Em 2017 ocorrem dois encontros para discutir como a navegação marítima internacional pode reduzir suas emissões de gases de efeito estufa. O primeiro deles acontece esta semana na sede da Organização Marítima Internacional (IMO) em Londres, Reino Unido, onde 172 nações, ONGs e lobistas da indústria discutem como impedir que as emissões da navegação subam de 50% a 250% até meados deste século, dependendo do cenário econômico e do avanço das tecnologias.
A demanda por transporte marítimo aumentou significativamente nas últimas décadas: navios transportam cerca de 90% do comércio mundial. As emissões dos gases de efeito estufa do setor tiveram crescimento igualmente impressionante: 70% desde 1990. Atualmente o setor é responsável por entre 2% e 3% da emissão global de gases de efeito estufa.
Se as emissões da navegação fossem reportadas como se fossem de um único país, o transporte marítimo ocuparia um lugar entre o Japão e a Alemanha no ranking dos maiores emissores de CO2, respondendo por um volume maior do é emitido por todos os países da África juntos. Sem um esforço adicional significativo por parte da indústria marítima, o setor colocará em risco os compromissos do Acordo de Paris pela manutenção do aquecimento global bem abaixo dos 2°C sobre os níveis pré-industriais. Por isso, a IMO pretende lançar em 2018 uma estratégia inicial de redução de emissões de gases de efeito estufa, muito provavelmente envolvendo uma trajetória de longo prazo para a redução das emissões de CO2 e medidas práticas de curto, médio e longo prazos.
Para o Brasil, a navegação é um setor vital para as exportações de commodities como minério de ferro, soja, petróleo, açúcar e café, entre outras. 95% do comércio exterior passam pelos portos, que bateram o recorde de um bilhão de toneladas movimentadas em 2015. Para alguns setores, a importância é ainda maior: o Brasil é o segundo maior exportador de minério de ferro após a Austrália – tanto que a Vale está presente na IMO com dois representantes, mesmo número da Petrobras.
Os negociadores brasileiros na IMO têm tradicionalmente sido contrários ao endurecimento do regime regulatório, argumentando que isso penalizaria os países no final das cadeias de suprimento, especialmente aqueles distantes dos mercados exportadores. As colocações do Brasil anteriores à reunião desta semana reforçam essa postura.
O país se opôs ao estabelecimento de uma meta de longo prazo para as emissões do setor, com o argumento de que esta representa ‘um impedimento não desejável para o comércio internacional’, adicionando que uma meta deste tipo pode levar a um aumento do transporte de carga via aérea. O país também tem feito lobby pelo o estabelecimento de dados precisos de emissão de GEE como uma precondição para maiores investimentos em medidas de eficiência — um regime mandatório de reporte de emissões da IMO passará a ocorrer a partir de 2019 — e quer investimentos para o auxílio à instalações portuárias verdes.
Para a WWF Brasil, muitas das apreensões do país são infundadas. Mesmo que se faça um acordo sobre um nível de preço para o carbono de US$ 12 por tonelada de CO2 emitida (três vezes mais alto que o preço atual da UE), as exportações e a economia “não seriam significantemente afetadas” e as medidas poderão, inclusive, gerar benefícios para alguns setores da economia brasileira.
Uma pesquisa comissionada pela ONU demonstrou que aumentos no custo das importações são frequentemente muito pequenos, tipicamente, um aumento de 10% nos custos da emissão de carbono ou dos combustíveis gera um aumento de menos de 0,2% no preço final das mercadorias importadas.
Impactos econômicos negativos provavelmente seriam maiores sobre os pequenos países insulares em desenvolvimento (SIDS na sigla em inglês) e nos países menos desenvolvidos (LDCs), em virtude de suas frequentemente remotas e mal servidas rotas comerciais, de sua alta dependência de importações, de seu já desproporcional custo per capita de transporte e pela sua baixa capacidade de absorção de aumentos de preços sem impactos sociais significativos. Apesar disto, vários SIDS, tais como as Ilhas Marshall e Salomão, estão entre aqueles que clamam da IMO uma linha dura na questão climática.
Antígua, Barbuda, Bélgica, Dinamarca, França, Alemanha, Kiribati, Ilhas Marshall, Ilhas Salomão, Suécia, Tonga e Tuvalu estão entre os países que defendem que, para garantir a efetividade climática, é importante definir um alto nível de ambição de redução de emissões alinhado com o objetivo de temperatura do Acordo de Paris, e que este seja adotado o mais rapidamente possível, ou seja, em 2018, quando a estratégia inicial será adotada.
Linha do tempo das negociações climáticas do transporte marítimo
1997 – A IMO torna-se responsável pelo acompanhamento das regulações da indústria da navegação internacional sob o Protocolo de Kyoto e, novamente em 2015, sob o Acordo de Paris.
2011 – A IMO afirma que “a navegação dará sua justa e proporcional contribuição” (MEPC 63/5/5, Resultado da Conferência de Mudanças Climáticas da ONU, em Durban, África do Sul, de 28 de novembro a 11 de dezembro de 2011, nota do Secretariado da Convenção) no manejo das mudanças climáticas, mas falha em definir o que isso significa exatamente.
2013 – A IMO divulga padrões de eficiência para todas as embarcações produzidas a partir de 2013. Essa medida levará toda uma geração para afetar a frota total existente e contribuirá muito pouco, dado que o crescimento esperado de 50% a 250% nas emissões até 2050 já inclui os efeitos dessas regulações em eficiência.
2015 – As Ilhas Marshal demandam que a IMO estabeleça uma meta de redução de emissão de GEE para a navegação internacional que seja consistente com a manutenção do aquecimento global abaixo de 1,5°C e que feche acordo contendo as medidas necessárias para o atingimento de tal meta.
2016 – A IMO adota um caminho (roadmap) climático, com a adoção de uma estratégia inicial em 2018 e uma estratégia a ser revisada em 2023 para incluir medidas de redução de GEE em 2023. A definição do mapa desse caminho começa nesta semana.