Depois de um redesenho feito no exterior, para reduzir os custos dos projetos, a Petrobras pretende abrir licitação entre março e abril de 2014 para contratar os serviços de execução das obras das refinarias Premium 1 e 2, que serão localizadas no Maranhão e Ceará, respectivamente.
Em entrevista ao Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor, a presidente da estatal, Maria das Graças Foster, reconheceu que, nos projetos das refinarias Premium, a empresa está tentando tirar“lições aprendidas para não serem repetidas”. A lição aprendida, no caso, diz respeito à construção da refinaria Abreu e Lima, cujo preço estimado está em US$ 17 bilhões, quase sete vezes o orçamento inicial.
Graça Foster disse que a PDVSA só entrará no capital da Abreu e Lima se desembolsar 40% dos US$ 17 bilhões. Menos, a Petrobras não aceita, avisou Graça. O pagamento em petróleo pode ser uma solução, desde que feito de uma só vez. “Pagamento pingado, não. Eu preciso de dinheiro.”
A presidente da Petrobras afirmou que, mesmo com a recente apreciação do real frente ao dólar, a defasagem dos preços internos dos combustíveis em relação ao mercado internacional ainda é“relevante”. A valorização da taxa de câmbio para R$ 2,20 diminuiu a defasagem, mas o plano de negócios da estatal foi elaborado para um câmbio a R$ 2,00.
Graça reconheceu que a defasagem de preços traz dificuldades financeiras. “Como a Petrobras está investindo muito – foram US$ 45 bilhões no ano passado -, aquilo que parece um prazo curto causa um grande estresse na companhia”, disse ela, procurando desfazer a ideia de que o efeito negativo é temporário.
A executiva contou que prevê que a produção da companhia em 2013 fique próximo do piso da meta para o ano – uma variação de 2%, para mais ou para menos, sobre o resultado do ano passado, de 2,124 milhões de barris/dia. Ela, porém, reforçou que espera um salto na produção em 2014, reforçada por um grupo de nove plataformas novas. A seguir, trechos da entrevista:
Valor: Diante da recente apreciação do real, em que medida a Petrobras ainda precisa reajustar os preços dos combustíveis? Qual é a defasagem?
Graça Foster: O real esteve depreciado em relação ao que a gente planejou para o ano.
Valor: Em quanto?
Graça: Planejamos [com o dólar] em torno de R$ 2 e ele chegou a bater, em agosto, em R$ 2,45. Para quem tem 72% da dívida em dólar e 8% em outras moedas estrangeiras, R$ 2,40 é muito ruim para o plano de negócios. Quando o dólar vai para R$ 2,20, como agora, a nossa distância dos preços internacionais ainda é relevante. Evidentemente, é muito menor que antes. Temos uma defasagem sobre a qual não falamos, porque ela é função de uma série de variáveis.
Valor: Que variáveis?
Graça: De onde estamos importando gasolina e diesel, porque tem custos de internação; qual o volume; qual o desconto que estou tendo; se é um período em que há uma sobre-oferta naquele país de quem estamos comprando; se estou num momento de logística mais favorável ou não, então, não costumamos divulgar a defasagem. Mas a defasagem – para um [óleo tipo] Brent de US$ 110 [o barril] e para um câmbio que está R$ 2,2, enquanto eu tinha um plano de R$ 2 para um Brent mais ou menos igual – é relevante. É necessário buscar a convergência de preços, sim. Isso é fato.
Valor: Quando essa defasagem será eliminada?
Graça: Temos conversado permanente e insistentemente junto ao controlador e aos conselheiros da Petrobras. Esses são aqueles que nos ouvem, nos orientam, nos impõem restrições ou facilidades. É preciso buscar a convergência de preços para que a gente tenha a tranquilidade de conduzir o plano de investimento. Temos um programa muito forte de otimização de custos operacionais, que tem dado resultados excepcionais. “Como a Petrobras está investindo muito, o que parece um prazo curto causa grande estresse na companhia”.
Valor: Que resultados?
Graça: Nosso objetivo em 2013 é economizar R$ 3,4 bilhões. Em julho, já chegamos a 78% dessa meta. Até 2016, entendemos que mudamos a cultura da companhia. Não é um plano de cortes, mas de educação e otimização. Quando é um plano de cortes, você corta, depois tira a pressão de cima e volta tudo. Nesse caso, a gente não pode e não quer.
