Visão mais madura – Consolidação da construção naval

  • 15/08/2014

Um setor naval e offshore mais pés no chão que há cinco anos. O otimismo não é o mesmo após crises mundiais e questões econômico-políticas envolvendo a Petrobras, que segue apostando no sucesso da exploração de óleo e gás e nas encomendas para construção. Fornecedores alegam perdas progressivas de competitividade. Enquanto isso, as incertezas em torno das medidas a serem adotadas no próximo governo podem manter o receio das empresas até os primeiros meses de 2015.

Para o presidente da Câmara Setorial de Equipamentos Navais e de Offshore da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (CSEN/Abimaq), Marcelo Campos, os investimentos vultosos projetados para o setor não se concretizaram e a indústria nacional não se beneficiou. Ele cita que a maioria dos projetos de embarcações de apoio marítimo é feito por empresas estrangeiras, já contemplando pacote de equipamentos, o que diminui a competitividade da indústria nacional.

Campos alerta sobre empresas filiadas à Abimaq que já ficaram dois anos sem encomendas no segmento e correm risco de quebrar. Ele acredita que esse cenário contribui para a falta de competitividade. A saída para as empresas é diversificar segmentos de atuação. Alguns fornecem, por exemplo, para petroquímicas e refinarias. Campos diz que a Petrobras deveria sinalizar a demanda de projetos e contratações de forma mais consistente.

O professor de engenharia oceânica da Coppe/UFRJ, Floriano Pires, diz que o otimismo generalizado de alguns anos atrás deu lugar à expectativa em torno das eleições e problemas relacionados à Petrobras. Ele acredita que o setor entrou em fase de espera, mas que não deve ser afetado de forma tão significativa. “Talvez isso mostre com mais clareza a necessidade de evolução rápida. A indústria brasileira precisa se posicionar mais próxima do padrão de desenvolvimento internacional”, pondera.

Para Pires, o processo de consolidação do setor deve, nos próximos anos, buscar aumento de produtividade, queda dos prazos de construção, eficiência e desempenho na engenharia de processos. Segundo o professor, esse problema prejudica, principalmente, estaleiros que constroem navios petroleiros e plataformas. Por outro lado, afetaria menos os estaleiros de apoio marítimo, que possuem cenário de expansão.

O professor do Departamento de Engenharia Naval e Oceânica da Universidade de São Paulo (USP), Rui Carlos Botter, vê as eleições de 2014 como um dos fatores que pode frear os avanços no setor. “Talvez, a instabilidade de saber o que acontecerá a partir desta eleição e como o próximo governo se posicionará a respeito disso seja o grande xis da questão”, analisa. No entanto, Botter estima que 80% das encomendas de navios, plataformas e embarcações de apoio estejam garantidos, enquanto 20% da carteira poderiam sofrer algum tipo de oscilação, dependendo da política adotada. Ele ressalta que os programas da Petrobras para construção de plataformas, navios e barcos de apoio marítimo seguem em andamento, assim como a instalação de novos estaleiros. E acrescenta que a entrada em operação de novos campos de exploração pode motivar encomendas que não estavam previstas.

Para os fornecedores nacionais, um dos principais fatores comprometendo a participação no setor naval é a perda de competência da engenharia nacional ao longo dos anos. Hoje, os estaleiros compram fora do Brasil projetos já atrelados a pacotes de equipamentos. Essa realidade compromete a participação dos fornecedores brasileiros no mercado nacional. A indústria sofre ainda com os altos custos de impostos, mão de obra e insumos. Calcula-se que a cotação do dólar deveria estar superior a R$ 3 para o produto nacional ter condições iguais à dos importados.

Uma das bandeiras dos fornecedores é acabar com a falta de isonomia trazida pelos regimes especiais, como o REB, Repetro e Reporto. A Petrobras recorre bastante a esses regimes, criados com desoneração de impostos para importação de produtos de fora. “Esses regimes nasceram com alto viés importador. Não conseguimos abater parte dos impostos da cadeia. Temos que absorvê-los, enquanto o importado vem totalmente desonerado. Fica uma competição muito desleal”, ressalta um fornecedor que prefere não se identificar.

