O novo diretor-geral da ANP, Décio Oddone, se considera resultado do ambiente que viveu. São mais de 30 anos de Petrobras, com passagens pela Petrobras Bolívia, Chile e Braskem. Antes de chegar na agência, comandou ainda a área de Óleo e Gás da Prumo Logística. Citando o filósofo espanhol Ortega y Gasset, autor da célebre frase yo soy yo e mi circunstâncias, Oddone diz que acredita que a experiência no setor privado vai ajudar na tarefa de comandar a regulação do setor petróleo no país. Simplificar, agilizar e modernizar são verbos recorrentes da filosofia que pretende implantar na agência. Oddone adianta que a agência pretende concluir no próximo mês os estudos para o 3o leilão do pré-sal, que deve acontecer em novembro. ” Imaginamos ter uma variedade de áreas. Umas com boa atratividade exploratória e outras com um pouco mais de risco para pegar companhias com perfis distintos”, comenta.
Como foi a chegada na ANP?
Ante de sentar na minha cadeira andei por todos os andares da ANP, conversando com as pessoas. Quis saber quem eram os principais interlocutores, sejam empresas, associações, instituições e sindicatos. Fizeram uma lista gigantesca e antes que eles pedissem para conversar comigo, chamei todo mundo para conversar, invertendo a sequência. Todo dia recebo dois, um de manhã e um de tarde. Dentro do mote da transparência e do diálogo, quero ouvir os agentes do setor. Ver qual é a agenda, o que podemos fazer melhor. A ideia é ouvir porque esse pessoal sabe o que tem que ser feito. Muitas vezes o que tem que ser feito não pode ser feito, não dá para ser feito, é inviável, mas muita coisa pode ser feita. Então, se você conseguir implementar pelo menos parte disso já se avança.
Que mudanças e que ações são urgente na sua avaliação?
O trabalho de preparação dessas rodadas que temos em 2017 é algo urgente pela relevância. A adaptação da regulação a esse novo ambiente também é urgente. A questão da venda de ativos da Petrobras na área de gás, por exemplo, nos obriga a estar caminhando rapidamente para permitir que a regulação não seja um entrave.
Que avaliação o sr. faz do conteúdo local, questão que inflama debates e divide opiniões?
Do ponto de vista do passado, é uma aplicação de contratos e acordos feitos. Vamos fazer da forma mais técnica, isenta e independente possível. Para frente é questão de política. Vamos cumprir as políticas que forem estabelecidas.
Mas a ANP pode resolver algumas questões, sem precisar de alteração de lei, não é?
De muitas formas. A ANP trabalha em um ambiente infralegal. A agência pode ser ágil, transparente, ter canais abertos de comunicação para ouvir a demanda dos agentes regulados. Podemos simplificar a legislação. Tudo isso são medidas infralegais que ajudam o ambiente econômico, sem demandar grandes transformações legais. Quanto menos visível a agência for sob esse aspecto, melhor. Quanto menos você falar da ANP, melhor. Sinal de que a agência está fazendo o trabalho dela de forma adequada.
A ANP tinha até dezembro mais de 200 pedidos de waivers em análise. Como o sr. vê isso?
Isso continua sendo tratado de uma maneira técnica, normal e corriqueira. Entra um pedido de waiver, ele é analisado, se tem necessidade de mais informações, se pede. Se faz consulta pública em alguns casos para ouvir os interessados. É um processo normal na vida da agência. E quanto mais atividade exploratória o país tiver, quanto mais agentes econômicos envolvidos, mais processos de toda ordem nós teremos.
Mas esses pedidos têm grande impacto nos investimentos…
Tem porque está associado a essa discussão que estamos vivendo agora do conteúdo local e que particularmente está em um momento mais aquecido. Mas isso tem que ser tratado pela agência de forma técnica, profissional e regular. Não dá para ser de forma diferente.
A discussão do conteúdo local tem três questões distintas que são o passado, o presente e o futuro. Como o sr. vê o problema?
Passado é contrato.
Sim, mas e contrato pode ser revisto ou é para ser cumprido?
Contrato se cumpre. Segurança jurídica é cumprimento de contrato, para um lado e para o outro. Para o futuro, é política.
Como cumprir as regras de conteúdo local do contrato de Libra? Como anda a análise do pedido de waiver?
