A crise da Petrobras, os efeitos da operação Lava Jato e as incertezas que cercam o futuro da Sete Brasil quebraram o ritmo de crescimento da indústria de construção offshore, que está passando por sua segunda grande crise em 30 anos.
A expectativa é que já no ano que vem a ocupação dos principais estaleiros brasileiros comece a cair, chegando a somente 10% em 2020. Ao longo do último ano, de acordo com dados do Sinaval, 18 mil empregos foram perdidos na indústria naval.
Além da redução da demanda e dos problemas financeiros enfrentados pelos estaleiros, um dos fatores que deve levar ao aumento de sua ociosidade é a falta de adequação da maioria dos estaleiros locais para atender projetos offshore. Com a Petrobras concentrando suas atividades no E&P e terceirizando todas as estratégias de apoio marítimo e logística de transporte de petróleo, a demanda futura tende a ficar centralizada em unidades de produção. Continuará sendo uma grande demanda, mas para poucos.
E quem vai sobreviver para atender à demanda que virá pós- 2020? Essa é a resposta de 1 milhão de dólares! E começa a preocupar a Engenharia e o E&P da Petrobras. O prolongamento da crise da Lava Jato e as incertezas em relação a essa operação tornam a avaliação complexa e cada vez mais necessária.
Um olhar mais detido sobre o parque nacional mostra que a falta de capacidade local deve fazer com que a demanda futura de FPSOs seja atendida por cascos feitos ou convertidos no exterior. O tempo que o Estaleiro Enseada está levando para converter o casco da P-74, que já está no dique há mais de 40 meses, é uma evidência disso.
Já no segmento de topsides, como as unidades com alto índice de nacionalização, a fabricação e montagem devem ser feitas em grande parte no país. Projetos de rodadas mais antigas serão, por sua vez, executados no exterior, como deve acontecer no caso da revitalização de Marlim, na Bacia de Campos, que vai demandar dois novos FPSOs.
Somente três estaleiros são hoje totalmente adequados para construção offshore no país: Brasfels, em Angra dos Reis (RJ), Brasa (RJ) e o canteiro da Techint (PR), este último sem um parceiro tecnológico forte e ainda com pouca experiência na construção de grandes FPSOs.
Jurong, no Espírito Santo, o ERG e o EBR, ambos no Rio Grande do Sul, também completam a lista de unidades que devem se adequar para disputar contratos futuros no segmento. O primeiro, com grande conhecimento tecnológico, está sendo construído, mas enfrenta grande dificuldade por conta da crise da Sete Brasil.
Se todos esses seis projetos deslancharem, o país terá na próxima década capacidade para colocar seis novas plataformas por ano em produção. Ainda é um número expressivo.
Mas as dificuldades também são expressivas. Boa parte dos grandes estaleiros e integradores que atendem o segmento offshore já passa por problemas financeiros.
O Estaleiro Brasfels, comandado pelo Grupo Keppel Fels e atualmente o mais experiente no país na construção e integração de plataformas demitiu recentemente 2 mil funcionários. Está sendo fortemente afetado pela crise da Sete Brasil.
O estaleiro entregará a plataforma P-66 à Petrobras até fevereiro de 2017. De acordo com o CEO da Keppel Offshore & Marine, Chow Yew Yuen, os últimos quatro módulos do primeiro FPSO replicante, que será instalado no pré-sal da Bacia de Santos, devem chegar ao estaleiro em junho para integração ao casco.
“Estamos na fase de comissionamento, mas é claro que não podemos finalizá-la sem antes receber os módulos da Petrobras. São módulos importantes, portanto, após sua entrega, creio que levaremos oito meses. Esse é nosso prazo”, disse o executivo, em conferência com analistas.
O Brasfels também foi contratado pela Petrobras para fabricar parte dos módulos e fazer a integração da P-69. Segundo Yuen, o estaleiro aguarda a chegada do casco da plataforma, em construção no estaleiro Rio Grande (Ecovix), no Rio Grande do Sul, para iniciar os trabalhos.