A Abimaq cobra do governo mais transparência em relação aos índices de conteúdo local. Campos avalia que a política de conteúdo local foi concebida de forma protecionista e sem clareza. “Poucos fornecedores nacionais vendem para os estaleiros. Para a indústria local, restam somente as sobras. Não adianta cobrar somente do empresário”, lamenta Campos. O mercado naval-offshore representa apenas 5% das vendas dos associados da Abimaq.

A indústria naval brasileira ficou muitos anos estacionada e está numa curva de aprendizado. “Custa caro num primeiro momento, existem problemas técnicos, mas faz parte. Se existe escala e demanda previsível, é possível abater os custos ao longo do tempo. A dificuldade de competir com empresas de Cingapura, por exemplo, é muito grande”, afirma a fonte.

Esse fornecedor observa a preferência da compra de produtos importados porque são mais competitivos para a Petrobras. Considera a medição do conteúdo local um tanto quanto problemática. “A própria Petrobras identifica que tem 70% de conteúdo local em seus projetos. A medição é confusa e nossa percepção é que conteúdo local não é para valer e acaba sobrando de 8% a 10% para indústria nacional”, analisa.

O setor deposita suas expectativas de crescimento nos resultados da estatal. Os planos da Petrobras são dobrar de tamanho até 2020. Para sustentar essa projeção, a empresa conta com seu atual portfólio exploratório, composto por 96 blocos exploratórios, 51 planos de avaliação de descobertas, somando uma área de 103 mil quilômetros quadrados. A Petrobras pretende aumentar esses recursos com as quatro áreas do pré-sal que o governo a autorizou a explorar diretamente, com volumes estimados entre 9,8 e 15,2 bilhões de barris de óleo equivalente, segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Além disso, a empresa deseja adquirir direitos de exploração em outras áreas.

Para a Wilson Sons Estaleiros, apesar de 2014 ser um ano atípico e ter mexido com a indústria, o impacto não deve ser sentido em curto prazo. “As questões políticas são naturais em qualquer país e, independentemente de quem assuma o governo, a Petrobras é uma empresa consolidada, demandante de maneira estruturada, e essas mudanças não necessariamente representam algum risco para nosso negócio”, acredita o diretor comercial da Wilson Sons Estaleiros, Matheus Vilela.

A Associação Brasileira das Empresas de Construção Naval e Offshore (Abenav) entende que os assuntos do setor serão frequentes no debate entre os presidenciáveis. Para a entidade, a visão sobre o futuro dos segmentos naval e offshore ficará mais clara após o encerramento das eleições. “Quando olhamos para frente, temos certeza de que vai passar. O que nos garante é saber que as reservas de óleo estão lá. Enquanto o preço do barril estiver atrativo para exploração, o mercado vai ser bom”, projeta o presidente da Abenav, Augusto Mendonça. Ele destaca como fato mais positivo de 2014 os efeitos do leilão do campo de Libra realizado no final de 2013. Mendonça classifica o ano como continuidade da retomada do setor e de consolidação desse leilão, com o planejamento das encomendas. Na visão da Abenav, as carteiras estão garantidas até 2020. Já a demanda nos 10 anos seguintes está atrelada à velocidade dos leilões de partilha.

Em 2013, a Abenav e o Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval) começaram um projeto para melhoria de competitividade dos estaleiros. A iniciativa identificou cinco oportunidades de pacotes a serem oferecidos para os estaleiros, sendo que geração e propulsão, módulos de acomodação e tubulações estão despertando mais interesse dos fornecedores. Esses itens são importantes para embarcações de apoio. Já os sistemas elétricos e automação não motivaram tanto.“A indústria naval vem passando por período positivo, assumiu papel bem razoável no nível de geração de empregos e compra muitos produtos no Brasil”, diz Mendonça.

Entretanto, Marcelo Campos, da CSEN/Abimaq, afirma que há estaleiros com dificuldade devido a problemas internos de gestão e aos reflexos dos problemas econômicos da Petrobras. Segundo ele, isso tem motivado demissões nos estaleiros e atrasos no pagamento aos fornecedores. A CSEN/Abimaq defende a criação de uma pauta integrada entre governo, estaleiros e fornecedores. “Hoje, cada um puxa o vetor para seu lado. Está todo mundo tratando de sobreviver. É preciso agenda em comum para atender à demanda interna”, observa.

