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  • 15/08/2014

Os desembolsos do Fundo da Marinha Mercante quase quadruplicaram nos últimos cinco anos. A liberação de recursos do FMM, que totalizou R$ 1,3 bilhão em 2008, atingiu R$ 4,9 bilhões em 2013, um incremento de 277%. O lançamento de programas específicos para construção de navios, barcos de apoio e sondas contribuiu para ampliação dos desembolsos, que em 2001 haviam sido de R$ 300 milhões. De lá até o final de 2013, as liberações do FMM totalizam R$ 22,7 bilhões, de acordo com levantamento do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval).

Armando Freigedo, sócio da Aquapar Consultoria Naval, observa que o FMM está basicamente voltado a financiar projetos ligados à indústria de óleo e gás e associa a demanda firme às políticas da Petrobras. Além dos petroleiros e das embarcações de apoio marítimo, o FMM já aprovou recursos para projetos de sondas para a Sete Brasil.

“O que está sustentando a construção naval brasileira como um todo é a indústria do petróleo. Por isso, teve esse reflexo enorme na demanda do fundo”, analisa Freigedo, que, entre outras funções no Ministério dos Transportes, foi coordenador geral do FMM (1994 a 1997) e diretor do Departamento de Marinha Mercante (1997 a 1999).

Freigedo diz que, sem considerar a carteira do setor de petróleo e gás, a construção naval tem poucos projetos, basicamente limitando-se a embarcações de apoio portuário e navegação interior. Ele cita que existem projetos isolados não ligados à indústria de óleo e gás, como a construção de navios para transporte de bauxita na região Norte.

Ana Maria Canellas, sócia da AM Canellas Consultoria, ressalta que a construção naval foi reaquecida em função das descobertas do pré-sal. Além disso, ela lembra que a Petrobras é a maior demandante de embarcações de apoio marítimo. A consultora diz que, em 2001, a área offshore estava começando a crescer no Brasil e os estaleiros estavam sucateados, razão pela qual os desembolsos eram menores e, muitas vezes, contingenciados pelo governo.

A crise da indústria naval no meio da década de 1980 com reflexos até final da década de 1990 fez com que a atividade ficasse restrita, basicamente, a embarcações pequenas de apoio portuário (reboques) e navegação interior (balsas). A recuperação se deu entre o final dos anos 90 e início dos anos 2000, quando alguns armadores construíram embarcações de apoio marítimo no Brasil, motivados pelo aumento da demanda da Petrobras, mas ainda sem programas específicos como o Prorefam. Nessa época, o FMM realizou os primeiros desembolsos para a nova safra de apoio marítimo.

Freigedo, da Aquapar, conta que os investimentos nos estaleiros nacionais vieram no rastro desses desembolsos. Ele lembra que o Navship (SC) foi um dos primeiros projetos a ser financiado totalmente com recursos do FMM, no início dos anos 2000, quando o grupo norte-americano Edison Chouest decidiu construir um estaleiro no Brasil. A partir daí, surgiram novos projetos de estaleiros, como Atlântico Sul (PE), Enseada (BA), Jurong Aracruz (ES) e Rio Grande (RS). Outros estaleiros, como o Promar (PE), nasceram com recursos próprios, mas hoje demandam recursos do fundo para construção de embarcações.

Ana Maria, da AM Canellas, entende que poderiam ocorrer mudanças nos critérios para definição das prioridades de financiamento de forma a fortalecer a marinha mercante brasileira. Ela diz que a legislação que rege o setor (lei 9432/1997) está ultrapassada. A consultora explica que a marinha mercante é vinculada à construção naval e sugere a revisão do modelo atual. “O governo federal precisa rever a política de marinha mercante brasileira e definir quais são as navegações que devem ser prioritárias para a obtenção de recursos do FMM”, avalia.

