Na matriz da Siemens, em Munique, no sul da Alemanha, há uma amostra dos produtos criados pela empresa desde a sua fundação por Werner von Siemens, em 1847. São máquinas que evidenciam as transformações pelas quais passou a companhia ao longo de sua história. Os produtos em exposição vão do dínamo elétrico, base para a moderna geração de energia elétrica, até uma réplica em miniatura do Velaro, o trem de passageiros de alta-velocidade. Mas ainda hoje as mudanças na gigante alemã da engenharia continuam.
A Siemens vive em 2015 uma fase de transição marcada pelo corte de custos -a meta é economizar € 1 bilhão até 2016 – e pela consolidação de uma estratégia de negócios que busca tornar a empresa mais eficiente até 2020, onde chega seu planejamento estratégico. “2016 é o ano em que vamos voltar a crescer”, disse o presidente mundial, o alemão Joe Kaeser. No ano fiscal de 2014 (de 1º de outubro de 2013 até 30 de setembro do ano passado), a Siemens faturou € 71,9 bilhões, abaixo dos anos fiscais de 2013 e de 2012.
Em entrevista ao Valor, Kaeser falou sobre as mudanças pelas quais a Siemens vem passando sob sua gestão, que completa dois anos este mês. “Buscamos simplificar a organização e torná-la mais ágil e descentralizada, com foco não na Alemanha, mas nos países onde atuamos”, disse o executivo de 58 anos, nascido em Arnbruck, estado da Baviera. A Siemens tem quatro áreas de negócios: energia, infraestrutura, automação e saúde. Até poucos anos atrás, porém, a Siemens era uma empresa focada em telecomunicações, mas vendeu ativos no setor e fez uma mudança bem-sucedida de perfil corporativo. Hoje é uma companhia forte na área de energia, segmento em que tem uma ampla atuação (turbinas a gás e vapor, eólica e renováveis e gerenciamento de energia).
Kaeser citou o Brasil e a China, entre outros mercados, como exemplos da política regional da Siemens, de entender as necessidades locais dos clientes. Nesses dois grandes países emergentes, a Siemens está presente há mais de um século (a Cia. Brazileira de Eletricidade Siemens-Schuckertwerke foi fundada no Rio, em 1905). A lógica da Siemens é permanecer onde atua com visão de longo prazo mesmo que os países atravessem crises econômicas e políticas, caso do Brasil. “Estamos no Brasil há muitos anos e vamos permanecer com visão de longo prazo. Não vamos sair porque há crise e voltar quando as pessoas acham que é um bom momento para estar lá. A crise representa também oportunidade”, disse Kaeser ao responder pergunta sobre o fato de a visita da chanceler Angela Merkel, prevista para chegar ao país na noite de ontem, coincidir com momento de turbulência política e econômica.
O presidente da Siemens no Brasil, Paulo Stark, afirmou que nos próximos anos haverá maior pressão por eficiência no setor elétrico no país, incluindo geração, transmissão e distribuição. E nesse contexto haverá oportunidades de crescimento para novas tecnologias, como as redes “inteligentes” de distribuição (“smart grid”) e a chamada geração distribuída (microgeração). A Siemens é um dos líderes mundiais na área de gerenciamento de energia.
Stark citou ainda oportunidades na infraestrutura de transportes no país. Disse que a Siemens vem trabalhando em projetos com investidores para mostrar os benefícios de se construir uma estrutura ferroviária eletrificada e automatizada. Citou o exemplo da linha 4-Amarela do Metrô de São Paulo, implantada com base em sistema automatizado que aumentou a eficiência na operação.
No ano passado, a Siemens faturou cerca de € 2 bilhões no Brasil, o que representou quase 3% do faturamento global do grupo. Mas a meta da empresa, anunciada em junho quando Kaeser esteve no país e reuniu-se, em Brasília, com a presidente Dilma Roussef, é dobrar a receita até 2020. Se alcançar o objetivo, a Siemens vai sair de faturamento de R$ 5 bilhões no ano fiscal de 2014 para R$ 10 bilhões, em 2020. Kaeser disse ver “enormes” oportunidades no Brasil.
Segundo Kaeser, a Siemens se sente confortável em relação ao longo prazo no país, embora reconheça que há desafios de curto prazo que precisam ser superados. Por ser uma grande economia e um país populoso, o Brasil precisa de uma política de energia sustentável e confiável, afirmou. Mesmo reconhecendo a liderança do Brasil na área de energia renovável, uma vez que mais de 60% da eletricidade vem de fonte hídrica, é importante que haja um equilíbrio entre a energia renovável e outras fontes, disse Kaeser. Desde que assumiu a presidência da Siemens, ele vem implantando uma série de mudanças na companhia.
Em 2014, a Siemens definiu uma estratégia global, chamada de Visão 2020, apoiada em três pilares: eletrificação, automação e digitalização. Essas três tendências são aplicadas às quatro áreas de negócios da companhia (energia, automação, infraestrutura e saúde). Na reestruturação interna, a Siemens cortou o número de divisões de 16 para 9 e vendeu uma série de ativos ao mesmo tempo em que fez aquisições reforçando sua posição em alguns segmentos, especialmente no setor de energia com a compra do negócio de turbinas a gás da Rolls-Royce. Também comprou a americana Dresser-Rand, que opera com turbinas a gás e a vapor. As aquisições reforçaram a posição da Siemens no segmento de óleo e gás, inclusive no Brasil. Mas a empresa também fez aquisições na área de automação industrial e digitalização.
Internamente, a Siemens também passou por uma espécie de depuração depois de registar problemas de controles internos (“compliance”) que se tornaram evidentes a partir de 2006. Investigador independente foi contratado, executivos deixaram a companhia e houve renovação de parte do conselho de administração da empresa.
Nos Estados Unidos, a Siemens foi acusada de não manter controles internos adequados e, em 2008, chegou a um acordo, no âmbito da lei americana contra corrupção no exterior. Houve acordo semelhante na Alemanha.
No Brasil, onde tem 12 fábricas e sete mil funcionários, a Siemens demitiu o antigo presidente por problemas de “compliance” em 2011. E em 2013 delatou um cartel envolvendo empresas nacionais e estrangeiras, incluindo a própria Siemens, em licitações envolvendo o Metrô de São Paulo e do Distrito Federal. Kaeser disse que houve uma “massiva” reestruturação e uma “limpeza” na empresa. “Hoje somos uma empresa limpa a toda prova”, afirmou. O processo sobre prática de cartel está em fase de produção de provas no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). “Cooperamos e esperamos tratamento justo, não pedimos piedade”, disse Kaeser.