Apesar dos impactos que a crise econômica e a Operação Lava Jato causaram em relação à construção de plataformas de petróleo e de navios no Brasil, o polo naval gaúcho, mesmo que mais lentamente, continua em atividade.
Pelo menos nos próximos dois anos, os estaleiros concentrados na Metade Sul do Estado têm serviços contratados. A grande interrogação é o que esperar para depois desse prazo e se poderá haver um hiato entre as encomendas que serão entregues e as novas licitações
Atualmente, há três grandes estaleiros que compõem o polo naval do Rio Grande do Sul: o Estaleiro Rio Grande (Ecovix), o complexo da QGI (ambos localizados em Rio Grande) e o Estaleiros do Brasil (EBR), que fica do outro lado da Lagoa dos Patos, no município vizinho de São José do Norte. As empresas envolvidas com esses empreendimentos, desde que a Operação Lava Jato atingiu o setor, evitam se pronunciar oficialmente, e preferem repassar a responsabilidade a sua principal contratante, a Petrobras.
De acordo com informações da estatal, na estrutura da Ecovix, que passa por um processo de reestruturação capitaneado pelo banco Brasil Plural, está prevista a construção de mais quatro cascos replicantes (idênticos) para projetos da Petrobras e de seus parceiros (BG-Shell e Petrogal) na área do pré-sal da Bacia de Santos.
No estaleiro da QGI, estão sendo trabalhados módulos para as plataformas P-75 e P-77; e, no EBR, para a P-74. A Petrobras comenta ainda que as empresas subcontrataram parte das obras dos cascos e de módulos no exterior – estaleiros na Ásia, basicamente – com objetivo de viabilizar a continuação dos contratos, mitigar atrasos e manter atividades de construção e fornecimentos no Brasil.
A obra mais avançada no polo naval atualmente é o casco da P-68, que permanecerá em Rio Grande, em acabamento final, até o início deste mês, quando está previsto o transporte para o Estaleiro Jurong, em Aracruz (ES), para início dos trabalhos de integração desse navio plataforma – FPSO, unidades flutuantes que produzem e armazenam petróleo.
A integração compreende basicamente a instalação sobre o casco e a interligação de todos os demais módulos e equipamentos da plataforma, que estão sendo fabricados em outros estaleiros. O casco da P-68 pesa 353 mil toneladas, tem 288 metros de comprimento, 54 metros de largura e 31 metros de altura, e é idêntico aos cascos da P-66 e P-67 já entregues pela Ecovix.
No caso dos estaleiros de QGI e EBR, o processo é o contrário. Esses complexos aguardam a chegada dos cascos das plataformas P-74, P-75 e P-77 para acelerar os serviços e iniciar a integração dos módulos.
O presidente em exercício do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio Grande e São José do Norte, Sadi Machado, admite que há uma insegurança muito grande sobre o futuro do polo naval nos próximos anos. No entanto, o dirigente ressalta que uma situação que alentou os trabalhadores foi o empréstimo bilionário tomado pela Petrobras com o Banco de Desenvolvimento da China, que pode garantir investimentos da estatal, pelo menos, nos próximos dois anos.
Além disso, Machado comemora as declarações do presidente da companhia, Pedro Parente, que sinalizam que não há possibilidades de venda da empresa. “A gente acredita, e eu quero ser um otimista, que, nos próximos dois anos, a gente está garantido”, reitera. Sobre um horizonte mais amplo, o sindicalista argumenta que o País enfrenta hoje uma crise política, e isso dificulta projeções de maior prazo.
Prefeitura de Rio Grande espera manutenção de política para o setor
A indústria naval ressurgiu no Brasil através de uma política de governo, com a ideia de geração de impostos, de postos de trabalho e de tecnologia, sendo algo estratégico, defende o prefeito de Rio Grande, Alexandre Lindenmeyer. O dirigente espera que essa postura seja preservada pela importância que representa para os polos navais do País.
“Ao contrário do que por vezes tem sido falado, de que acabou a indústria naval em Rio Grande, não é essa a verdade dos fatos”, salienta. O prefeito recorda que existem demandas sendo geradas e há a expectativa de que, em pouco tempo, a QGI atue na implementação das plataformas P-75 e P-77 de forma mais intensa. As encomendas dessas últimas estruturas deverão gerar cerca de 2 mil empregos.
Lindenmeyer comenta que, no momento em que a QGI começar os trabalhos, serão dois anos de serviços garantidos. “Precisamos que, entre uma situação e outra, tenhamos, nos próximos meses, novas licitações por parte da Petrobras para que, lá adiante, sejam firmados mais contratos e não ocorra um hiato”, afirma. O prefeito diz que o ideal é que novas licitações sejam disputadas neste segundo semestre ainda.
