O projeto europeu FibreShip está com tudo pronto para iniciar a construção do primeiro navio comercial de grande porte (mais de 50 metros de comprimento) com um casco feito inteiramente em fibra, tecnicamente conhecida como Fibre Reinforced Polymer (FRP), material já utilizado me larga escala para embarcações de recreio, embarcações pequenas para transporte de passageiros, barcos de patrulha, barcos de corrida, baleeiras, botes de resgate e até mesmo em carros de competição, artigos esportivos, indústria aeroespacial e outras áreas.
Conhecimento sobre aplicação de FRP em indústrias de alto nível é realmente algo que não falta. São 18 empresas de 11 países da Europa participando de um consórcio e trazendo uma vasta gama de conhecimentos para o projeto e agregando valores incalculáveis ao mesmo.
Os benefícios advindos da utilização de FRP na Construção Naval são bastante claros, e não são poucos, mas vamos destacar alguns:
– redução de peso da embarcação em cerca de 30%, o que implica numa redução de consumo de combustível entre 10 e 15%, fazendo com que o projeto esteja alinhado com a Diretiva 2012/33/EU da União Europeia;
– aumento na capacidade de carga em cerca de 12%;
– redução dos níveis de emissão de gases do Efeito Estufa;
– aumento do índice de reciclagem dos atuais 34% proporcionados pelas estruturas de aço para 75% proporcionado pelas de fibra;
– imunidade à corrosão, resultando na melhoria do ciclo de vida da embarcação e redução nos cuatos de manutenção e operação, nosso famoso “OPEX”, fazendo com que o projeto esteja alinhado com a Diretiva 2013/1257/EU da União Europeia;
– melhoria da estabilidade das embarcações; e
– redução dos níveis de barulho na água, fazendo com que o projeto esteja alinhado com a Diretiva 2008/56/EU da União Europeia.
Hoje em dia a maior parte das embarcações de pequeno porte já são construídas em fibra, como já citamos acima. Porém, seu tamanho fica bastante limitado pelos estudos existentes na área para que seja segura a construção de embarcações maiores em termos estruturais. Mesmo sabendo que este é um ponto importante, temos a Engenharia Naval para se debruçar sobre o assunto e desenvolver as ferramentas e técnicas adequadas para tal.
O desafio é grande, já que o uso de fibra em embarcações com mais de 50 metros é hoje limitado a estruturas secundárias e alguns componentes. Há algumas raríssimas exceções, como por exemplo a Corveta Visby, da Marinha Sueca, uma embarcação “stealth” (invisível a radares) de 73 metros, construída em 2004 e as embarcações caçadoras de minas (60 e 50 metros de comprimento) construídas de 1978 a 2001 pela Marinha Britânica.
Mesmo havendo as exceções, nota-se que o uso é militar e as regras atendidas são bem diferentes das que são preconizadas para navios mercantes. Elas até dão uma boa referência, um fio da meada, mas são diferentes em face da aplicação dos navios.
Desta forma, ainda há desafios a serem superados mas podemos destacar, por exemplo, o fato de hoje existirem pouquíssimas regras de classe que versem sobre a concepção de projetos em fibra, bem como sua construção, que permitam provarmos que o uso de fibra não afete de forma significativa a segurança dessas embarcações, tanto estrutural como em relação a parte de resistência ao fogo, conforme preconizados no Código SOLAS.
Há muitos “gaps” a serem resolvidos até que se prove a aplicabilidade de materiais em fibra para grandes embarcações, como por exemplo o estudo das diversas propriedades dos novos materiais, tintas e componentes. Os mesmos devem ser exaustivamente submetidos a testes e mais testes antes de serem liberados pelas sociedades classificadoras para a utilização marítima nesta escala.
Assim, diversas soluções ainda precisam ser desenvolvidas e implementadas como técnicas e materiais para a integração estrutural, procedimentos para a produção desses materiais, procedimentos para formatos de cascos, modelos matemáticos confiáveis para que ferramentas computacionais possam ser desenvolvidas com a finalidade de ajudar na concepção do projeto e novos procedimentos de segurança devem igualmente serem desenvolvidos. Após isso, ainda é necessário a construção de corpos de prova e depois protótipos para serem também exaustivamente testados em campo antes da produção em larga escala.
No final das contas, como sempre ocorreu, a Ciência e a Tecnologia atuam e se desenvolvem sob demanda. O mundo precisa de inovações que possam atender novos desafios e aí toda a cadeia se mexe, envolvendo cientistas, pesquisadores, engenheiros dos mais diversos campos e os marítimos, peças principais que vão operar e conhecer estas novas estruturas como ninguém.
O Mercado hoje clama por soluções eficientes, com boa relação custo x benefício e soluções devem ser desenvolvidas para tal, otimizando custos e garantindo que o mesmo continue evoluindo, indo adiante, e beneficiando a Sociedade.
Este projeto vai propiciar grandes avanços, tendo todo o potencial para resolver a grande lacuna existente hoje na Construção Naval quando se fala de utilização de fibra e os estudos já estão avançando. É questão de tempo agora.
É óbvio que temos perguntas principalmente relacionadas à resistência dessas estruturas aos diversos esforços cisalhantes, fletores e torsores, dentre outros, aos quais esses navios estarão expostos em alto mar, já que são estruturas bem maiores do que as que hoje, sendo feitas em fibra, se fazem ao mar. Vamos deixar que nossos colegas engenheiros se debrucem sobre isso, desenvolvam as ótimas soluções que sempre desenvolveram e estejamos prontos para guarnecer, operar e cuidar desses navios.
Exatamente como temos feito por alguns milhares de anos.