Mesmo com os preços do petróleo com viés de baixa, o presidente da Pré-Sal Petróleo (PPSA), Oswaldo Pedrosa, espera fazer vários leilões no pré-sal em 2017. As áreas não são novas – algumas foram descobertas há mais de dez anos e impedem investimentos.
Destravar os investimentos passa pela regulamentação necessária para que a PPSA possa fazer os contratos para individualização da produção de campos gigantes, como Libra e Lula, e dos reservatórios Gato do Mato e Epitonium, da Shell. Além de atrasar investimentos, essa demora fez o país perder receitas no momento de euforia do mercado de petróleo e também explica o baixo volume de recursos arrecadado com o Fundo Social, criado para aplicar recursos na educação.
A busca de uma solução para a falta de regulação dos contratos de partilha ganhou velocidade no mês passado, quando o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) determinou ao Ministério de Minas e Energia a apresentação de sugestões até setembro. A regulamentação vai ordenar a forma como a União será remunerada pelo petróleo que está em reservatórios do pré-sal que extrapolem a área concedida. Uma estimativa conservadora indica a existência de 2 bilhões a 3 bilhões de barris de petróleo recuperáveis.
A PPSA aguarda a regulamentação do CNPE sobre a forma como se dará a contratação dessas áreas, seja pela Petrobras ou por terceiros. Antes de um novo contrato, nada pode ser feito. Existem 14 projetos no pré-sal com investimentos parados, ou em processo lento de negociação, à espera das diretrizes do governo. Já foram assinados contratos para os campos de Tartaruga Mestiça, Lula-Sul, Sapinhoá e Argonauta.
A trava não se deve apenas à falta de interesse e as dificuldades financeiras da Petrobras, operadora única do pré-sal por lei, mas também ao fato de que ainda não está definida a estrutura legal que permitirá leiloar essas áreas no regime de partilha de produção.
Como as áreas estão dentro do polígono do pré-sal, a PPSA é quem representará a União nas negociações. Outra questão nada trivial é a exclusividade da Petrobras como operadora do pré-sal. Pedrosa afirma que vê a possibilidade de leiloar as áreas para terceiros, desde que a Petrobras não queira.
Na resolução editada em março, o CNPE admite que, como a União não pode assumir os riscos nem realizar os investimentos necessários nessas áreas, “parcela importante dessas descobertas permanece inativa, até que ocorra a contratação de um novo agente para desenvolvê-las em parceria com o contratado da área adjacente”. Sem a regra, não é possível definir o valor do bônus, excedente em óleo mínimo para a União, e outras questões previstas no contrato de partilha (Lei 12.351/2010).
Com a regulamentação, as empresas ou consórcios terão que fazer o chamado “acordo para individualização da produção”. Nesses casos, a PPSA tem duas opções: outorga direta para a Petrobras, como prevê a Lei da Partilha, ou assinar um pré-acordo com a empresa ou consórcio descobridor. Um problema gigante é que essas empresas teriam que financiar a parcela da União no investimento, como prevê a lei. Nesse pré-acordo, diz Pedrosa, as empresas correm riscos que vão além do fato de terem um sócio sem condições de investir.
A parte dos investimentos e custos que caberiam à União terá que ser arcada pelo concessionário, sendo recuperada em petróleo quando for iniciada a produção após a declaração de comercialidade. No jargão da indústria, diz-se que a PPSA seria ‘carregada’ pelo concessionário. Nesse caso, o risco do concessionário aumenta muito, porque, se não for confirmada a extensão da descoberta, não há como recuperar o custo em óleo pelo simples fato de que não haverá unitização”, explica Pedrosa.
A saída, segundo o presidente da PPSA, é que a área seja leiloada para que o novo sócio compartilhe os riscos e investimentos com quem descobriu. “Essa política de outorga expedita de áreas não contratadas em unitizações, desvinculada de calendário regular de licitação de blocos, é adotada, por exemplo, pelo Reino Unido e Noruega”, afirma o executivo.