Valor: Qual é a meta de economia até 2016?
Graça: Entre 2012 e 2016, a meta é uma economia de R$ 34 bilhões. Mesmo assim, com mais produtividade e mais economia, que queremos que sejam repassadas ao nosso acionista controlador e para os minoritários, a convergência de preços é fundamental que aconteça. Combinando Brent e câmbio em alguns momentos, tivemos preços no Brasil abaixo dos preços em algumas praças. Quando foi aprovado o plano de negócios e gestão para 2013-2017, foi previsto um reajuste de diesel e gasolina que deixaria os preços domésticos iguais aos internacionais.
Valor: Por que o plano não foi cumprido?
Graça: Porque veio maio com a depreciação forte do real. Depois do reajuste de 5% de janeiro, estava previsto mais um neste ano. Aí, ficaríamos alinhadíssimos com os preços internacionais. Mesmo sem esse segundo reajuste, houve variações de câmbio e Brent que nos colocaram com preços internacionais mais altos aqui no Brasil. Isso ocorre porque a gente trabalha ora perdendo, ora ganhando; a gente não repassa toda a volatilidade para dentro. Agora, proximamente, a nossa produção de petróleo crescerá muito e, aí, Brent e câmbio vão nos favorecer na hora da exportação.
Valor: A não correção dos preços cria um constrangimento apenas no curto prazo?
Graça: O que acontece é que, como a Petrobras está investindo muito – foram US$ 45 bilhões no ano passado –, aquilo que parece um prazo curto causa um grande estresse na companhia. Seus indicadores começam a sair dos horizontes máximos recomendados pelo Conselho de Administração.
Valor: A compressão dos preços não pode obrigar a empresa a rever seu plano de negócios para os próximos anos?
Graça: Não é algo imediato. O plano de negócios tem ‘pulmão’. Neste ano, fizemos captação de US$ 11 bilhões em maio. Algo excepcional, com uma demanda de US$ 46 bilhões e prazo médio de pagamento de 10,5 anos. Isso foi muito positivo para a companhia. Terminamos o primeiro semestre com caixa livre de R$ 73 bilhões, captamos em torno de [quase] US$ 20 bilhões, tudo o que precisávamos. Então, para este ano, estamos muito bem.
Valor: Mas o grau de alavancagem aumentou muito.
Graça: Os indicadores ficam tensionados. O endividamento líquido pelo Ebitda [lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações], a gente o mostrou, no segundo semestre, acima de 2,5 (já a 2,56, 2,57). A alavancagem já [está] batendo no teto, mas a indústria de petróleo é uma indústria onde os ciclos são de sete, oito anos. Essa tensão pela qual passamos, que chamamos de ‘crises oportunas’ para dentro da companhia, aumenta nossa eficiência também.
Valor: O reajuste dos combustíveis está previsto no curto prazo?
Graça: Não. Não está previsto no curto prazo.
Valor: O conselheiro Sérgio Quintella defendeu o alinhamento com os preços internacionais, uma vez que a Petrobras é hoje importadora de derivados.
Graça: O Quintella é um conselheiro muito estudioso e dedicado. É impressionante. Ele é o presidente do Comitê de Auditoria e é um estudioso do assunto Petrobras. Ele colocou [em entrevista à “Agência Estado”] que houve grande discussão propositiva na reunião do conselho e que foram apresentadas teses de correção dos combustíveis, mas também colocou que não foi tomada nenhuma decisão. Mas como ele disse, foi apresentado um conceito de reajuste de preços que não prejudica o consumidor, quer dizer, você não repassa tudo de uma só vez. E há um entendimento, que foi explicitado pelo Quintella, que é óbvio no meu caso e dos diretores, de que é importante que haja o reajuste. Mas como nosso caixa está bem, a gente não passará dificuldade neste ano. Hoje, temos R$ 185 bilhões de ativos em construção.
Valor: O que significa isso?
Graça: Significa que, se estou acompanhando o investimento físico e o financeiro, ao término desses projetos eles trarão receitas. Por isso, os dois andam juntos – essa é a primeira linha da nossa ‘Bíblia’. É disciplina de capital, então, você tem que realizar ao custo e no prazo. A qualidade nem se discute. A gente mede o físico e financeiro do projeto. Não adianta você realizar 100% do orçamento e ter uma realização financeira de 130%, porque você está fazendo, mas de forma muito mais cara. Porque assim você não termina a refinaria, a construção da plataforma etc.