Pires, da Coppe/UFRJ, acredita que o otimismo que o setor passou nos últimos anos foi compatível com o processo de expansão, abertura de estaleiros e criação de polos navais. O professor acrescenta que, de certa forma, a mudança no clima por causa do momento da Petrobras pode chamar atenção para a necessidade de a produtividade da indústria naval brasileira evoluir rapidamente. Pires diz que o Brasil já atingiu nível técnico para construção naval e offshore e que o momento atual é de consolidação. “A indústria precisa se aproximar dos padrões internacionais de alguma forma, até para ganhar musculatura e resistir a essas alterações de cenário que vêm por aí”, analisa.

Ele enxerga avanços com a participação mais direta de estaleiros estrangeiros no Brasil, mas defende que a transferência de tecnologia deveria estar sendo feita num ambiente de política industrial e metas de desempenho. “Os estaleiros estrangeiros são de grande contribuição para acelerar o processo de evolução da competitividade, mas podem também representar uma armadilha. O risco é confiar totalmente em transferência de tecnologia, que não garante autonomia”, analisa Pires.

O alerta vale para a fabricação das encomendas brasileiras fora do país, caso a indústria nacional não atinja evolução acentuada. Pires cita que, no momento, a parceria com o Japão é boa para o Brasil. Entretanto, ele não deseja ver, daqui a 10, 15 anos, o Brasil formando parcerias para projeto e inteligência do sistema fora do país e fazendo apenas o trabalho de chão de fábrica aqui. “Essa meta não é compatível com a economia do país e a indústria naval brasileira”, afirma Pires.

O Sinaval calcula que empresas japonesas investiram um total de R$ 1,6 bilhão em estaleiros do Brasil nos últimos três anos. A Japan Maritime United (JMU) comprou 25% do estaleiro Atlântico Sul (PE), por R$ 207 milhões, enquanto a Kawasaki adquiriu 30% do estaleiro Enseada (BA), por R$ 300 milhões. O consórcio liderado pela Mitsubishi comprou 30% do estaleiro Ecovix-Engevix, em Rio Grande (RS), por R$ 300 milhões. A japonesa Toyo adquiriu 50% das ações do EBR (Estaleiros Brasil), em implantação em São José do Norte (RS). O investimento na implantação do estaleiro está estimado em R$ 500 milhões.

Pires, da Coppe/UFRJ, diz que a indústria naval precisa se posicionar com nível de qualificação técnica e capacidade de renovação. Ele cita que o maior nível de desempenho de estaleiro brasileiro no passado foi do Ishibrás (atual Inhaúma), que se destacava no processo de tecnologia. No entanto, ele reforça a necessidade de um mecanismo de desenvolvimento técnico compatível e acrescenta que o ‘cérebro’ do processo está fora do Brasil. “A indústria brasileira precisa ter estratégia para trazer cérebro para cá. Uma vez atingindo essa meta, vamos nos ressentir que a divisão do trabalho não é favorável. Ainda estamos criando a espinha da base industrial”, acredita.

Botter, da USP, identifica recentemente uma espécie de ‘relaxamento’ do conceito de conteúdo local. O professor lembra que essa política existe em outros países, mas depende de grande planejamento industrial. “Conteúdo local não é imposto, é planejado. Dentro de uma visão de fazer indústria forte como, por exemplo, a automobilística, eles planejam o conteúdo local e fornecem o que precisa”, diz Botter.

No caso da indústria offshore, ele cita a complexidade de começar a fabricar produtos tecnologicamente avançados como propulsão azimutal. Além de poucas empresas, existe o risco de falta de escala.“Conteúdo local é interessante, mas é preciso saber onde ele será colocado, desenvolvido e qual o prazo para ele ser feito. Todo mundo quer fornecer para conteúdo local, mas por quanto tempo haverá escala?”, questiona Botter.

Para Pires, da Coppe/UFRJ, não é momento de flexibilização das políticas de conteúdo local. Segundo o professor, mexer nessa política poderia parecer um atestado de que o país não pode prover a parcela de conteúdo local. Ele observa potencial na indústria, apesar de ela enfrentar dificuldades de iniciante.“Nesse momento, as metas de desempenho precisam ser alinhadas e os contratos domésticos devem ser dimensionados. A pressão para revisão das regras de conteúdo local nesse momento pode ser perigosa. Não seria fruto de reorientação ou ajuste na política, mas de recuo”, avalia Pires.