No Estaleiro Brasa (RJ), a preocupação é com a falta de perspectiva de novas encomendas. O estaleiro da SBM está finalizando as obras de integração do FPSO Cidade de Saquarema, que será instalado no pré-sal da Bacia de Santos ainda neste semestre. Para compensar a falta de novos projetos, o Brasa pretende atuar na área de manutenção e reparo offshore, o que, segundo sua diretoria, deve evitar a demissão de parte dos funcionários que seriam cortados com o fim das obras do FPSO da Petrobras.
Techint e EBR aguardam a chegada dos cascos que estão sendo convertidos no Estaleiro Inhaúma, para tocarem seus projetos. As obras de conversão dos FPSOs P-74 e P-76, comandadas por Odebrecht, UTC Engenharia e OAS – todas envolvidas na Lava Jato – foram iniciadas em 2012 e 2015, respectivamente.
O consórcio Techint/Technip está trabalhando para concluir no final de julho as obras dos módulos do FPSO P-76, unidade de produção programada para o campo de Búzios, área da cessão onerosa da Bacia de Santos. O consórcio é responsável pela construção de 15 módulos da plataforma, cujo primeiro óleo está previsto para 2017.
Os módulos têm hoje 75% do seu cronograma físico concluído e todo o trabalho de integração será iniciado quando o casco, em conversão no Estaleiro Inhaúma, no Rio de Janeiro, chegar ao Paraná. Mais de 3.000 homens trabalham hoje na construção dos módulos do FPSO.
No Rio Grande do Sul, a Aibel entregou ao EBR (Estaleiros do Brasil) os módulos do sistema de remoção (M8) e de lançamento/recebimento de pig e manifolds de produção/injeção (M9) da plataforma P-74. Os equipamentos são os últimos do pacote de cinco encomendados pelo estaleiro, em São José do Norte (RS), para a integração da unidade da Petrobras.
Executada na Tailândia, a construção dos módulos de 4,5 mil t, exigiu o trabalho de mais de 4 milhões de homens/horas. A Aibel foi responsável tanto pela construção quanto pela fase de suprimento dos cinco módulos, envolvendo, no pico das obras, mais de 800 funcionários.
No Rio Grande, o Mitsubishi Heavy Industries (MHI) vendeu sua participação na Ecovix. A empresa tem contratos para a construção dos cascos dos FPSOs replicantes e de três navios-sondas da Sete Brasil. A Engevix – que teve um de seus sócios, Gérson Almada, condenado na Lava Jato – agora estuda vender o Estaleiro Rio Grande para evitar o pedido de falência.
Todos estão de olho na disputa pelos FPSOs de Sépia e Libra, atualmente sendo afretados pela Petrobras. A petroleira recebe neste mês propostas para as duas unidades. Com altos índices de conteúdo local nos projetos, os estaleiros se movimentam para levar pelo menos uma fatia das obras.
E não só os estaleiros com foco nas atividades offshore terão de buscar novos modelos de negócios. Recentemente, o Estaleiro Atlântico Sul, em Pernambuco, perdeu um de seus acionistas, a Japan EAS Investments, depois de ter anunciado o cancelamento do contrato de construção das sondas da Sete Brasil.
O EAS mantém contrato com a Transpetro para a construção de petroleiros e deve investir fortemente no reparo nos próximos anos.
Também tiveram prioridades de financiamento canceladas pelo FMM – Fundo da Marinha Mercante, no ano passado os estaleiros Jurong, EBR, e o grupo Vard, especializado na construção de barcos de apoio e navios gaseiros.
De um modo geral, a situação dos estaleiros na Baía de Guanabara também não é boa. O Mauá, um dos mais antigos do país, encerrou suas atividades depois de não ter chegado a um acordo com a Transpetro sobre o reajuste dos contratos dos petroleiros encomendados pela subsidiária da Petrobras. Já o Estaleiro Ilha (Eisa) corre o risco de perder os contratos de construção de barcos de apoio com a Brasil Supply e a Astromarítima, o que já ocorreu com quatro PSVs 5000 da Swire Pacific que o grupo não conseguiu entregar dentro do prazo previsto.