Do município de Barcarena, no Pará, saem navios carregados com toneladas de soja rumo à África, à Ásia e à Europa, em uma operação quase silenciosa. O Porto de Vila do Conde, na cidade, em nada lembra a balbúrdia dos portos brasileiros.
A calmaria observada no local, em meados do mês passado, é reflexo de uma série de fatores, como a forte mecanização, o transporte fluvial, com comboios de barcaça, e o atraso na colheita da soja.
Se estendendo de Rondônia até a Bahia, a nova rota de escoamento da produção agrícola tem seus principais portos e investimentos no Pará, firmando-se como opção viável aos tradicionais terminais do Sul e Sudeste, que ainda embarcam 80% da soja.
Somente no ano passado, as exportações totais pelo chamado Arco Norte foram de 20 milhões de toneladas, 54% superiores às de 2014, segundo o Ministério da Agricultura. Para 2016, a previsão é de novo crescimento, mas não sem um atraso nos embarques. O tempo seco no Centro-Oeste no segundo semestre de 2015 atrasou o plantio e, em fevereiro, a chuva prejudicou a colheita e o transporte de soja pela BR-163, principal eixo rodoviário do Arco Norte.
A atratividade do escoamento pela região – o custo mais barato em relação aos portos de Santos e Paranaguá (PR) – só não é maior justamente porque as ligações entre as áreas produtoras e os terminais nos rios amazônicos apresentam graves deficiências. A BR-163 tem mais de 200 km sem pavimentação. Já o projeto da Ferrogrão, elaborado por tradings e que prevê a implantação de uma ferrovia de 1 mil km entre o médio-norte de Mato Grosso e Miritituba, distrito de Itaituba no sudoeste do Pará, às margens do Rio Tapajós, ainda não saiu do papel, apesar de promessas do Governo Federal.
Solucionados esses entraves, a expansão na movimentação de grãos pelo Arco Norte pode ser ainda maior. Com os investimentos que vêm sendo feitos na região, 20% da soja exportada pelo Brasil passa por ali. Mas a estimativa é de que a produção de soja e milho de regiões acima do paralelo 16, que passa por Mato Grosso, possa ser escoada pelo Arco Norte com maior vantagem competitiva à medida que investimentos em áreas públicas e privadas se concretizarem, segundo o consultor em infraestrutura e logística da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Luiz Antônio Fayet. Esta produção, em 2014, representou 57,9% da safra nacional dos dois grãos.
Mesmo com as dificuldades e eventuais atrasos no transporte, pelas estimativas do governo do Pará, estado que concentra o maior número de portos da região, o custo logístico para o produtor do Centro-Oeste exportar por Vila do Conde, em Barcarena, ou Santarém é de US$ 20 a US$ 30 por tonelada menor do que enviar a produção para Santos e Paranaguá. De olho nesses cálculos, as principais tradings com operações no País estão investindo na região há pelo menos três anos. Por ali, elas teriam, também, uma rota mais curta para chegar ao Canal do Panamá e, de lá, até o principal comprador da oleaginosa brasileira, a China.
Novos investimentos
Em Barcarena (PA), além das cargas provenientes de Miritituba, entre 15% e 20% da mercadoria percorrem toda a distância entre o produtor e o porto de caminhão. Trechos com buracos e poças d’água remanescentes das chuvas são uma pequena mostra do trajeto que os caminhoneiros fazem pela BR-163.
A Archer Daniels Midland (ADM), que desde o ano passado opera em Vila do Conde o Terminal de Grãos Ponta da Montanha (TGPM), em parceria com a Glencore, diz que a concessão da BR-163 e a construção da Ferrogrão têm igual importância para que o escoamento da produção agrícola pelo Norte continue crescendo. “Os dois projetos são complementares e abrem oportunidades para todo o País”, disse Eduardo Rodrigues, diretor de Logística da ADM.
A Cargill também atrela a expansão de seus investimentos na região à melhoria das estradas. Em novembro deste ano, pretende inaugurar uma ETC própria em Miritituba, com capacidade para escoar 3 milhões de toneladas por ano.
Hoje, utiliza os serviços da Transportes Bertolini para carregar as barcaças com produto do médio-norte mato-grossense.
“Dependemos das melhorias na BR-163”, disse Ricardo Cerqueira, gerente de Projetos e Operações Portuárias da empresa. Até agora, contudo, não há expectativa sobre data para o lançamento de edital para obras nos 200 km sem pavimentação da rodovia.
Para se instalar no município paraense, a Cargill investiu R$ 180 milhões, destinados entre outros itens a três silos com capacidade para 54 mil toneladas. “A construção da ETC começou em janeiro de 2015. Pretendemos dar início aos testes em outubro deste ano e estarmos totalmente operáveis em janeiro de 2017”, afirmou.
Até que o complexo da companhia esteja pronto, a Bertolini continuará carregando as barcaças em Miritituba, que de lá seguem para o terminal próprio da Cargill em Santarém (PA) – estrutura que foi ampliada para 5 milhões de toneladas após investimentos de R$ 240 milhões. Conforme Cerqueira, o potencial de escoamento da Cargill pelo Arco Norte praticamente equivale ao que se encontra hoje no Sul e Sudeste. Enquanto Santarém pode movimentar 5 milhões de toneladas, Santos e Paranaguá podem embarcar 3 milhões cada, totalizando 6 milhões de toneladas.
A Bertolini também presta serviços para a ADM, que diz não ter projeto para uma estação própria de transbordo em Miritituba por enquanto.