Proposta da ANP esquenta briga na indústria

  • 24/07/2017

Fornecedores ameaçam ir à Justiça caso nova resolução sobre conteúdo local seja aprovada

Anunciada na última segunda-feira (17/7), a minuta de resolução da ANP que propõe a redução dos índices de conteúdo local previstos nos contratos de E&P a partir da Sétima Rodada de Licitações de blocos exploratórios voltou a estremecer as relações entre petroleiras e representantes da cadeia produtiva ligada ao setor de óleo e gás.

Depois de entrar na Justiça contra o pedido de waiver de conteúdo local feito pela Petrobras para a construção do FPSO de Libra, o Sinaval, que representa os estaleiros brasileiros, promete repetir a estratégia caso a nova resolução seja aprovada.

O vice-presidente do sindicato, Sérgio Bacci, assinala que a medida mexeria com contratos fechados há dez anos, ameaçando a segurança jurídica no setor. “Vamos seguir judicializando se a ANP continuar com essa tentativa de dar um golpe na indústria brasileira”, afirma.

Para ele, a ANP está usando a nova resolução a fim de criar um embasamento legal para solucionar a questão do waiver de Libra, cuja licitação está em andamento, porém sujeita a liminar que impede a contratação dos serviços previstos em seu escopo.

A proposta da ANP tampouco foi bem recebida em segmentos como o de máquinas e equipamentos e engenharia. Para o vice-presidente da Associação Brasileira dos Consultores de Engeharia (ABCE), Rodrigo Sigauld, as mudanças gerariam, se aprovadas, um risco grande de judicialização.

“Os contratos precisam ser respeitados. As empresas entraram nos leilões conscientes quanto às exigências de conteúdo local”, observa o engenheiro, argumentando que o país tem mão-de-obra treinada à disposição e com custos competitivos.

Procurada, a ANP informou que a minuta apresentada atende a um pleito antigo tanto dos concessionários como do mercado fornecedor, além de uma recomendação do TCU para regulamentar a previsão contratual de isenção, abrangendo ainda os mecanismos de ajuste e de transferência de conteúdo local.

A agência destacou que as justificativas e motivações em relação à minuta proposta podem ser encontradas nas notas técnicas disponíveis em sua página na internet e que o documento está em consulta pública, podendo receber críticas e contribuições das partes interessadas.

“Apenas após a devida análise das contribuições apresentadas durante a consulta e na audiência pública, a ANP decidirá pela redação final do regulamento. Em relação ao pedido de isenção de cumprimento de conteúdo local apresentado pelo Consórcio de Libra, a ANP segue normalmente sua análise”, explicou o órgão regulador via assessoria de imprensa.

Risco Brasil

A flexibilização das regras de conteúdo local – já oficializada para a 14ª Rodada da ANP, a cujos índices poderão ser equiparados aqueles originalmente definidos para os leilões anteriores, de acordo com a nova resolução da ANP –, poderá deixar em uma situação delicada empreendimentos abertos por fabricantes e prestadores de serviço nos últimos anos no país.

A começar por estaleiros como o Atlântico Sul (EAS) e Vard Promar, em Pernambuco, Jurong Aracruz (ES) e Unidade Paraguaçu (BA), que receberam apoio do Fundo de Marinha Mercante e, portanto, ainda precisam honrar os pagamentos e amortizar os investimentos.

Somente o grupo Vard – que também possuía, até o ano passado, uma unidade em Niterói (RJ) – contou com mais de R$ 2 bilhões em empréstimos do BNDES desde 2003 para construir embarcações de apoio offshore como AHTSs e PLSVs.

Entre outros exemplos de companhias que investiram localmente estão a ABB, Dresser-Rand e a Rolls-Royce, que abriram fábricas de turbomáquinas em Sorocada (SP), Santa Bárbara D’Oeste (SP) e Santa Cruz (Rio de Janeiro), respectivamente; e Flowserve e KSB, fornecedores de válvulas e bombas que inauguraram plantas no Rio de Janeiro e Jundiaí (SP) nessa ordem.

Empreendimentos como o da finlandesa Wärtsilä, que instalou, em 2015, uma fábrica no Porto do Açu, em São João da Barra (RJ), já vinham agonizando mesmo com a garantia de conteúdo local elevado. Nesse caso, contudo, o problema foi motivado pela crise da Sete Brasil, que encomendou a fabricação de propulsores para suas sondas na unidade, hoje em hibernação devido à suspensão do contrato.

A paralisação do projeto da Sete Brasil também impactou diretamente as fábricas de sistemas de perfuração construídas pela NOV e a MHWirth (Akastor) em Macaé (RJ). A primeira teria sido desmobilizada mesmo antes de ser concluída, enquanto a última gerou perdas de US$ 12 milhões para a MHWirth no segundo trimestre deste ano, conforme o relatório financeiro da empresa, divulgado esta semana.

Subsea

Outros casos de grandes multinacionais que abriram plantas no país para atender à indústira petrolífera são o da Aker Solutions, GE (Wellstream), Prysmian e TechniFMC – todas com forte atuação no segmento de bens e serviços submarinos.

Fontes ligadas a essas companhias acreditam, no entanto, que  as mudanças propostas pela ANP não afetarão seus empreendimentos locais, que consideram ser competitivos em nível global.

“Vejo isso como uma forma de corrigir exageros que foram assumidos no passado e destravar diversos projetos”, justifica um executivo ouvido pela Brasil Energia Petróleo.

Ele cita os casos de Libra, no pré-sal da Bacia de Santos, e Pão de Açúcar (descoberta no pré-sal da Bacia de Campos), cujas exigências de nacionalização para umbilicais descobriram-se inviáveis posteriormente, uma vez que as especificações técnicas demandaram o emprego de novas tecnologias.

Fonte: Brasil Energia –  João Montenegro
24/07/2017|Seção: Notícias da Semana|Tags: |