A Sociedade Brasileira de Engenharia Naval (SOBENA) quer contribuir com a retomada da indústria naval do país, de olho nas futuras oportunidades envolvendo descomissionamento de plataformas. Uma das etapas dessa atividade, o chamado desmantelamento, ainda não tem uma regulamentação específica em nosso país. Por isso, a entidade somou forças com a Marinha para criar uma nota técnica com uma minuta de resolução sobre o tema. O documento já foi entregue ao Ministério de Infraestrutura e na manhã de hoje (28) será detalhado ao mercado durante um evento online. O Coordenador do Comitê Técnico SOBENA de Descomissionamento e Desmantelamento, Ronald Carreteiro, conversou com o Petronotícias para explicar as novas oportunidades que podem se abrir quando o Brasil estabelecer a regulamentação para desmantelamento. “Os investimentos são de grande monta. A Petrobras já orçou US$ 6 bilhões até 2024 e já está preparando um orçamento até 2030. Existe uma previsão de que será de US$ 18 bilhões”, projetou. “Para poder ter desenvolvimento da indústria de construção naval offshore do Brasil – ou seu renascimento – será preciso ter essas duas atividades [descomissionamento e desmantelamento] no país”, acrescentou.
Para começar nossa entrevista, poderia nos apresentar a programação de eventos da SOBENA para hoje?
Teremos dois eventos hoje. O primeiro será sobre descomissionamento e desmantelamento de navios e estruturas offshore, que acontecerá agora pela manhã. Na parte da tarde, teremos um segundo evento, desta vez sobre a extensão da vida útil de plataformas.
No evento desta manhã, teremos a participação de representantes de dois patrocinadores – Leonardo Santanna, da Bureau Veritas, e Vinicius Castilho Cruz, da Ocyan. Depois, teremos palestras da Marinha e da Petrobras e a apresentação da Techcon de um caso prático do estado da arte do içamento para descomissionamento offshore.
Por fim, eu encerrarei o evento com uma apresentação sobre a regulamentação da atividade de desmantelamento de navios e estruturas flutuantes no Brasil. É fruto de trabalho feito pelo Comitê Técnico da Sobena durante oito meses. Terminamos esse trabalho e entregamos, há um mês e meio, ao Ministério de Infraestrutura e a governos de estados onde existem polos navais.
O senhor poderia explicar a diferença entre descomissionamento e desmantelamento?
O desmantelamento é a parte final do descomissionamento. Nesta etapa, o topside é desmantelado em terra, no estaleiro ou em um site. As pessoas fazem muita confusão entre os dois. O desmantelamento é feito em um estaleiro ou em um site específico, enquanto o descomissionamento acontece em mar ou em terra. No Brasil, não existia a regulamentação com as condições básicas para que um estaleiro ou site possa exercer essa atividade em navios e plataformas de grande porte.
Como a SOBENA quer contribuir para a construção dessa regulamentação?
No ano passado, trouxemos ao Brasil o diretor de meio ambiente da Comunidade Europeia, Peter Koller. Ele fez uma palestra no workshop da SOBENA e visitou quatro estaleiros no país. Na ocasião, ele apresentou os requisitos dessa regulamentação. São esses requisitos que vamos apresentar no evento de hoje.
O objetivo dessa regulamentação é colocar os estaleiros em sintonia com o que há de mais adequado e moderno no mundo, propiciando condições para que recebam demandas internacionais. O aparato de regulamentação ainda não existia no Brasil até bem pouco tempo atrás. E junto com a Marinha e mais alguns especialistas, nosso comitê trabalhou muito para adaptar a resolução da Comunidade Europeia à realidade brasileira, sem perder o grau de exigência.
De tal forma que estamos entregando essa nota técnica para alguns estaleiros interessados e governos estaduais. E cabe aos Ministérios de Infraestrutura, Minas e Energia, Economia e os governos estaduais adotarem ou não a sugestão da SOBENA. O nosso objetivo é propiciar às empresas brasileiras a devida capacitação para que possam entrar nessa realidade, que vai começar em 2021.
A ANP lançou neste ano uma resolução que trata de descomissionamento. Então, ela não abrange as atividades de desmantelamento?
A resolução da ANP [lançada em abril] termina na porta do estaleiro. Da porta do estaleiro para dentro, a resolução da agência não se aplica. Ela só se aplica no mar ou em terra, na parte de desativação das instalações. Mas o desmantelamento é uma atividade que não tem regulamentação no Brasil.
E aí entra o trabalho que será apresentado no evento de hoje, que já foi entregue ao Ministério de Infraestrutura. É uma sugestão, uma minuta de regulamentação com base na regulamentação europeia, com pequenas adaptações a nossa realidade.
O que falta em termos de capacitação para que nossos estaleiros desempenhem essa atividade?
Para os nossos estaleiros de grande porte falta muito pouco. Tanto é que o diretor de Meio Ambiente da Comunidade Europeia ficou entusiasmado com a qualificação dos nossos estaleiros. O que falta, por exemplo, é a impermeabilização do solo. Isso é fundamental. Porque não pode cair sequer uma gota de resíduo de petróleo e infiltrar no solo. Há ainda outros pontos que vou apresentar hoje no evento, logo mais.
Em termos de capacitação, nossos estaleiros atendem totalmente. Todos os quatro estaleiros que visitamos, junto com o diretor da Comunidade Europeia, atendem às capacitações.
Então, descomissionamento e desmantelamento serão duas janelas de oportunidade para a indústria naval brasileira?
Eu diria a você que são duas faces de uma mesma moeda. São indivisíveis. Para poder ter desenvolvimento da indústria de construção naval offshore do Brasil – ou seu renascimento – será preciso ter essas duas atividades no país. E para isso, você precisa ter capacitação das empresas brasileiras para fazer descomissionamento e desmantelamento. Os estaleiros precisam estar devidamente certificados para tal. Essa certificação ainda não existe no Brasil.
Os estaleiros estão buscando essa certificação?
Os estaleiros grandes estão estudando o assunto. Ainda não houve uma decisão. Mesmo porque, os estaleiros do país estão com dificuldades financeiras.
Com a sugestão de regulamentação proposta por nós, será possível aos estaleiros buscar essa certificação. As empresas que certificarão nossos estaleiros serão as mesmas que fazem isso lá fora. Já existem ao menos dois estaleiros brasileiros que já manifestaram o interesse em buscar essa certificação.
E quais as perspectivas em relação aos investimentos?
O descomissionamento já é dominado aqui no Brasil, dentro das partes de abandono de poço e limpeza de linhas. Já existem empresas aqui que fazem essas atividades. São empresas estrangeiras, mas que atuam no Brasil há muito tempo.
Já a parte de desativação é pioneira. Tirar do lugar, remover plataformas e levar para desmantelamento é a novidade. A desativação da instalação é o que justifica o desmantelamento. E aí que está a oportunidade para as empresas brasileiras. Os investimentos são de grande monta. A Petrobras já orçou US$ 6 bilhões até 2024. E já está preparando mais um orçamento até 2030 – existe uma previsão de que será de US$ 18 bilhões.