Ana Maria lembra que uma das principais mudanças do FMM nos últimos anos foi a entrada de novos bancos de fomento, tirando a exclusividade da operação do BNDES. Já Freigedo, da Aquapar, destaca a regularidade das reuniões do Conselho Diretor do FMM imprescindível para os investidores interessados em construção naval, pois eles precisam saber quanto tempo leva para conseguir crédito e entender como esse sistema de financiamento funciona. Como eles assinam contrato com estaleiros, esse tempo precisa entrar no cálculo do risco.

Quando o investidor é estrangeiro e possui opções de financiamento no exterior, ele tem mais chances de iniciar o projeto. Já o armador que depende dos recursos do FMM para construir não tem como começar sem os desembolsos. Freigedo lembra que há cerca de três anos, antes das reuniões do CDFMM se tornarem regulares, existia uma demanda reprimida. O consultor considera importante a marcação de reuniões a cada três meses, mesmo para definição de prioridades para embarcações pequenas. Segundo ele, os encontros do conselho diretor também servem para ajustes nos projetos. “Sempre há matérias a serem analisadas. Isso dá segurança a todo mundo que está no sistema de que haverá continuidade e não vai parar. Reuniões regulares atraem investimentos e dão garantia a quem investe no setor de que o sistema está funcionando bem”, afirma Freigedo.

A falta de recursos próprios e a dificuldade de apresentar garantias têm impedido alguns armadores de cumprir prazos de entrega de embarcações de apoio marítimo. Ana Maria, da AM Canellas, acrescenta que o rigor das exigências procede na medida em que as taxas e prazos desse financiamento têm taxas e prazos considerados entre os melhores do mundo.

Para o consultor Djalma dos Santos Netto, que foi coordenador geral de projetos do Departamento de Marinha Mercante do Ministério dos Transportes, a apresentação de garantias faz parte do processo e precisa ser analisada de acordo com cada armador. Netto acrescenta que a realização de reuniões trimestrais do CDFMM evita que sejam jogados muitos projetos de uma vez só sobre os agentes financeiros. Hoje, o FMM possui cinco agentes financeiros: BNDES, Banco do Brasil, Caixa, Banco do Nordeste (BNB) e Basa. BNDES e BB concentram a maior parte dos projetos.

Na última reunião do CDFMM, realizada dia 30 de maio, foram concedidas prioridades de financiamento para 14 empresas, num total de 118 projetos, que somam R$ 4,2 bilhões. Os destaques foram investimentos para modernização de dois estaleiros e para construção de 90 embarcações, sendo oito barcos de apoio offshore contratados pela Petrobras, quatro para o transporte de combustíveis na costa brasileira, três rebocadores para apoio portuário e 75 embarcações de navegação interior.

O CDFMM aprovou R$ 1,051 bilhão de suplementação para construção do estaleiro Enseada, em Maragogipe (BA). O Vard Promar, em Ipojuca (PE), recebeu prioridade de R$ 97,296 milhões para ampliação. Outro estaleiro com prioridade foi o Bibi Eireli, em Manaus (AM), que com R$ 33,892 milhões para modernização de suas instalações.

No caso do apoio marítimo, a Starnav Serviços Marítimos recebeu a prioridades para construção de cinco PSV 4.500, que totalizam R$ 524,98 milhões. Já a Bram Offshore recebeu prioridades para suplementação na construção de dois AHTS 21.000, no valor de R$ 58,42 milhões cada, além de R$ 328,056 milhões para construção de três PSV. O segmento apoio portuário teve prioridades, que somam R$ 43,169 milhões, para construção de três rebocadores azimutais de 50 TTE da Camorim.

O Vard Promar recebeu prioridade para suplementação de recursos para produção de quatro embarcações para transporte de gás de sete mil m³. O valor total suplementado de R$ 91,181 milhões, sendo R$ 20,556 milhões para o casco EP-01 (Oscar Niemeyer), R$ 22,282 milhões para o casco EP-02, R$ 23,571 milhões para o casco EP-03 e R$ 24,771 milhões para o casco EP-04. Já o estaleiro Atlântico Sul obteve prioridade de R$ 71,588 milhões referente à suplementação de recursos para produção de navio petroleiro Suezmax.