Um dos benefícios mais evidentes é a aceleração da entrada de recursos para o caixa do Fundo Social. Até o momento, o dinheiro que está próximo do funco é o que virá com o início dos testes de produção de Libra, que começarão no próximo ano. Depois disso, as receitas previstas virão dos campos que esperam acordos de individualização da produção.
“Antes, porém, como estabelecido na Lei da Partilha, é preciso que a política e diretrizes de comercialização de petróleo e gás natural da União sejam estabelecidas por resolução do CNPE. Um grupo de trabalho, liderado pelo Ministério de Minas e Energia, está finalizando a minuta de resolução para se atingir esse propósito”, explica Pedrosa.
Advogados especializados consultados pelo Valor apontam vários problemas na legislação brasileira, devido à existência de três regimes diferentes – concessão, cessão onerosa e partilha de produção -, alguns deles aplicados juntos em uma mesma área. É o caso do emblemático Lula (antigo Tupi). Primeira grande descoberta econômica do pré-sal, essa área era uma concessão leiloada em 2000, no governo Fernando Henrique Cardoso.
Como o reservatório extrapolava a área adquirida, o volume excedente de Lula foi adquirido pela Petrobras no regime de cessão onerosa, na capitalização da estatal em 2010. Posteriormente foram encontradas outras áreas ao sul, que foram objeto de acordo com a PPSA, sob o regime de partilha. Outro já negociado com a Petrobras é a área da União adjacente ao campo de Sapinhoá.
Segundo Pedrosa, a coexistência de três regimes introduz “grande complexidade” aos processos de individualização da produção, mas diz que os acordos já assinados demonstram que é factível chegar a um entendimento. Ele também não acha que seja preciso votar o projeto do senador José Serra (PSDB-SP), que tira a exclusividade da Petrobras como operadora do pré-sal, para que os leilões ocorram.
“Não creio que seja uma condição precedente para se proceder à licitação das áreas unitizáveis. Evidentemente, se a Petrobras tiver interesse e condição, isso vai acontecer. Chamo a atenção para um ponto importante. A PPSA está preparada para atuar com contratos de partilha que tenham a Petrobras exclusivamente como operadora, ou qualquer outro operador, se houver alteração do atual instrumento legal”, afirma Pedrosa. O presidente da PPSA reconhece que a quebra da exclusividade da Petrobras como única operadora “aumentará significativamente a atratividade de futuras licitações de áreas do pré-sal”.
O risco que Pedrosa vê é o de criar o que chama de descontinuidade do regime de partilha se a legislação mudar, reestabelecendo o regime de concessão, e criando o que ele chama de “efeito gangorra”. Segundo ele, o cumprimento das exigências de contratação de bens e serviços nacionais para o projeto do campo de Libra, que tem Petrobras, Shell, Total, CNOOC e CPPC como sócias, pode ser um problema nesse momento em que as principais empreiteiras de construção naval e offshore estão impedidas de fazer obras para a Petrobras.
“O conteúdo local de Libra pode ser realmente um problema. As exigências de elevado conteúdo local foram estabelecidas em um momento que se previa que o desenvolvimento da capacidade de suprimento de bens e serviços no país acompanharia o intenso crescimento da demanda das empresas petrolíferas. O quadro hoje é bastante diverso”, afirma o executivo.
A solução para evitar multas, segundo ele, é a transferência de excedentes de conteúdo local de uma etapa para outra, por exemplo, da fase de exploração para o desenvolvimento do primeiro sistema de produção.
“Outra alternativa seria solicitar a exoneração [“waiver”] da obrigação de cumprimento de conteúdo local de itens e subitens, quando inexistir fornecedor nacional, ou quando o supridor local apresentar preço e prazo de entrega excessivos em relação a congêneres no exterior”, diz, ressaltando que, no caso de Libra, todas estão previstas no contrato de partilha.