Em junho, o secretário de Desenvolvimento Econômico, Energia, Indústria e Serviços do Rio de Janeiro, Julio Bueno, defendeu uma “nova visão” sobre o conteúdo local. Em palestra sobre políticas públicas voltadas à cadeia de óleo e gás, ele afirmou que é momento de as empresas nacionais buscarem competitividade em nível mundial. “Precisamos garantir continuidade das encomendas nos estaleiros e junto a fornecedores nacionais, mas é preciso que esse segmento seja inserido no contexto internacional”, defendeu. O secretário cobrou mais previsibilidade das encomendas da Petrobras a serem realizadas nos próximos anos, para que a indústria nacional se prepare melhor.

O Rio de Janeiro deverá receber 80% dos investimentos previstos para o setor de petróleo brasileiro nos próximos anos. O estado pretende atrair investidores e fortalecer a cadeia de fornecedores, além de melhorar o ambiente de negócios e estruturar política de incentivos para o setor. Por conta disso, multinacionais do setor de óleo e gás estão se concentrando no parque tecnológico da Ilha do Fundão.

Outra ação adotada é a criação do cluster de subsea, que visa atrair empresas voltadas para a fabricação de equipamentos para exploração de óleo e gás natural, operados no fundo do mar. “Hoje, o Rio de Janeiro já possui 85 empresas nesse segmento, mas tem muito espaço para atrair novas fabricantes mundiais” afirmou Bueno. A Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), estima que o Brasil vá concentrar 44% dos equipamentos subsea no mundo até 2020.

O setor aquaviário do Espírito Santo deve receber R$ 13,3 bilhões de investimentos privados até 2017, despertando oportunidades de investimentos para indústria naval e offshore. No norte do estado, o estaleiro Jurong Aracruz receberá US$ 500 milhões de investimentos. A unidade possui contrato para construção de sete sondas encomendadas pela Petrobras. O empreendimento vai gerar 2,5 mil empregos durante a implantação e seis mil durante a operação.

No município de São Mateus, será construído o Petrocity, um terminal portuário dedicado ao apoio offshore, com possibilidade de se associar a outros empreendimentos. A subsecretária de comércio exterior da Secretaria de Desenvolvimento do Espírito Santo, Mayhara Chaves, conta que alguns estaleiros estrangeiros demonstraram interesse. Em fase de licenciamento, o projeto demandará R$ 1 bilhão de investimentos e vai gerar dois mil empregos durante a operação, prevista para começar em 2016.

Em maio de 2014, o projeto do terminal industrial Imetame obteve licença prévia. O empreendimento, a ser instalado em Aracruz (ES), demandará investimento de R$ 280 milhões e também atenderá apoio offshore.

No Sul do estado, a C-Port Brasil Logística Offshore prevê um projeto de apoio offshore no município de Itapemirim. Com investimentos de R$ 1,2 bilhão, o terminal passa por licenciamento. Outro terminal para apoio offshore, o Itaoca Terminal Marítimo, pretende reunir investimentos de R$ 450 milhões para entrar em operação em 2015. O terminal está com projeto executivo em fase de licenciamento. Ambos possuem licença prévia e aguardam autorização da Antaq.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) percebe um descasamento entre crescimento da economia brasileira e o crescimento da indústria naval. Enquanto economia brasileira está estagnada, com previsão de crescimento inferior a 1,5% em 2014, a indústria naval deve crescer 15% este ano. Para o coordenador de estudos de infraestrutura do Ipea, Carlos Campos, o setor está em fase de consolidação e ocupa algum ponto da chamada curva de aprendizado. “O Brasil ainda está na fase de garantir demanda e proteção à indústria nacional”, analisa. Ele alerta, no entanto, que o setor precisa estar preparado porque as políticas de proteção são finitas.

Independente de mudança de governo, ele diz que existe uma demanda para os próximos 25 anos por conta da exploração e encomendas do pré-sal. “Com a demanda contratada até 2020, mais o Campo de Libra e as contratações que a Petrobras fará por conta do crescimento da produção, haverá demanda firme nos próximos anos, a não ser que haja problema sério no fluxo de caixa da Petrobras”, observa Carlos Campos.

 

Fonte: Portos e Navios – Danilo Oliveira

 

15/08/2014|Seção: Notícias da Semana|Tags: , , |