Os projetos têm direito ao financiamento de até 90% do valor aprovado pelo conselho, com exceção de embarcações para transporte de passageiros, em que é possível fazer o financiamento integral dos barcos. De acordo com a resolução 3.828/2009, do Conselho Monetário Nacional, a definição do percentual de financiamento depende do conteúdo nacional de cada projeto e do tipo da embarcação. As empresas tem prazo de 360 dias, contados a partir do dia 25 de junho de 2014, para efetivar a contratação dos projetos com os agentes financeiros. A próxima reunião (26ª) do CDFMM será realizada no dia 29 de agosto.

Em junho, a Receita Federal tornou-se a nova administradora do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), antes gerido pelo Departamento da Marinha Mercante, vinculado ao Ministério dos Transportes. Os atos normativos que regulamentam a transferência para a Receita Federal das responsabilidades de cobrança, fiscalização, arrecadação, restituição e ressarcimento do AFRMM, estavam previstas por lei desde 2013.

Na prática, ainda não se sabe quais serão os efeitos para o setor. Procurado pela Portos e Navios, o Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima (Syndarma), informou que segue em conversas com a Receita Federal e que prefere continuar aguardando a evolução da mudança antes de comentá-la.

Ana Maria, da AM Canellas, acredita que a Receita tem capacidade para gerir esta mudança em tempo plausível. Ela destaca que é dever do Estado aparelhar e atribuir o órgão que tenha melhor capacidade técnica e operacional, assim como fôlego financeiro para administrar os recursos que serão destinados ao setor. De acordo com a Receita, as instruções normativas 1.741 e 1.742, de 2014, visam, inicialmente, possibilitar a administração do tributo, com poucas modificações nos procedimentos utilizados pelo Departamento da Marinha Mercante.

Instituído em 1987, o AFRMM tem como objetivo contribuir com o desenvolvimento da marinha mercante e da indústria de construção e reparação naval brasileiras, representando fonte básica do Fundo de Marinha Mercante (FMM). Na época, o Ministério dos Transportes criou um corpo técnico para analisar se o recolhimento da adicional estava sendo executado de maneira correta, já que reúne informações muito específicas do navio.

No final década de 1990, com implantação do Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex), o governo considerou que seria natural e mais prática a integração ao sistema mercante, já que tudo estava sendo automatizado e a Receita já cobrava todos seus tributos pelo Siscomex. “O ideal era juntar o que o Ministério dos Transportes fazia com o Siscomex num sistema único. Foi a mesma coisa que aconteceu à Previdência Social, que hoje é administrado pela Receita Federal, que faz o recolhimento”, analisa Freigedo, da Aquapar.

Em junho, o vice-presidente Syndarma, Luis Fernando Resano, disse que há um passivo de R$ 836 milhões devido aos armadores — e que permanecerá com o Ministério dos Transportes, mesmo após a Receita assumir a gestão do AFRMM. O valor a ser pago é decorrente da isenção do pagamento do AFRMM até 2017, concedida pelo governo para cargas de longo curso e cabotagem nas regiões Norte e Nordeste. A desoneração também vale para o transporte de granel líquido em barcaças de casco duplo em vias fluviais.

Segundo Resano, o valor deve atingir R$ 900 milhões em breve. “Quando o governo deu a isenção desse pagamento, se comprometeu que o fundo ressarciria essa renúncia. Isso exige que faça parte do Orçamento da União. A dívida vai crescendo ao longo dos anos.”

Resano ressalta que esse dinheiro é importante para os armadores pagarem o financiamento da construção de embarcações e o reparo de navios. “Isso é uma dívida que o governo tem que pagar para os armadores. Houve a transferência da administração do fundo para a Receita Federal e a dívida ficou no Ministério dos Transportes, o que gera certa apreensão de nossa parte sobre como e quando vai ser pago isso”, diz.

 

Fonte: Portos e Navios – Danilo Oliveira