Valor: Desses ativos em construção, o que fica pronto agora?
Graça: Neste ano, vamos colocar nove unidades estacionárias de produção. Cidade de São Paulo, Cidade de Itajaí e Cidade de Paraty já estão em produção. A P-63 e a P-55 foram para locação [saíram do estaleiro e foram para os locais de produção]. Ali, ficam quase dois meses até ter as licenças, autorizações e interligações dos poços, que estão perfurados e completados há seis meses, ou um ano. A P-58, que está no Estaleiro Rio Grande (ERG), sai no dia 15 de outubro para locação. A P-61 está praticamente pronta e sai no fim de novembro. A P-62 estamos antecipando um mês: em 16 de dezembro vai deixar o estaleiro. A TAD é uma plataforma inteira que está vindo da China. Lá no [campo de] Papa Terra, trabalharão juntas a P-61, a TAD e a P-63. Vão produzir, juntas, 180 mil barris por dia. Nunca vi, nem nunca soube na história da empresa, que fizéssemos algo próximo ou parecido com isso.
Valor: Com isso, qual será o incremento de produção?
Graça: Tudo isso somado dá uma capacidade instalada de produção de um milhão de barris de petróleo por dia. A Petrobras opera todo esse óleo, mas da empresa mesmo, são 850 mil barris por dia. Neste fim de ano a gente já aumenta a produção e 2014 será o ano de virada.
Valor: Como termina a produção neste ano?
Graça: São dois milhões de barris, aumento ou queda de 2% em relação a 2012.
Valor: Mais para mais ou para menos?
Graça: Mais para menos. Poço declina. Quem produz dois milhões de barris de petróleo por dia, se não fizer nada, em um ano vai estar produzindo 1,8 milhão. Estamos conseguindo manter em dois milhões de barris/dia, porque estamos fazendo um trabalho grande de recuperação da eficiência operacional. “A alavancagem já está batendo no teto, mas a indústria de petróleo é uma indústria onde os ciclos são de sete, oito anos”.
Valor: Alguns fornecedores reclamam que a Petrobras não está pagando os aditivos contratuais.
Graça: Os pleitos acontecem desde que estou na diretoria, não só na presidência. Mas pleito e mérito não são sinônimos. Uma coisa é chegar aqui na Petrobras e pleitear. A outra é ter o mérito. Mérito para nós é dívida e temos que pagar. Sempre foi assim. O que mudou foi que, desde 18 de fevereiro, os pleitos entram pela diretoria, não mais pelo coordenador do projeto. Este não tem autoridade para autorizar mudança de escopo. A responsabilidade é do diretor. E esse pleito entra com uma documentação especificada, o que não era feito. E hoje tem um comitê que faz a avaliação do mérito. Reconhecido o mérito, o pagamento é feito em 35, 45 dias.
Valor: Por que o interesse no leilão de Libra não foi o esperado e gigantes como BG, BP, ExxonMobil e Chevron não se inscreveram?
Graça: Tudo que é a primeira vez causa certa apreensão. O modelo de partilha é usado em diversos países, mas é a primeira vez no Brasil. Tem a PPSA [Pré-sal Petróleo S.A]. Mas vamos olhar pelo lado prático e objetivo. Com o pré-sal e o modelo de partilha, o governo quer recursos para colocar em educação e saúde. A PPSA é uma empresa do governo. Essa empresa não virá para travar.
Valor: Mas é assim que ela é percebida.
Graça: Não a percebo assim. E eu não falaria se não fosse. Ela tem que vir para cuidar, zelar. Tenho absoluta certeza de que haverá técnicos de excelência em cada função da PPSA.
Valor: Uma mudança de governo não pode afetar a PPSA, uma vez que ela tem direito de veto nos consórcios do pré-sal?
Graça: A PPSA vem para zelar para que haja essa comunicação, entendimento e vivência entre as partes. Ela tem que ser parte envolvida. Existem alguns receios, que me parecem eventualmente compreensíveis.
Valor: A senhora acredita que a opinião das petroleiras vai mudar depois do primeiro leilão?