O dirigente espera que a Petrobras consiga retomar as licitações de plataformas, pois, entre o tempo de concluir uma licitação, projeto e início de obra, o processo inteiro leva em torno de 12 meses. As plataformas já realizadas na região, frisa o prefeito, significaram aprendizado e qualificação de mão de obra. Lindenmeyer também está otimista que os três estaleiros do polo naval possam ter continuidade por longos anos.
“A minha expectativa é que toda essa indústria naval que foi consolidada seja fortalecida, e não dizimada, como ocorreu na década de 1970”, sustenta.
Particularmente no caso de Rio Grande, o setor naval tem contribuído para o crescimento econômico da cidade. Lindenmeyer revela que, nos últimos anos, foi triplicado o orçamento do município que atualmente é de cerca de R$ 630 milhões. Há oito anos, era na faixa de R$ 260 milhões.
O prefeito reforça ainda que a indústria naval também atraiu investimentos em outras áreas. Entre os empreendimentos, o dirigente cita as duplicações das rodovias BR-116 e BR-392, além de aumento no número de cursos da Universidade Federal do Rio Grande (Furg).
Trabalhadores temem que serviços sejam transferidos para o exterior
Mesmo não acreditando que o presidente da Petrobras, Pedro Parente, vá vender a estatal, o presidente em exercício do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio Grande e São José do Norte, Sadi Machado, manifesta a preocupação de que o executivo decida terceirizar serviços e levar demandas para o estrangeiro, principalmente para a Ásia. O sindicalista ressalta que a construção de plataformas significa a geração de milhares de empregos no País.
Em junho, Machado estimava que o número de pessoal atuando no polo naval gaúcho era de aproximadamente 6,5 mil. Se a política do dirigente trabalhista é de concentrar as demandas no cenário interno, o vice-presidente executivo do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval) na Região Sul, Eduardo Krause, argumenta que a realização de parte dos serviços na concretização de uma plataforma ser destinada ao exterior não deve ser vista como malefício ou benefício para o Brasil. Krause ressalta que a indústria naval funciona dessa forma, levando em consideração fatores como investimento e tempo para concretizar a demanda.
Sinaval e governo gaúcho aguardam por divulgação de planos da Petrobras
Branco diz que futuro da Petrobras terá impacto direto no setor
Enquanto a situação da Petrobras não for definida, a indústria naval não tem um horizonte mais longo. É o que aponta o vice-presidente executivo do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval) na Região Sul, Eduardo Krause. Apesar dessa incerteza, o dirigente se diz tranquilo com a situação, pois ele, no lugar do novo presidente da estatal, Pedro Parente, não faria nada diferente do que o executivo está fazendo.
“Parente está conhecendo a casa, o tamanho da bronca, como vai administrar, mas é impossível deixar de construir plataformas”, argumenta. Krause considera excelente a indicação do executivo para o comando da Petrobras, pois se trata de uma pessoa qualificada, com visão de gestão. O dirigente reforça que não quer criar estimativas ilusórias, contudo espera que, na parte final deste segundo semestre, a estatal elabore um planejamento concreto para o futuro.
O integrante do Sinaval diz que, para os otimistas como ele, a projeção é que pelo menos uma licitação acontecerá no próximo ano, já os pessimistas acreditam em uma recuperação do mercado em quatro anos. “Eu acho que um País do tamanho do Brasil, com mais de 200 milhões de habitantes, não pode parar quatro anos”, sustenta.
Apesar dessa visão positiva, Krause admite que deverá acontecer um hiato entre as encomendas e obras em novas plataformas, por um período de alguns meses. “Mas eu vejo, com absoluta naturalidade, que esse episódio da indústria naval passará”, reitera.
O secretário estadual de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia, Fábio Branco, ressalta que o grande cliente do polo naval é a Petrobras. Por esse motivo, o planejamento da estatal terá intensos reflexos nas empresas que atuam no segmento. “Precisamos entender que tamanho ficaremos (o polo naval), o que atenderemos de mercado e saber da própria Petrobras o futuro”, argumenta.
A EBR está esperando, para a segunda quinzena de agosto, a chegada do casco da plataforma P-74, o que, conforme Branco, deverá garantir mais cerca de 12 meses de obras. No entanto, o dirigente alerta que, depois desse serviço, não há nenhum contrato previsto. O mesmo acontece com a Ecovix, que deve liberar uma plataforma em breve, mas não tem atualmente perspectivas de novas demandas. “A QGI tem duas plataformas na pauta (P-75 e P-77), contudo pouco será construído aqui, uma boa parte já vem pronta de fora”, adianta o secretário. O dirigente reforça que esse cenário gera preocupação dentro do governo gaúcho, que gostaria de saber qual é o plano de investimento da Petrobras para os próximos anos.