Não tem nenhuma influência outra que não seja a análise técnica que está sendo feita pela equipe da ANP. Se você me perguntar como vai terminar, não sei, está sendo analisado agora. Nossos técnicos pediram mais informações, a Petrobras entregou, vai ser aberta consulta pública e agora tem essa ação do Sinaval. Vamos analisar de acordo com as práticas da agência e a turma vai se manifestar.
O que uma análise técnica, no caso específico, considera?
Uma análise técnica vai olhar o que está colocado nos contratos e o que foi colocado pela parte que está pedindo o waiver. O que vai ser contra-argumentado por essa mesma parte também tem que ser observado. E aí, à luz dessas informações, os técnicos da agência vão propor para a Diretoria uma decisão. Vamos analisar essa recomendação, que não chegou a nós ainda. O processo está no meio do caminho.
A audiência pública já tem data marcada?
Não temos data marcada ainda. A ideia é fazer o mais rápido possível, mas agora tem essa questão do Sinaval também. Queremos dar agilidade aos processos.
Há chance de isso acontecer ainda em fevereiro?
Espero que sim. A orientação é de o processo seja ágil.
Vai haver uma audiência para Libra e outra para Sépia?
Serão processos separado até porque estão em estágios diferentes. A audiência de Libra acontecerá primeiro até porque o pedido foi protocolado antes.
O sr arriscaria um prazo para que o waiver de Libra esteja sendo analisado pela Diretoria da ANP? É possível ter isso resolvido ainda no primeiro trimestre?
Vou dizer que espero que sim, vai depender de todos os trâmites que estamos vivendo. Quanto antes tudo acontecer, melhor sempre, como princípio de atuação. Não sempre a gente controla todos os fatores.
Na sua avaliação waiver deve ser exceção ou prática?
Waiver deve ser exceção. Se há uma regulamentação o próprio waiver é uma exceção.
Como garantir que teremos quatro rodadas realmente atrativas e que não estaremos apenas disponibilizando blocos?
O leilão tem que ter áreas que interessem às empresas. Esses quatro leilões que estamos fazendo focam em públicos distintos.
Para isso é necessário um conjunto de regras mais atrativas…
Quando se tem um calendário de leilões definido, você permite que as companhias dediquem esforço, estudo e gente para conhecer aquele ambiente geológico. Ao conhecer mais a geologia elas têm mais chance de ter sucesso nos leilões e são mais ambiciosas nos leilões. Por isso que é ruim não dar uma previsibilidade para a indústria. Ela vai deixar aqui um conjunto de geólogos e geofísicos sênior, caro, estudando para a possibilidade de um dia vir a ter um leilão? Não. À medida que se vai dando previsibilidade, você vai atraindo os interessados. Vamos trabalhar nessa linha de simplificação de contratos, previsibilidade de oferta de áreas, regularidade na oferta, oferta tentando atender perfis distintos de companhias.
Isso também em terra?
Se conseguirmos atrair dezenas de novas empresas para a operação de campos pequenos e marginais em terra, vamos dar uma dinâmica para a indústria que a gente não tem hoje. Vamos trazer serviços, royalties, geração de renda em municípios que hoje não são hospedeiros da atividade de petróleo. Então, um foco grande que queremos dar é nessas áreas de terra, que além de ter uma resposta mais rápida, têm capilaridade muito grande.
E o que podemos esperar do 3º leilão do pré-sal?
Estamos estudando agora. Teve a discussão de antecipação. Estava previsto para 2018 e agora estamos trabalhando entre novembro e dezembro. Estamos estudando áreas dentro do polígono do pré-sal e, quando isso estiver pronto, vamos fazer a sugestão de áreas para o CNPE. O que estamos imaginando fazer é ter uma variedade de áreas. Áreas com boa atratividade exploratória e áreas com um pouco mais de risco para pegar companhias com perfis distintos. O nosso objetivo é trazer o investidor e fazer com que esse investidor reative a economia.
E quando isso estará concluído?
Nossa meta é fevereiro.
A vivência no setor privado é fundamental para gerir essas mudanças?
Tudo que você vive na vida vai formatando você para enfrentar as experiências que vão surgindo. Como dizia o filósofo espanhol Ortega y Gasset, “yo soy yo y mis circunstancia”. Então, “yo soy yo y muchas circunstância” que vivi na vida. Tudo ajuda.
A indústria do Petróleo baseia muito sua prioridade na economicidade dos projetos e, com isso, muitos projetos do Nordeste e da Bacia de Campos estão apresentando quedas acentuadas de produção. Existe a intenção de rever questões, como taxação de royalties, que possam reverter esse quadro de declínio?