Graça: Sim. É a primeira vez que algumas empresas estariam vindo a ser operadas pela Petrobras, a estarem no pré-sal. Não sei qual é o ritmo que o governo vai dar aos leilões. Mas isso vai ter que ser muito bem planejado. O governo tem que pensar com visão de 50 anos. Nós, por exemplo, estamos fazendo a revisão do nosso planejamento estratégico, que foi feito em 2007, após a descoberta do pré-sal, para 2020. Agora será para 2030.
Valor: Estatais se interessaram mais por Libra do que empresas privadas. Há a percepção de que a área pode não ser tão lucrativa assim e que seu atrativo seriam as reservas.
Graça: Acho que são as duas coisas [lucro e reserva]. Quem tiver Libra muito em breve estará incorporando reservas.
Valor: Como a Petrobras vai viabilizar sua participação mínima de 30% em cada consórcio do pré-sal? Terá capacidade para isso?
Graça: Quando se fala em 30% de Libra, fico muito satisfeita. Custa R$ 4,5 bilhões. Mas a Petrobras sabe fazer, conhece cada centímetro desse poço de 6.036 metros de Libra que ela perfurou. Como o objetivo do governo é levar recursos para educação, não consigo imaginar que ele coloque sob partilha uma área que seja ‘carne de pescoço’.
Valor: Como a senhora vê o pleito da Braskem para a adoção da cotação americana do preço do gás natural, a ser usado como insumo do Comperj [Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro]?
Graça: O Marcelo Odebrecht [presidente do grupo Odebrecht ] é uma pessoa querida, inteligente, que sentou nesta mesa algumas vezes para conversar comigo sobre vários assuntos. O presidente da Braskem, o [Carlos] Fadigas, é uma pessoa inteligentíssima. Eu já disse ao Marcelo e ao Fadigas: ‘inventa outra [desculpa]’. O preço do gás natural, mais especificamente do etano, será exatamente atrelado a Mont Belvieu, igual ao ‘shale gas’ [gás de folhelho] dos Estados Unidos. O Comperj estará de pé se depender única e exclusivamente do preço do gás. Estamos com a primeira e a segunda etapas [definidas]. Já definimos a rota 3 de escoamento do gás do pré-sal. Um gasoduto em terra levará gás à Braskem, braço petroquímico da Petrobras. Foi uma decisão acertada. Agora, não volta [esse assunto] para mim. Já estou em outra, estou querendo vender para ele [Braskem] o etano.
Valor: A Petrobras desistiu definitivamente da parceria com a PDVSA?
Graça: A PDVSA é muito bem-vinda à refinaria Abreu e Lima no modelo inicialmente previsto, [integralizando] 40% em equity. Na Abreu e Lima já temos 80% das obras feitas.
Valor: A senhora ainda espera que a PDVSA possa vir?
Graça: Espero que sim. Um cheque de 40% de US$ 17 bilhões é muito bom para o caixa da Petrobras. E é um parceiro vizinho, poderoso, com grandes acumulações de hidrocarbonetos, conhecedor de refino.
Valor: E a ideia de pagamento via petróleo?
Graça: Pode ser uma solução, mas pagamento pingado não. Eu preciso de dinheiro.
Valor: Como estão os projetos das refinarias Premium 1, no Maranhão, e 2, no Ceará?
Graça: Estão num nível de maturidade extremamente alto. A gente refez os projetos. Projeto que dava VPL [Valor Presente Líquido] negativo não era projeto. A gente tirou [os projetos da] Premium 1 e 2 do Brasil. Contratamos uma empresa de engenharia no exterior. Essas refinarias passaram a dar VPL positivo, com muitas simplificações.
Valor: Essa decisão teve a ver com a experiência da refinaria Abreu e Lima?
Graça: Sim. Porque a gente acaba criando, como chamamos na engenharia, [a partir] de um “vício”. A gente pensa sempre de forma complexa. Já que está dando VPL negativo, vamos fazer mais simples. Foi uma empresa fazer o projeto fora. E foi uma equipe nossa para simplificar sem perder os 600 mil barris/dia [Premium 1]. E veio um projeto mais simples. Ela foi para a fase 3. E agora em março, abril, fazemos a licitação. Vai para mercado. E se os preços vierem dentro do que o projeto aceita como métricas internacionais, a gente vai fazer. Quando a gente diz “lições aprendidas para não serem repetidas”, isso é um padrão na Petrobras.