A batalha do presidente da Petrobras, Pedro Parente, contra o conteúdo local levou a empresa a fazer uma nova investida na justiça contra a indústria nacional, em relação à licitação do FPSO de Libra, alegando que a estatal e o governo estariam tendo um prejuízo de US$ 5 milhões por cada dia de atraso da concorrência, embargada por uma liminar obtida pelo Sinaval. Desse montante, US$ 1,3 milhão seriam da companhia e US$ 3,7 milhões de participações governamentais. A intenção do executivo é seguir adiante com a licitação sem exigência fixa de conteúdo local, já que a estatal tenta junto à ANP um perdão ao descumprimento das exigências do contrato, alegando que os preços para a construção do navio-plataforma no Brasil seriam 40% maiores do que no exterior. O problema é que a Petrobras não esclareceu ao mercado nacional a origem dessa comparação e o Sinaval agora contesta o embasamento para essas afirmações.
O presidente do sindicato dos estaleiros brasileiros, Ariovaldo Rocha, afirma que os associados não foram procurados para cotar preço para o FPSO do campo de Libra e é categórico quando questionado se haveria alguma maneira de as afretadoras internacionais fazerem esse levantamento no País sem consultar os associados do Sinaval: “Não seria possível”.
Em contraponto, Rocha afirma que o prosseguimento dessa postura da Petrobras resultaria num prejuízo de “bilhões de reais” para a indústria brasileira, “tendo em vista investimentos em ativos e em pessoal”, já que a maior parte dos estaleiros está sem novos projetos, à espera de oportunidades, depois de intensos investimentos em estrutura e formação de mão de obra nos últimos anos.
O presidente do sindicato afirma ainda que “desconhece” o meio utilizado pelas afretadoras para calcularem seus preços incluindo o conteúdo local, já que os estaleiros brasileiros não foram consultados, e não acredita nos valores 40% superiores alegados por Parente e pela Petrobras.
“Sou da opinião de que deveria haver uma rodada entre os construtores, para a troca de informações, mas a nossa Petrobras não se sujeita a isto”, afirma Rocha, defendendo a capacidade da indústria nacional: “Já temos comprovado que, com projeto detalhado pronto, entregamos obras deste porte até com antecedência dos prazos”.
É justamente neste ponto que sempre morou um dos principais problemas na relação dos estaleiros – e das epecistas em geral – com a Petrobras: a falta de um projeto básico e detalhado bem feito. Nos últimos anos, muitas empresas se aproveitaram disso para mergulhar nos preços e ganhar nos pedidos de aditivos posteriormente, mas muitas também foram seriamente prejudicadas por orçarem suas propostas baseadas em projetos que não tinham o nível de qualificação necessária. O resultado foi uma mescla de corrupção entre algumas empresas – envolvendo políticos, executivos e diretores da estatal – com prejuízos para todos os lados, tendo em vista que muitas acabaram em recuperação judicial ou quebrando no processo.
Ainda assim, os atrasos e a frequência nos estouros dos orçamentos por aqui não divergiram muito de outras partes do mundo, como mostra uma pesquisa realizada pela EY (antiga Ernst & Young), que apontou problemas do tipo em 78% dos megaprojetos desenvolvidos entre 2004 e 2014 ao redor do globo.
Depois de analisar 365 empreendimentos de grande porte de diversos elos da cadeia, como upstream, refino e gasodutos, a empresa constatou que 64% desse total tiveram seus orçamentos estourados, enquanto 73% tiveram atrasos.
Separado por regiões, o estudo mostra que na América do Norte os atrasos se deram em 55% dos casos, enquanto que 58% dos projetos excederam os orçamentos iniciais. Na Europa, os atrasos se deram em 74% dos casos e os sobrepreços em 53%, enquanto que na Ásia – a queridinha da Petrobras – os atrasos ocorreram em 80% dos casos e os estouros de orçamento em 68% dos casos. Já na América Latina, os atrasos se deram em 71% dos casos e as fugas do orçamento em 57% dos projetos. Veja abaixo o quadro preparado pelo Petronotícias comparando as regiões, segundo o estudo da EY, em ordem decrescente:
Região | Atrasos |
Oriente Médio | 87% |
África | 82% |
Ásia-Pacífico | 80% |
Europa | 74% |
América Latina | 71% |
América do Norte | 55% |
Região | Estouros de orçamento |
Oriente Médio | 89% |
Ásia-Pacífico | 68% |
África | 67% |
América do Norte | 58% |
América Latina | 57% |
Europa | 53% |
Os dados da EY mostram que a América Latina – não há dados específicos do Brasil – não é um bicho de sete cabeças quando se compara a capacidade de realização no preço e no prazo entre todos os continentes. Pelo contrário, a região fica na segunda melhor posição nos dois quesitos, ainda que também apresente problemas além do esperado nestes pontos.
Não são dados novos e há uma série de exemplos de empresas brasileiras que conseguiram fornecer com preço, prazo e qualidade à Petrobras, assim como muitas estrangeiras que se instalaram no Brasil – influenciadas pela política de conteúdo local –, que investiram fortemente em suas estruturas locais e já até exportam em alguns casos.
É claro que ainda há muito o que evoluir, melhorias a serem feitas, e avanços a serem conquistados pela indústria nacional, mas não é pela indiferença dos contratantes e o abandono da Petrobras que ela cumprirá essa trajetória. Afinal, todas as indústrias globais enfrentam desafios e precisam se superar para melhorarem suas competitividades e produtividades. Mas, para isso, precisam existir e ter a oportunidade de competir pelo fornecimento para projetos como os de Libra e Sépia.
Como mostra o estudo da EY, os principais fatores que levaram aos estouros de orçamento e aos atrasos na área de óleo e gás foram questões não-técnicas, como gerenciamento de pessoas, problemas de organização e de governança (65% dos casos); estratégias de suprimentos, contratos e gerenciamento de processos (21% dos casos); e fatores externos (14% dos casos), como intervenções governamentais e questões ambientais ou climáticas. Ou seja, o problema dos atrasos da Petrobras não é a indústria brasileira.