Eu imagino que sim. Não conversei com ninguém, mas eu tenho pensando muito em como a agência poderia trabalhar para identificar medidas que poderiam ajudar na retomada da produção, seja ela onshore, seja offshore, nos campos que estão em declínio. A Bacia de Campos é um caso óbvio. Então, digo que isso é algo que vamos nos debruçar sim.
Já tem mapeado o que pode ser alterado?
Algumas coisas sim. Essa é uma delas. Como a agência pode trabalhar para aumentar a produção. Como pode trabalhar para aumentar o investimento em exploração. Isso tudo faz parte dos posicionamentos que falamos. Agora, temos que colocar o pessoal para trabalhar e discutir. Seguramente, muita coisa já foi pensada aqui no passado e vamos resgatar o que foi pensado, identificar algumas coisas novas. O que for medida que a agência tiver autonomia colocaremos em prática. O que for questão de formulação política,assessoramos os órgãos competentes. Se você me perguntar que medida podemos tomar? Eu não sei. Mas isso é um trabalho que gostaria de implementar.
O descomissionamento, embora novo no Brasil, já vem rendendo embates e pode comprometer duramente a atratividade dos projetos antigos e do plano de desinvestimento da Petrobras. Isso está no radar de preocupações?
Não é simples e tem coisas que vão extrapolar até a própria capacidade do CNPE de deliberar. Vai ter que articular, conversar com outros órgãos de governo. Mas a primeira coisa que tem que fazer é um diagnóstico. Se você não tem uma percepção dos impactos, fica mais difícil tomar a decisão. Então, nossa ideia aqui é estudar, avaliar e propor.
O sr. pretende estreitar as conversas com órgãos ambientais para reduzir os problemas no licenciamento, questão que se discute desde a abertura sem se conseguir evoluir muito?
Também tenho essa percepção desde sempre. Evoluiu pouco. Aqui, por exemplo, já vi algumas coisas. Recentemente, autorizamos a extensão de prazos de exploração porque as licenças ambientais não foram concedidas nos prazos esperamos na época do leilão. Esse é um assunto que tem que ser endereçado. Antes de eu vir para cá, já estava nos jornais que o próprio governo estava discutindo esse assunto de encontrar uma solução para essa questão licenças ambientais e não só para o setor petróleo. Não tive oportunidade de falar com ninguém ainda, mas reconheço que é uma tema muito relevante e que se tivesse um encaminhamento ajudaria muito o estrangulamento de investimentos para o setor.
Como está a questão da discussão da cessão onerosa? Alguma previsão de prazo?
Estamos elaborando estudos para subsidiar o governo na discussão com a Petrobras. Espero que isso seja concluído brevemente. Não é simples. Foram pedidas novas simulações que a ANP vai providenciar, mas esse é um tema que a agência assessora o governo. Não vamos nos furtar de assessorar.
Como o sr. espera que o setor petróleo esteja daqui a quatro anos, quando acaba o seu mandato?
Daqui a quatro anos, estaremos com um setor de E&P dinâmico, com várias empresas operando no pré-sal. Teremos muitos mais blocos sob concessão. Atividade em terra muito mais dinâmica, com dezenas de pequenas e médias empresas operando campos maduros e de pequeno porte. Teremos uma indústria de gás aberta como nunca teve, pela transferência de ativos da Petrobras, e uma retomada dos investimentos em Downstream. A Petrobras está falando em atrair parceiros para terminar o Comperj e a Refinaria do Nordeste.
Alguns especialistas na área de Gás Natural alertam para o risco de o Brasil poder sair de um monopólio estatal para um oligopólio. Isso preocupa a ANP?
Preocupar não preocupa, mas é um papel da ANP evitar que isso aconteça e fazer com que a competição entre os agentes privados esteja presente.
E que recado o sr. dá às empresas do setor?
Nós vamos fazer a nossa parte e esperamos que eles façam a deles também. Precisamos disso para a própria sociedade ver o potencial que nós temos no nosso mercado.
O sr. acredita nessa resposta da indústria?
Não tenho dúvida disso. Tenho conversado com a indústria e acho que ela estava ansiosa por um momento como esse. O pré-sal é fantástico, mas além do pré-sal você tem um monte de coisas. Na hora que as travas conceituais forem retiradas a indústria estará pronta para vir.