Agência propõe reduzir exigência de conteúdo local em contratos desde 2005
Para destravar projetos de exploração e produção de petróleo, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) colocou em consulta pública proposta que permite reduzir o conteúdo local — percentual exigido de compras de materiais, equipamentos e serviços produzidos no país — para contratos firmados a partir de 2005 (quando houve a 7ª Rodada). Segundo o diretor-geral da ANP, Décio Oddone, existem cerca de 20 projetos de exploração e produção no período de 2017 a 2021 que poderiam sair do papel com a mudança. Eles envolvem investimentos de R$ 240 bilhões, com estimativas de instalação de 20 plataformas marítimas e perfuração de 900 poços de petróleo. A indústria de fabricantes de máquinas e equipamentos, porém, recebeu mal a notícia e promete entrar na Justiça para contestar a mudança, caso ela seja aprovada.
De acordo com a proposta, as empresas que assinaram contratos de concessão ou de partilha desde 2005 poderão escolher se pretendem permanecer com o nível de exigência previsto na época ou se querem adotar as regras de conteúdo local aprovadas neste ano para as próximas rodadas. De modo geral, as exigências se tornaram mais flexíveis. A alteração seria feita por meio de um aditivo aos contratos. Se a mudança for aprovada, pode afetar quase a totalidade das 94 petroleiras que atuam no país, nos cerca de 674 blocos concedidos no período.
A medida beneficiaria a Petrobras, que já pediu autorização à ANP para não cumprir o índice exigido de conteúdo local (o chamado pedido de waiver) no contrato de uma plataforma (FPSO) da gigantesca área de Libra e de uma plataforma em Sépia, ambas no pré-sal. As empresas locais teriam apresentado preços até 40% maiores do que a média do mercado. Procurada, a estatal não quis comentar o assunto.
220 PEDIDOS PARA NÃO CUMPRIR EXIGÊNCIA
Segundo Oddone, a resolução permitirá regulamentar o pedido de waiver. Nos últimos anos, os processos por não cumprimento do índice se multiplicaram na agência. Existem 220 pedidos que ainda serão julgados na agência. De acordo com o diretor-geral da ANP, as empresas que participam de qualquer processo que ainda não foi julgado podem, se assim quiserem, aderir à mudança.
Apesar dos efeitos positivos para a indústria de petróleo citados pela agência, como o potencial de atração de investimentos, advogados do setor avaliam que a mudança pode ser questionada na Justiça. Segundo Felipe Feres, advogado do escritório Mattos Filho, há dúvidas quanto à legalidade da medida já que, nos leilões de 2005 os até agora, índices de conteúdo local assumidos pelas petroleiras contavam na pontuação para a escolha dos vencedores.
— Tenho dúvidas quanto à legalidade da medida por causa da vinculação ao edital. Isso é um princípio gerador do direito administrativo, isso poderia mudar os resultados das licitações feitas no passado. Realmente, os índices eram muito elevados, inviáveis de serem executados — disse.
Carlos Maurício Ribeiro, advogado da Vieira Rezende Advogados, elogia a proposta que será colocada em consulta pública, mas avalia que insatisfeitos poderão recorrer à Justiça:
— A proposta é ótima. Um aditivo ao contrato pressupõe o entendimento entre as duas partes, portanto, não é possível falar em quebra de contrato. Mas quem se sentiu prejudicado por ter perdido uma área por causa do percentual de conteúdo local exigido ou aquele que pagou multa porque não cumpriu a exigência poderá recorrer na Justiça.
Para os fabricantes de equipamentos, a consulta pública é mais uma notícia negativa. O debate sobre revisão dos índices exigidos de conteúdo local colocou em campos opostos petroleiras e fabricantes de máquinas e equipamentos. O setor já havia manifestado seu descontentamento com a flexibilização de exigências para as próximas licitações. O percentual de itens comprados e produzidos no país no novo modelo é de 18% na fase exploratória e de 25% na etapa de desenvolvimento da produção. No modelo vigente nos contratos fechados antes da mudança, havia percentuais que chegavam a 55%.
O presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso, adiantou que, se a proposta for aprovada, os fabricantes de máquinas e equipamentos vão recorrer na Justiça.
— Não vamos aceitar nada que venha a ferir os contratos assinados no passado. Os contratos têm de ser respeitados. Além disso, em todos os pedidos de waiver, principalmente os da Petrobras, não foi provado, até agora, que a indústria nacional não é capaz de atender os índices de conteúdo local — afirmou Velloso.
Perguntado sobre o risco de judicialização, Oddone, da ANP, disse que o assunto foi bastante estudado na agência e que se trata de uma “evolução regulatória normal”.
ANP: PROJETO PARADO É PERDA PARA A SOCIEDADE
A resolução ficará em consulta pública a partir de hoje até o próximo dia 18 de agosto. A audiência pública está marcada para 1º de setembro. A ANP espera regulamentar o assunto até meados de setembro.
— O objetivo é regular a questão, beneficiando a sociedade e destravando o mais rapidamente possíveis investimentos em contratação de bens e serviços junto à indústria local. Com esses índices que estão agora nas rodadas deste ano, a gente acredita que vai ter mais flexibilidade para cumprimento das obrigações. O que está colocado na consulta pública é a possibilidade de as empresas optarem por manter as condições atuais dos contratos ou optarem pela adesão ao modelo atual de regras de conteúdo local — resumiu Oddone.
O diretor-geral destacou que projetos parados significam prejuízo para a sociedade e para os estados, que perdem arrecadação. Nos cálculos de Oddone, no caso de uma plataforma de produção no pré-sal de 150 mil barris por dia, com o petróleo a US$ 50 o barril, cada ano de atraso significa perda de R$ 2,6 bilhões em arrecadação de impostos.
Até o próximo dia 20, serão publicados o edital e o modelo do contrato de concessão para a 14ª Rodada de áreas no pós-sal para exploração e produção de petróleo prevista para 27 de setembro.