O Brasil precisa deixar de ser inimigo de si, saber o que quer e agir de acordo com isso para obter os bons resultados que todos esperam. Do contrário, seguiremos em uma espécie de Terra do Nunca, sem futuro, nem passado, onde os recursos naturais abundam, a vida é maravilhosa e divertida, mas a principal atividade é praticar esgrima com a própria sombra.
É fundamental reafirmar isso, especialmente num ano eleitoral. E observar como essa característica nefasta influencia o desenvolvimento do país. O setor portuário é um exemplo. A recente reforma do marco regulatório dos portos foi movida por alguns grandes objetivos. O primeiro deles, o de superar as dificuldades surgidas no contexto do marco anterior, encabeçado pela Lei 8.630/1993.
A dualidade de regimes exploratórios constitucionalmente prevista fez surgir, naquelas circunstâncias, intensa disputa acerca do tipo de carga que poderia ser movimentada. A lei permitia tanto a prestação de serviços públicos por concessões de portos organizados ou arrendamentos de instalações portuárias, quanto a exploração de atividade econômica habilitada mediante autorização, ao mesmo tempo em que fomentava a concorrência entre portos.
A lei aponta um norte, mas as disposições vão no sentido oposto, produzindo paralisia ou resultados inferiores
Daí surgiu um litigioso impasse envolvendo a restrição ou o consentimento para a movimentação de cargas de terceiros pelos Terminais de Uso Privativo Misto. A polêmica girava em torno dos custos e vantagens característicos aos arrendamentos, visto que remunerados por tarifa, mas localizados dentro do porto organizado e, por isso, beneficiários de uma infraestrutura já existente. O resultado foi uma grande insegurança para a realização de novos investimentos de parte a parte.
Em atenção a isso, o novo marco regulatório, inaugurado pela Lei nº 12.815/2013, deu cabo à distinção entre carga própria e carga de terceiros, refutando-a ao não lhe prestar qualquer referência enquanto critério diretivo da assimetria regulatória que segue constando do novo arcabouço normativo setorial. Em vez disso, optou por se valer da delimitação tracejada pela poligonal da área do porto organizado para separar, exceção apenas para os casos de Terminais de Uso Privado já instalados dentro dessas áreas, os regimes públicos (das concessões e arrendamentos), do regime privado regulado (das autorizações que habilitam o particular a construir e operar Terminal de Uso Privado).
Um outro objetivo do novo marco regulatório foi o de disciplinar a prorrogação antecipada de arrendamentos em vigor, condicionando-a à concordância do poder concedente e à realização de investimentos. Além disso, a exposição de motivos da Medida Provisória nº 595/2012, convertida posteriormente na Lei 12.815/2013, revela que a reforma do marco regulatório veio para fazer frente às necessidades decorrentes da expansão econômica brasileira.
Em síntese, esse documento afirma que a nova lei busca promover eficiência, por meio da ampliação e modernização da infraestrutura, e do aumento de investimentos públicos e privados no setor. “Choque de oferta”, como convencionaram dizer, por inúmeras vezes, os diretores da Antaq. Além de funcionarem como guias interpretativos, esses objetivos fornecem os parâmetros a serem seguidos na elaboração dos incentivos e desincentivos do marco regulatório dos portos, formado pela própria Lei 12.815/2013, seu decreto regulamentador 8.033/2013 e demais normas regulatórios e arranjos contratuais que venham a ser editados.
Ocorre que há uma incoerência entre a lei e alguns dispositivos subsequentes, no que diz respeito aos incentivos para aumentar os investimentos privados no setor.
São três os instrumentos habilitantes para atuar no setor, do ponto de vista de seus regimes e objeto. As concessões e os arrendamentos seguem regimes semelhantes. As primeiras são voltadas à delegação da administração de todo o porto organizado – algo que não conta com exemplos práticos, mas, possivelmente, se aproximaria de uma parceria público-privada administrativa. Ao passo que os arrendamentos dedicam-se a delegar a exploração de áreas específicas dentro do referido porto organizado. Esses dois vínculos se diferenciam do da autorização, basicamente, pelo regime privado – ainda que regulado – que a rege.
Sendo a disciplina dos Terminais de Uso Privado guiada por um regime de características privadas, suas exigências e limitações deveriam ser informadas pela liberdade de iniciativa típica da atividade empresarial. A liberdade é a regra. As exigências e restrições consistem em exceções aplicáveis tão somente quando necessárias e compatíveis aos objetivos que se quer alcançar.
Em contrário a isso, contudo, a implantação do novo marco vem sendo feita com deslizes que transparecem dificuldades em respeitar a lógica dos regimes jurídicos aplicáveis a cada um dos instrumentos habilitantes. Nota-se uma visão estatizante, que torna público o que deve ser privado e limita a concorrência a pretexto de evitar um monopólio impossível. Assim ocorre na autorização, com a falta de um adequado regime de transição para o novo modelo, a exigência de garantias de proposta e contrato, típicas do regime público, e a limitação à expansão territorial de Terminais; e no arrendamento, com o limite à participação de arrendatários em concorrências por novos arrendamentos, mesmo que as tarifas cobradas não sejam livres, mas reguladas. Ou seja, a lei aponta um norte, mas uma série de disposições vão no sentido oposto, produzindo, invariavelmente, paralisia ou resultados inferiores aos que se poderia alcançar.