pelo mercado.
Rex Tillerson, presidente da ExxonMobil, disse ao anunciar o corte que a estratégia de longo prazo da companhia não mudou, mas os investimentos previstos para o ano foram reduzidos para que os objetivos da companhia possam ser atingidos mesmo com o ciclo de baixa nos preços do petróleo.
O presidente da BP, Bob Dudley, também defendeu a mudança na estratégia. “Procuramos tomar vantagem com as oportunidades proporcionadas pelo cenário de preços mais baixos para reduzir os investimentos e os custos”, disse ele.
A companhia russa, assim como a Petrobras, foi afetada não apenas pela baixa do petróleo, mas também por questões domésticas. No caso da Rússia, as companhias Gazprom, Rosneft e Lukoil enfrentaram sanções econômicas e financeiras impostas contra o país.
O peso da Petrobras na economia faz com que o corte da estatal seja sentido de maneira muito forte. Também ajuda os defensores do projeto de lei que retira da estatal a condição de operadora única do pré-sal, o que poderia atrair outras empresas para operar no Brasil. Em manifesto defendendo a participação de outras companhias, a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) destaca que a estatal não vai investir em novas Rodadas de Licitação pelo fato de o novo plano da petroleira concentrar a atividade exploratória no chamado Programa Exploratório Mínimo (PEM), recurso que é aplicado nas áreas já sob concessão e adquiridos em rodadas anteriores.
Ao mencionar o corte, acompanhado pelo adiamento de investimentos da empresa, o presidente da Shell, Ben van Beurden, disse ao Valor que o movimento resulta da queda dos preços do petróleo. Disse que a saída também passa pela renegociação de contratos para tirar vantagem do que chamou de “fraqueza da cadeia de fornecedores”.
A situação está difícil para a indústria no mundo todo. As restrições de caixa das empresas estão forçando os fornecedores a reduções drásticas nos custos e as empresas demitiram. Esta semana a francesa Technip anunciou uma ampla reestruturação para reduzir os custos em € 830 milhões até 2016, com impacto no balanço de 2017, que vai resultar em 6 mil demissões.
A Technip é só um exemplo. Outras empresas de prestação de serviço no setor também fizeram cortes e anunciaram demissões. Juntas, Baker Hughes, Halliburton e Schlumberger anunciaram no início do ano mais de 30 mil demissões ao redor do mundo, como reflexo direto dos cortes nos investimentos das clientes.