A crise do conteúdo nacional promete se acirrar ainda mais a partir de fevereiro, quando IBP, Petrobras, Abimaq e Firjan irão intensificar as discussões para definir o futuro da Onip, com a saída de Eloi Fernández y Fernández, que deixou o comando da instituição em dezembro, depois de quase 18 anos. Mais do que uma simples disputa de cargo, o que está em jogo é uma briga de poder, na qual de um lado estão as petroleiras, IBP e a Abespetro, defendendo a flexibilização das regras e das exigências de conteúdo local, e de outro as empresas fornecedoras, ligadas à Abimaq, Sinaval, Abemi, Abdib e outras entidades, cuja avaliação é de que se é para ter leilão sem conteúdo nacional, melhor não ter.
Fernández não é a única baixa por conta dessa disputa. Em setembro do ano passado, José Botelho Neto, então diretor do Departamento de Política de Exploração e Produção do MME, foi exonerado do cargo. Botelho era visto pela indústria, tanto pelas petroleiras quanto pelos fornecedores, como o “guardião” da cartilha de conteúdo local das rodadas da ANP, prática adotada nos leilões quando Maria das Graças Foster era secretária de Petróleo e Gás do Ministério.
Diante da polarização em torno da discussão do conteúdo nacional a percepção é de que tudo pode acontecer com a Onip, inclusive seu fim. Antes de pensar na escolha de um novo executivo, representantes da Petrobras, IBP, Abimaq e Firjan discutirão o novo papel da entidade em meio ao cenário que se estabeleceu após a mudança de governo e a entrada do ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, e do secretário de Petróleo & Gás, Márcio Félix.
Entre os associados, o único consenso até o momento é de que da forma como está hoje a Onip não pode continuar. A percepção é de que, sob o cenário do governo Michel Temer e diante da atual crise do setor, a entidade precisa no mínimo ser reestruturada e ter suas diretrizes repensadas.
O grupo chegou a fazer cerca de três a quatro reuniões, mas o trabalho acabou interrompido pela necessidade da indústria de concentrar esforços no debate das regras de conteúdo local para a 14a rodada, questão de acordo com o CNPE terá que ser definida até o fim de janeiro. Por enquanto, não há nenhuma estratégia ou diretriz definida, tampouco expectativa de acordo rápido.
O problema é que, quando o assunto é conteúdo nacional, os interesses da indústria são claramente distintos. A prova mais recente é a ação movida pelo Sinaval contra a licitação do consórcio de Libra para o afretamento de um FPSO para o projeto, questionando o pleito de waiver para a conversão da unidade de produção. O conflito entre os interesses das operadores e dos fornecedoras se faz mais claro quando se vê que a ANP tem em mãos mais de 200 pedidos de waiver para analisar.
Criada em 1999 para ser um fórum de articulação e mobilização da indústria junto aos órgãos de governo, a Onip está sendo comandada interinamente por Bruno Musso, desde o fim de 2016. Depois de anos de fartura, a instituição vem sentindo o peso da queda do preço do petróleo e da consequente escassez de investimentos no setor, o que afeta não só seu orçamento como também sua estrutura organizacional, que encolheu à metade e hoje conta com apenas 30 pessoas.
A questão do orçamento é cercada de reserva e ninguém fala sobre números. Os recursos da instituição vêm da contribuição dos sócios e da elaboração de projetos. Os maiores contribuintes são Petrobras, IBP e Firjan.
A Onip possui um total de 41 associados, sendo 23 entidades ligadas a empresas fornecedoras, IBP, Petrobras e mais 16 órgãos de governo. Sua estrutura atual conta com três áreas principais – os conselhos Deliberativo, formado por todos os membros, e Consultivo, formado pela Petrobras, Abimaq, IBP e Firja, e o cargo de diretor-geral.
Histórico do racha
Embora estejam previstas para se intensificar no próximo mês, as primeiras discussões para definir o futuro da Onip tiveram início em novembro, quando Eloi Fernández ainda respondia pelo comando da instituição e o acordo de paz selado pela agenda mínima conjunta ruiu por conta das divergências em relação ao conteúdo nacional. Na ocasião, Eduardo Eugênio Gouvêa, presidente do Conselho Deliberativo da instituição e presidente da Firjan, determinou que o Conselho Consultivo criasse de um grupo de trabalho para debater o tema e fazer uma avaliação detalhada da instituição, desde a organização estrutural e até suas atribuições. Tudo relativamente normal, não fosse o fato de o então diretor-geral da instituição não ter sido convidado para participar do grupo.
A crise dentro da Onip começou a ser desenhada ainda em outubro, quando a entidade encaminhou um documento ao governo, sem que houvesse consenso sobre a questão do conteúdo nacional. Internamente, a iniciativa foi bastante criticada por alguns dos sócios, que se sentiram contrariados.
A partir daí, não houve mais consenso e muito menos clima para qualquer tipo de trégua. A iniciativa da Onip a colocou no meio de um fogo cruzado, fazendo com que a entidade passasse a ser questionada por praticamente todos os seus sócios. Enquanto as empresas fornecedoras de equipamentos acusavam a instituição de se bandear para o lado das petroleiras, as companhias de petróleo queixavam-se que a Onip ficava em cima do muro.
O período de racha da indústria coincidiu exatamente com o momento de fortalecimento do IBP e da Abespetro junto às autoridades do governo de Michel Temer. As duas entidades conseguiram apoio da Petrobras, que pela primeira vez depois de 13 anos do governo PT endossou o coro das petroleiras, sobretudo após a nomeação de Pedro Parente. Em meio a esse clima, há quem enxergue a possibilidade deles saíram da Onip.
Apesar do acirramento do embate ser mais recente, a discussão sobre o conteúdo nacional sempre foi acalorada e se arrasta há alguns anos. Na era PT, o ex-ministro do MME, Marco Antonio Almeida, e o diretor do Departamento de Política de Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural da Secretaria de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do ministério, José Botelho Neto, eram vistos por uns como heróis do nacionalismo e por outros como travadores do processo de abertura.
De certo mesmo até o momento, é que o conselho consultivo da Onip retomará as reuniões em fevereiro e que as conclusões do trabalho serão levadas à apreciação do Conselho Deliberativo.