Não deixa de ser um exercício infrutífero tentar calcular o valor do contingenciamento a ser realizado pelo governo nas verbas orçamentárias deste ano. Tomada a decisão sobre a meta fiscal, o governo reestimará despesas obrigatórias e cortará as chamadas despesas discricionárias (que ele tem liberdade de realizar ou não), até que se abra um espaço no Orçamento que permita o superávit primário desejado.
Mas isso não significa que ele será obtido. O corte das verbas anunciado é apenas uma intenção, cuja execução dependerá de uma variável chave: o comportamento da receita ao longo de 2014. No ano passado, por exemplo, o governo federal teve três metas fiscais: R$ 83,1 bilhões na lei orçamentária, R$ 63,1 bilhões no decreto de contingenciamento e, em seguida, R$ 73 bilhões. Terminou, de acordo com a previsão do ministro da Fazenda, Guido Mantega, em cerca de R$ 75 bilhões, valor alcançado graças a uma receita extraordinária de R$ 21,8 bilhões obtida em novembro e dezembro. O dado definitivo do superávit primário será divulgado hoje.
A experiência brasileira mostra que o alcance da meta de superávit primário está diretamente relacionado com o comportamento da receita. A carga tributária tem crescido muito desde os fins de 1990 para aumentar gastos sociais e para fazer o superávit primário. Os cortes nos gastos têm tido um papel secundário nesta equação. E quando eles acontecem, atingem os investimentos, como ocorreu no primeiro ano do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A tesoura atinge os investimentos porque reduzir outras despesas é politicamente mais difícil.
A notícia ruim para a meta fiscal é que a previsão da receita da União que está no Orçamento pode estar superestimada. No ano passado, a receita administrada pela Receita Federal (sem incluir a arrecadação da Previdência Social), excluídas as restituições, ficou em torno de R$ 720 bilhões (o dado final será divulgado hoje). Para 2014, a proposta orçamentária previa uma receita de R$ 791,6 bilhões – uma elevação nominal de 9,9%, o que daria um aumento real (descontada a inflação) em torno de 4%, que parece um pouco acima das estimativas mais recentes dos técnicos do setor. Os parlamentares aumentaram ainda mais essa receita, quando aprovaram o Orçamento.
Na projeção do governo para a arrecadação em 2014 consta uma receita extraordinária de R$ 27 bilhões, o que é muito improvável que aconteça, pois nunca houve, na história recente, dois anos seguidos com arrecadação extra em níveis tão elevados. Em 2013, a receita extra ficou em R$ 28,3 bilhões – um recorde. Foi incluída também na previsão uma arrecadação de R$ 5,6 bilhões com a venda de ativos, que nunca ocorre efetivamente. No ano passado, o governo estimou essa receita em R$ 8,1 bilhões e não recolheu um centavo sequer.
O governo poderá, no entanto, ter uma ajuda da receita com dividendos das estatais. Em 2013, essa arrecadação foi de cerca de R$ 17 bilhões (o dado definitivo será divulgado hoje). Tudo indica que o governo guardou uma “gordura” para ser usada neste ano. A previsão que estava na proposta orçamentária era de receita com dividendos de R$ 21,1 bilhões, mas ela foi elevada para R$ 23,9 bilhões pelos senadores e deputados.
No caso das concessões de serviços públicos, a perda de receita neste ano em relação a 2013 será grande. No ano passado, por causa do bônus de assinatura do campo de petróleo de Libra, o governo obteve cerca de R$ 21 bilhões com concessões. Neste ano, a previsão era de apenas R$ 9,7 bilhões, mas os parlamentares elevaram para R$ 13,4 bilhões.
Com possível menor receita extraordinária e com menor valor de concessões, ficará mais difícil alcançar um superávit primário de 1,5% ou 1,6% do Produto Interno Bruto (PIB) para o governo central (Tesouro Previdência e Banco Central), mais ou menos a mesma registrada em 2013. A menos que o Tesouro possa contar com a ajuda, mais uma vez, da Petrobras.
Revisão da cessão onerosa está prevista para este ano
Existe a previsão de que o contrato assinado pela Petrobras com a União, em 2010, que estabeleceu a cessão onerosa de 5 bilhões de barris de petróleo do pré-sal, seja revisto neste ano. Essa cessão onerosa foi uma operação realizada pelo governo do ex-presidente Lula para capitalizar a estatal. Por esse óleo, a Petrobras pagou cerca de R$ 74 bilhões. Desse total, R$ 32 bilhões ficaram no caixa do Tesouro e foram usados para alcançar a meta fiscal de 2010.
O preço médio do barril de petróleo pago pela Petrobras à União foi de US$ 8,51. Mas, no contrato, ficou estabelecido que a estatal teria um período exploratório, em que iria fazer análises sísmicas e furar poços para determinar o volume recuperável de petróleo de cada bloco e a qualidade do óleo. Com esses dados, a empresa terá que rediscutir a quantia paga à União. Para se ter uma ideia do que isso significa, os dados mostraram que apenas o campo de Franco, um dos blocos concedidos, pode ter mais de 8 bilhões de barris. De 2010 para cá, o preço do óleo no mercado internacional aumentou muito.
É fácil imaginar o que essa revisão poderá significar em termos de receitas extras para o Tesouro. A Petrobras poderá, no entanto, pedir o adiamento dessa revisão. Além disso, há quem entenda que a estatal não pode pagar mais essa receita para o Tesouro sem comprometer os seus investimentos, neste momento em que tem continuados prejuízos com a venda de gasolina e diesel por causa do controle de preços.
Fonte: Valor Econômico – Ribamar Oliveira é repórter especial e escreve às quintas-feiras