O Plano Hidroviário Estratégico (PHE), lançado em outubro pelo governo federal, prevê ampliar o transporte por hidrovias no país dos atuais 25 milhões de toneladas anuais para 120 milhões até toneladas até 2031. Para a execução desse projeto, técnicos do Ministério dos Transportes estimam investimentos de R$ 17 bilhões até 2024 em melhoramentos em pelo menos 21 mil quilômetros de rios que hoje já são navegáveis, além da construção de infraestrutura em mais três mil quilômetros. A Confederação Nacional do Transporte (CNT), por sua vez, avalia que são necessários investimentos de R$ 50,2 bilhões para alcançar esses objetivos.
Francisco Luiz Baptista da Costa, diretor de planejamento e política de transportes do ministério, diz que o plano do governo foi realizado com base em um estudo da consultoria Arcadis Logos e que, no momento, os esforços são de desenvolver os meios necessários para incorporar esse projeto ao planejamento estratégico do governo a partir de 2014.
A ideia é que os investimentos sejam executados pelo ministério com recursos orçamentários. “As ações ainda dependem de maior atratividade para a iniciativa privada. O governo federal disponibilizará a infraestrutura e a iniciativa privada assumirá a operação dos transportes, nos portos fluviais e nas empresas de navegação”, diz.
Segundo Costa, em um primeiro momento o governo planeja priorizar 10 mil km de hidrovias que permitam o escoamento da produção do interior do país de forma a descongestionar os portos do Sul e do Sudeste. Sendo assim, as hidrovias prioritárias são a do Tocantins (de Marabá até a foz); Madeira (de Porto Velho a foz); Tietê-Paraná-Parnaiba (entre São Simão-GO e Salto- SP); Paraguai (entre Cáceres-MT e Corumbá-MS e Argentina); e Brasil-Uruguai (Lagoas dos Patos e rios Jacuí e Taquari, no RS).
Para Bruno Batista, diretor executivo da CNT, o plano do governo é muito tímido diante do potencial do país. “Temos e não aproveitamos adequadamente a maior rede hidrográfica do mundo”, diz. O Brasil conta com 63 mil quilômetros de rios e lagos em 12 bacias hidrográficas, sendo que 41,6 mil quilômetros são navegáveis. Para cada mil quilômetros quadrados, o Brasil conta com 2,5 quilômetros de infraestrutura em hidrovias. Na Alemanha, país de referência nesse modal de transporte, são 20,9 quilômetros de infraestrutura para cada mil quilômetros quadrados. Na China, 11,5 quilômetros e na Argentina 4 quilômetros.
Em termos de economia de combustível, as hidrovias se constituem em um sistema de transporte bastante competitivo. Para transportar uma tonelada de carga por mil km são consumidos 4,1 litros de combustível em uma hidrovia. Nas ferrovias a mesma carga exige 5,7 litros e nas rodovias 15,4 litros.
Esses dados constam de um estudo que a CNT divulgou em novembro. Bruno Batista diz que, ao contrário do estudo do governo, que foi elaborado por meio de estatísticas e projeções, a CNT foi a campo dimensionar a demanda por infraestrutura, ouvindo usuários e operadores de hidrovias. Até mesmo o diagnóstico da situação atual ficou bastante diferente. Um exemplo. Enquanto o PHE aponta que hoje são transportadas 25 milhões de toneladas anuais pelos rios, o estudo da CNT constatou que já são quase 81 milhões de toneladas transportadas.
Em relação à diferença de R$ 33,2 bilhões entre a necessidade de investimento prevista no PHE e a apurada pela CNT, Bruno Batista afirma que há um descompasso de metodologias. Enquanto o governo trabalha com o conceito de adequação para tornar rios navegáveis, a CNT leva em consideração a constituição de hidrovias, com sinalização adequada, cartas marítimas, balizamento, controle e gerenciamento, além das obras de infraestrutura, como construção de eclusas, dragagem, aprofundamento de leito e a construção de terminais portuários. “Hoje apenas a Tietê-Paraná, no país, pode ser considerada uma hidrovia pelos conceitos modernos”, afirma.
O documento da CNT também aponta que, entre 2002 e junho de 2013, o governo federal autorizou investimentos de R$ 5,24 bilhões em infraestrutura hidroviária, mas aplicou R$ 2,42 bilhões. Batista diz que a situação dos investimentos nesse ano é ainda pior. Dos R$ 2,9 bilhões previstos pelo governo, apenas R$ 302 mil foram efetivados até setembro. “Com esse histórico é difícil acreditar que o governo será capaz de concretizar os investimentos previstos no PHE”, diz.
O consultor Renato Pavan, da Macrologística, diz que estabelecer infraestrutura em hidrovias, principalmente quando é necessário construir eclusas, de fato, é um investimento alto e pouco atrativo para a iniciativa privada. Portanto, é natural que essas obras fiquem a cargo do poder público. Mas ele avalia que o governo peca por não fazer um diagnóstico adequado das necessidades e prioridades.
Pavan recentemente coordenou um estudo para a Confederação Nacional da Indústria (CNI) sobre logística na região da Amazônia Legal. O trabalho constatou que a construção de hidrovias adequadas nos principais rios do Norte do país permitiria uma economia de R$ 5 bilhões por ano, o que corresponde a 5% do PIB da região. Isso não leva em conta os benefícios socioambientais.
A construção de uma hidrovia nos rios Teles Pires, Jurema e Tapajós demanda investimentos de R$ 4 bilhões, mas seria capaz de gerar economias anuais de R$ 2 bilhões por ano. “O investimento se pagaria em dois anos”, diz Pavan. Mas essa possibilidade pode se tornar impraticável brevemente. Ocorre que o governo programa a construção de três hidrelétricas no Teles Pires e em nenhuma delas está prevista a construção de eclusas que tornaria a navegação viável. “Isso é falta de planejamento”, diz o consultor. No rio Madeira, o problema já é uma realidade. As hidrelétricas Jirau e Santo Antônio foram erguidas sem eclusas.