O Sindicato da Indústria da Construção Naval e Offshore inicia hoje na Justiça Federal uma ação contra a Agência Nacional do Petróleo (ANP) para impedi-la de liberar a Petrobras de cumprir as exigências de conteúdo local para as plataformas de Libra e Sépia. Fontes da estatal dizem que a construção das unidades no país representaria sobrepreço de 40% e 60%, respectivamente.
Sinaval questiona na Justiça pedido de isenção da Petrobras
A tentativa da Petrobras de obter da Agência Nacional do Petróleo (ANP) a isenção do cumprimento do conteúdo local para as plataformas de Libra e Sépia provocou a reação dos estaleiros, que consideram que a decisão da estatal prejudica a indústria nacional. O Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval) vai entrar, a partir de hoje, com uma ação na Justiça Federal contra a ANP. Os estaleiros querem que a agência informe quais são os argumentos da Petrobras para justificar o pedido de isenção (“waiver”) do conteúdo local das unidades de Libra e Sépia.
O presidente do Sinaval, Ariovaldo Rocha, criticou ontem, indiretamente, o presidente da Petrobras, Pedro Parente. “Quando um presidente de uma instituição, que reputo como sério, vai aos jornais dizer que nosso produto é 40% mais caro, ele [Parente] desconhece nossa verdade. Deveria visitar todos estaleiros, que estão abertos para recebê-lo.” E acrescentou: “Como pode ser 40% mais caro se os operadores convidados [para afretar as unidades de Libra e Sépia à estatal] não pesquisaram nenhum estaleiro brasileiro?”
Fontes próximas da Petrobras dizem que a construção das unidades no Brasil representaria sobrepreço de 40% na unidade-piloto de Libra e de 60%, em Sépia em relação ao mercado internacional. As duas unidades estão previstas para entrar em produção em 2020. Libra vai operar no regime de partilha da produção e Sépia, na cessão onerosa. Procurada, a ANP disse que não iria comentar a decisão do Sinaval de ir para a Justiça.
No mercado, há avaliações que de que haveria restrições, além dos preços, para os operadores de plataformas contratarem os estaleiros nacionais. Uma dessas razões seria o envolvimento de sócios de parte dos estaleiros na Lava-Jato. Mas para o Sinaval esse argumento não é válido. “A indústria offshore no Brasil tem 35 anos e, nesse período, 60 sistemas [plataformas feitas no país] foram instalados”, disse Fernando Barbosa, da Odebrecht.
Para Petrobras, haveria 40% de sobrepreço em Libra e 60%, em Sépia, em relação ao mercado internacional, diz fonte
A Petrobras protocolou na ANP pedidos de isenção de cumprimento de conteúdo local para a plataforma-piloto de Libra e para um navio-plataforma de Sépia. A ANP pediu à estatal o envio de informações complementares. A ANP já havia informado que o pedido de “waiver” de Libra passará por processo de audiência pública. Em relação à Sépia, o pedido de isenção de conteúdo local para a plataforma foi protocolado em 8 de novembro e ainda está sob análise da área técnica responsável. Para o Sinaval, não haverá tempo hábil de concluir a audiência pública uma vez que a entrega das propostas para a unidade de Libra está prevista para 16 de dezembro, disse Rocha. O Valor tentou confirmar a data com a Petrobras e ter um posicionamento da estatal sobre as críticas feitas pelo Sinaval, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.
Segundo Rocha, a ANP não pode conceder a dispensa do conteúdo local sem o cumprimento de uma série de etapas. “Somos contra a isenção do conteúdo local para Libra e Sépia. Falta uma consulta real aos fornecedores locais. A Petrobras argumenta que as plataformas de produção ficam 40% mais caras com o conteúdo local, mas não apresenta as informações que comprovem esse argumento”, disse Rocha. Ele não deixou claro, porém, se o Sinaval poderá tentar obter liminar na Justiça para suspender a concorrência do afretamento do piloto de Libra.
Segundo Guilherme Ferreira Pinto, diretor de engenharia da Queiroz Galvão e integrante do Sinaval, a ação na Justiça vai buscar conhecer os argumentos que levaram a Petrobras a pedir “waivers” “extemporâneos”. Ele afirmou que os estaleiros querem resguardar o que é de direito: os compromissos de conteúdo local acordados em contrato entre as petroleiras e a ANP, nos leilões de campos de petróleo e gás natural. “O que está sendo feito é o descumprimento de cláusula de contrato [previsto no leilão dos campos pela ANP]. E isso nos afeta porque ignora a indústria brasileira, com todos os investimentos que foram feitos”, disse Pinto. O Sinaval afirma que as empresas do setor investiram mais de R$ 25 bilhões nos últimos anos.
O Sinaval afirmou ainda que as concorrências lançadas pela Petrobras para afretar plataformas para Libra e Sépia reduzem de forma drástica os índices de conteúdo local das duas unidades de produção. A entidade mostrou um comparativo dos índices de conteúdo local originais, pactuados para Libra quando do leilão do campo, e o conteúdo local atual, referente ao edital da concorrência lançado pela Petrobras. A ideia da Petrobras na concorrência, segundo os estaleiros, é convidar operadores internacionais que vão construir as plataformas para posterior aluguel à estatal. No caso de Libra, o edital prevê que o casco da plataforma, por exemplo tenha índice de conteúdo local zero, todo o casco será feito todo fora do Brasil. Pelo contrato original, o casco tinha índices de conteúdo local que variavam de 75% até 90%. Libra foi ganho por um consórcio formado por Petrobras, Total, Shell e as chinesas CNPC e CNOOC.
Pinto, da Queiroz Galvão, disse que os operadores que disputam as plataformas de Libra e Sépia preveem a construção dos cascos das duas unidades fora do Brasil. “Todos [os operadores convidados] declararam que iriam construir ou converter os cascos fora do Brasil”, disse Pinto. O executivo disse que os estaleiros querem discutir, via administrativa e judicial, o descumprimento do conteúdo local. Os estaleiros nacionais têm condições de executar os serviços para Libra e Sépia, disse o Sinaval.