Um novo sistema adotado pela Petrobras para analisar e aprovar aditivos contratuais e pleitos de fornecedores foi mal recebido pelas empresas da cadeia de óleo e gás, algumas das quais estão enfrentando problemas financeiros por conta dessa mudança. Desde fevereiro, para aprovar alterações em contratos as empresas fornecedoras precisam enviar um documento para análise da diretoria-executiva da estatal. Antes, o próprio gerente da obra podia aprovar o pedido e autorizar o pagamento. Essa análise provoca atraso na aprovação dos pleitos.
A mudança foi feita para aprimorar o controle da Petrobras – o que, na visão do mercado, tem efeito positivo sobre a gestão financeira, num momento em que a empresa precisa cuidar do caixa. Fornecedores ouvidos pelo Valor confirmam que a estatal continua pagando rigorosamente em dia as faturas. Mas há um “represamento” na aprovação de pedidos ou aditivos aos contratos originais.
Muitos fornecedores também vêm utilizando capital de giro próprio para financiar encomendas da estatal, agravando a situação das empresas. Nos casos mais complexos, companhias entraram em recuperação judicial ou foram à falência, como a Tenace, de Salvador. A GDK e a Proen pediram recuperação. Outras empresas promoveram reestruturações, como a Jaraguá e Multitek, de engenharia.
A Petrobras informou ontem em nota, depois que o Valor PRO publicou as informações, não ter havido nenhuma mudança no sistema de análise de aditivos. Em entrevista ao Valor, há duas semanas, a presidente da Petrobras, Graça Foster, havia confirmado a mudança.
Fonte da estatal confirma que a empresa “mantém rigorosamente em dia seus pagamentos” e observa que, com US$ 25 bilhões em caixa, não há motivos para atrasar compromissos. Alguns fornecedores enfrentariam problemas por terem se comprometido além de sua capacidade de execução.
Fonte: Valor Economico | Rodrigo Polito, Francisco Góes, Cláudia Schüffner, Talita Moreira e Carolina Mandl | Do Rio e de São Paulo
Nova regra da Petrobras afeta caixa de fornecedor
A nova sistemática adotada pela Petrobras para analisar aditivos contratuais e pleitos apresentados por fornecedores está levando empresas da cadeia de óleo e gás a enfrentar problemas financeiros. A necessidade da estatal de ter um maior controle do caixa também fez com que os fornecedores passassem a utilizar capital de giro próprio para financiar encomendas da petroleira. A combinação dessas medidas criou dificuldades para empresas que prestam serviços à Petrobras ou estão envolvidas diretamente em suas obras.
Nos casos mais graves, as companhias entraram com pedidos de recuperação judicial ou tiveram a falência decretada. Entre essas empresas, estão as baianas Tenace e GDK e a carioca Proen. A Tenace entrou com pedido de falência na comarca de Salvador enquanto GDK e Proen ingressaram com pedidos de recuperação judicial. Há também um grupo de empresas que está em processo de reestruturação do seu negócio. É o caso das empresas Jaraguá e Multitek.
Executivo de um grande grupo contratado pela Petrobras, que preferiu não se identificar, disse que a estatal continua pagando as faturas rigorosamente em dia. Mas afirmou que há um “represamento” na aprovação de pedidos ou aditivos aos contratos originais. Ele disse que um grupo com menos de dez empresas que tem grandes contratos com a Petrobras e muitas vezes atuam em consórcio têm entre R$ 300 milhões e R$ 500 milhões a receber da estatal. Os valores referem-se 100% a pleitos ou aditivos contratuais.
Em nota, a Petrobras afirmou que ainda não percebe “risco sistêmico” na sua cadeia de fornecedores como resultado de dificuldades pelas quais passam empresas que prestam serviços ou estão envolvidas em obras da estatal. “O que há são problemas localizados em poucos fornecedores de uma base de fornecedores de mais de 20 mil empresas. Cada empresa possui sua própria gestão financeira, que não é do conhecimento da Petrobras.”
