Comitê técnico da Sobena avalia que 42 estaleiros certificados atualmente não dão conta de mais que 50% da capacidade mundial de desmantelamento, o que abre espaço para atuação de players nacionais nessa atividade.
As exigências da Organização Marítima Internacional (IMO) e do regulamento europeu (SRR — Ship Recycling Regulation) preveem que navios só podem ser enviados para reciclagem em instalações certificadas. O regulamento, editado em 2013 e em vigor efetivamente a partir de 2018, foi baseado na convenção de Hong Kong, com inclusão de requisitos adicionais de segurança e meio ambiente. O coordenador do comitê técnico de descomissionamento de plataformas e desmonte de navios da Sociedade Brasileira de Engenharia Naval (Sobena), Ronald Carreteiro, considera que os 42 estaleiros hoje certificados não dão conta de mais que 50% da capacidade mundial de desmantelamento, o que abre espaço para atuação de estaleiros brasileiros.
“Temos ainda espaço para estaleiros brasileiros, mas não podemos ficar olhando a caravana passar porque, daqui a pouco, não teremos espaço nenhum”, disse Carreteiro, nesta quarta-feira (28), durante o 28º Congresso Internacional de Transporte Aquaviário, Construção Naval e Offshore, organizado pela Sobena. Ele lembrou que a indústria de construção naval e offshore está em busca de novas oportunidades, na medida em que os estaleiros brasileiros estão com ociosidade por ausência de demandas, sobretudo área offshore. O Brasil tem 74 plataformas com mais de 25 anos de operação. Os desinvestimentos da Petrobras na área de descomissionamento entre 2021 e 2024 podem gerar US$ 6 bilhões de investimentos. O grupo de descomissionamento da Sobena estima potencial de US$ 18 bilhões até 2030.
Levantamento do comitê da Sobena apurou que, no mundo, uma média 950 embarcações e estruturas flutuantes são descomissionadas por ano. Desse universo, metade costuma ser de médio ou grande porte. A maior parte dessas estruturas flutuantes é desmantelada em países como Índia, Bangladesh, Paquistão e Turquia, muitas vezes sem resposta a questões ambientais e trabalhistas. O comitê encaminhou ao Ministério da Infraestrutura uma minuta com sugestões para o que pode ser um regulamento brasileiro. O documento também foi entregue a estaleiros e autoridades estaduais onde existem polos navais.
No Brasil, áreas de produção com mais de 25 anos são considerados campos maduros. Cerca de 60% dos campos produtores no país possuem mais de 20 anos de produção. Na Bacia de Campos, dois terços das reservas provadas já foram produzidas. E 70% das reservas provadas do pós-sal já foram produzidas. No entanto, o fator de recuperação no pós-sal é de 16%, caindo para 14% na Bacia de Campos. No mundo, a média do fator de recuperação é de 30% e 35%, sendo que a Noruega trabalham com fator de recuperação de até 70%.
O diretor de manutenção e serviços offshore da Ocyan, Vinicius Castilho, observa que a Petrobras voltada para FPSOs e pré-sal abrindo oportunidade para outras operadoras independentes atuarem em campos maduros aproveitando expertise para reduzir custos operacionais e evitar problemas de integridade. Ele estima que 1% adicional no fator de recuperação da Bacia de Campos gera R$ 16 bilhões a mais de royalties e aumenta na produção em um bilhão de barris de óleo equivalente. Castilho acredita que, antes do descomissionamento, haverá aplicação de tecnologias para aumentar fator de recuperação dos campos maduros. “Existe expectativa que o fator de recuperação passe de 24% para 40%, que é superior à média mundial”, analisou.
Castilho observa estaleiros nacionais se organizando para receber unidades offshore, buscando licenças para armazenamento de resíduos de NORM (material radioativo de ocorrência natural) e tratamento do coral sol. “Queremos cada vez mais incentivar e conversar com os estaleiros [nacionais] para que as unidades sejam desmanteladas nestes estaleiros e para que os serviços fiquem no Brasil”, disse Castilho. Ele identifica uma preocupação com a relação à destinação da malha subsea, que precisa ser definida por análise multicritérios, caso a caso, se será retirada total ou parcial e quais métodos de controle se equipamentos forem deixados no fundo do mar.
Ele vê no curto prazo e ao longo de 10 anos, pelo menos, oportunidades para oferecer serviços de manutenção, subsea e poços para operadores independentes em razão da operação de campos maduros. Castilho acredita que o descomissionamento de plataformas no Brasil deve se concentrar em plataformas fixas. Ele observa que a Petrobras vem fazendo desmantelamento in locu de unidades flutuantes, utilizando contratos de construção e montagem para desmontagem das plataformas. Castilho lembrou que algumas plataformas foram leiloadas após aprovação dos PDIs.
A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) aprovou 22 planos de descomissionamento de instalações (PDIs) offshore. Outros 11 aguardam resposta e dois estão em análise. Para os próximos cinco anos, existe um potencial de R$ 26 bilhões potencial de projetos de descomissionamento, 72% na Bacia de Campos. Os valores são próximos dos aportes previstos para a atividade no Mar do Norte, principal mercado no mundo, da ordem de R$ 100 bilhões no mesmo período.
A avaliação da Ocyan é que projetos de descomissionamento necessitam de planejamento longo e execução bem estruturada. “As oportunidades ficarão muito concentradas nas plataformas fixas e, para intervenção de poços, a Petrobras deve utilizar o pool de sondas contratadas para fazer a parte de abandono”, avaliou. Ele acrescentou que é um mercado multidisciplinar, que requer parceiros estratégicos e cadeia de logística para transportar para alguns estaleiros ou outras instalações para desmantelamento.
Digitalização — Durante o painel, o gerente executivo do centro técnico do Bureau Veritas, Leonardo Sant’Anna, defendeu uma conscientização do mercado sobre a digitalização no descomissionamento de ativos offshore para mitigação de riscos e otimização de recursos. Ele disse que esse tipo de processo já é utilizado, por exemplo, na manutenção e extensão da vida útil. Sant’Anna explicou que os inventários eletrônicos ajudam na identificação e intervenção nos equipamentos para manutenção. As soluções disponíveis permitem a utilização de uma plataforma colaborativa de forma segura, disponibilizando informações para todos envolvidos no processo, desde a mobilização offshore até chegada em terra. Esse espaço virtual colaborativo pode ser visualizado por operadoras, armadores, seguradoras e empresas que realizarão o descomissionamento, além da agência reguladora.
Para operadoras e armadores, pode ajudar na redução de custos e ganhos de eficiência, por meio da otimização e ganhos de escala com cadeia de suprimentos. Com informações disponíveis, as empresas de descomissionamento poderão fazer a padronização e adoção das melhores metodologias. Outras vantagens, segundo o gerente da BV, estão na redução de gases de efeito estufa e do número de visitas à locação e na otimização da logística. Para seguradoras, permite simulação dos riscos. “Acreditamos que a solução de digitalização auxiliará nas atividades de descomissionamento e desmantelamento”, projetou Sant’Anna. Ele estima que, num ativo de 40 mil toneladas, a economia possível é da ordem de R$ 60 milhões.