A partir de fevereiro, a Petrobras passou a centralizar na diretoria-executiva a aprovação de pedidos de cobrança adicionais feitos por fornecedores. Antes esses pleitos eram aprovados pelos próprios gerentes nas obras. Os pleitos ou aditivos surgem a partir de mudanças de escopo nos contratos. A razão para a apresentação de tantos aditivos e pleitos extras se relaciona, segundo um executivo, com a elaboração de projetos de engenharia, incluindo o projeto-conceitual, que depois precisam passar por modificações durante a obra, encarecendo a execução do empreendimento. A fonte disse que a Petrobras fez grandes contratações de projetos de engenharia no exterior. E esses projetos precisam passar por adaptações à realidade local, afirmou.
Em recente entrevista ao Valor, a presidente da Petrobras, Graça Foster, afirmou: “Pleito e mérito não são sinônimos. Uma coisa é você chegar aqui e pleitear. A outra é você ter o mérito de. Mérito, para nós é dívida e tem de pagar. Sempre foi assim. O que mudou é que, desde de fevereiro deste ano, os pleitos entram pela diretoria. Não pelo coordenador do projeto, lá na base da pirâmide. Porque o coordenador do projeto não tem autoridade para autorizar mudança de escopo.”
José Velloso Dias Cardoso, presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), disse que a maioria dos fornecedores corresponde a empresas que dependem da Petrobras. “Quem está nesse mercado de óleo e gás, praticamente só tem um cliente: a Petrobras.” Segundo ele, a estatal demora a reconhecer que um material foi entregue ou uma obra, concluída. “A partir do momento que a Petrobras reconhece, que dá entrada na nota fiscal, paga no vencimento.”Cardoso disse que muitas vezes as mudanças nos contratos são propostas pela própria Petrobras. Mas acontece de, na hora de a obra ficar pronta, as alterações ainda não terem sido aprovadas pela diretoria.
Antonio Müller, presidente da Associação Brasileira de Engenharia Industrial (Abemi), sinalizou que a saída é a busca de um consenso: “Temos mantido contato frequente com a Petrobras visando a uma solução que atenda aos dois lados [Petrobras e fornecedores], em especial no aspecto fluxo de caixa.”Segundo ele, a Abemi é favorável a que a Petrobras tenha capacidade de refino e um preço de combustível “conveniente” para poder investir.
O fluxo de caixa ao qual Müller se refere remete a uma prática que era adotada pela Petrobras no passado recente de fazer adiantamentos de pagamentos durante a obra. Essa prática é conhecida no mercado pelo jargão de “fluxo de caixa neutro”. Esse sistema consistia na realização de pagamentos a cada etapa da obra que o fornecedor cumpria. Esse modelo foi abandonado e substituído, segundo fontes, pelo programa Progredir, criado pela estatal para estimular e facilitar o financiamento por bancos a fornecedores da cadeia de óleo e gás.
Algumas empresas alegam que o programa não está operando como o previsto inicialmente.
Em resposta por escrito ao Valor, a Petrobras afirmou que o Progredir é um excelente meio pelo qual o fornecedor pode obter financiamentos de forma mais rápida e com menores custos. A empresa informou que realiza todos os pagamentos dos “compromissos reconhecidos” pela companhia de acordo com os prazos estabelecidos em contrato.
Perguntada se tornou-se mais exigente na análise de aditivos ou pedidos feitos pelos fornecedores, afirmou: “Não houve quaisquer modificações no procedimento de avaliação de pleitos por parte da Petrobras. O procedimento está consolidado na companhia e é de conhecimento do mercado há muitos anos. Todos os pleitos apresentados pelas empresas contratadas são submetidos à avaliação técnica por uma comissão constituída para este fim, bem como a uma avaliação jurídica. Caso tenham o mérito aprovado, os pleitos têm os seus valores negociados de comum acordo entre as partes.”
Uma fonte da Petrobras que não quis se identificar negou que a empresa esteja devendo a fornecedores e afirma que a estatal “mantém rigorosamente em dia seus pagamentos”, ressaltando que a empresa tem US$ 25 bilhões em caixa e, portanto, não tem motivos para atrasar pagamentos. Segundo ela, o problema com alguns fornecedores é reflexo da administração financeira dessas empresas. Entre os problemas apontados está o fato de algumas companhias terem se comprometido com obras além de sua capacidade de execução. “Ainda, na maioria dos casos, usaram recursos obtidos do Progredir para aplicar em outras atividades ou destinar a outros fins, não tendo agora como cobrir o buraco.”