Fornecedores e estaleiros destacam interesse de clientes por modernização de ativos para atender às atuais demandas e adequação à atual conjuntura econômica. Empresas ressaltam que indústria naval como um todo necessita de incentivos para novos projetos.
As consultas e projetos de extensão da vida útil de embarcações contribuíram para a manutenção de serviços na região Norte nos últimos dois anos. Fornecedores e estaleiros ouvidos pela Portos e Navios consideram que as demandas por retrofit e melhorias se intensificaram durante a pandemia, o que demandou o fortalecimento do atendimento local e o planejamento de estoque. As empresas ressaltam que a indústria naval como um todo necessita de incentivos para novos projetos, pois a modernização não atinge todos os estaleiros. No entanto, no que diz respeito à venda de equipamentos, a leitura é que o impacto da extensão da vida útil dos ativos é positivo, principalmente nos equipamentos associados ao sistema de propulsão.
O diretor-geral da Reintjes do Brasil, André Galvão, disse que essa demanda certamente representa grande parte do volume de vendas dos fornecedores locais. Galvão observa que, na demanda de equipamentos, o repotenciamento e modernização têm sido o principal caminho utilizado pelos armadores. “Dado o valor do aço e dos equipamentos em geral, a construção é uma opção repensada diversas vezes”, contou. Ele também percebe esforço por parte dos estaleiros em reduzir suas margens para conseguir ofertar novas construções. Outros estaleiros utilizam-se da estratégia de construir a embarcação sem contrato, para ofertar o prazo de entrega como diferencial aos armadores que necessitam de embarcação imediata para assinatura de novos contratos de transporte.
Em 2021, a Reintjes alcançou seu maior faturamento em 10 anos na região. Grande parte ocorreu através de clientes que passaram a modernizar suas embarcações após alguns anos sem aquisição. O grande número de embarcações e clientes na região proporciona demanda recorrente por equipamentos. “A demanda ainda surpreende em meio ao alto preço do aço e valor do câmbio desfavorável — grande parte dos equipamentos é importada. Mas é nítido que esses impactos retrocederam alguns projetos”, avaliou Galvão.
O gerente comercial da Schottel no Brasil, David Souza, contou que a fabricante tem clientes na região com embarcações e balsas entre 15 a 20 anos de operação e que, com os custos operacionais (opex) ficando cada vez mais elevados, torna-se necessário a renovação da frota. Ele explicou que as empresas de navegação, sempre que têm oportunidade de aproveitar embarcações onde o casco ainda está em bom estado operacional, optam por realizar retrofit e modernizar os equipamentos a bordo, por exemplo, realizando upgrade de uma propulsão convencional para azimutal.
A Schottel tem na Alemanha um setor especializado e dedicado a este mercado de modernização que analisa todos os fatores para oferecer uma solução de baixo custo e com mínimo de interferência ao casco. “Não necessariamente os clientes postergam uma nova encomenda, mas veem nessa proposta a oportunidade perfeita para alcançar seu objetivo a um menor prazo e custo, pois torna a embarcação mais moderna e capacitada para atender às atuais demandas”, ponderou Souza.
O engenheiro de vendas da Schottel, Alessandro Castro, acrescentou que, ao atingir o final de sua vida útil, o tempo de operação já atingiu o payback da embarcação. Dessa forma, os custos com manutenção e operação aumentam exponencialmente. Nesse momento, a construção de novas embarcações se faz necessária e as empresas podem negociar as embarcações antigas com empresas de menor porte. “É nesse cenário que acontece a renovação da frota e, por consequência, a fomentação do mercado naval, com novos projetos nos estaleiros e pedidos aos fornecedores”, ressaltou Castro.
Para a Sotreq, existe um movimento no mercado pela extensão da vida útil das embarcações, gerando oportunidades para repotenciamento. No caso dos motores de propulsão, substituição por opções mais eficientes. A Sotreq trabalha em uma linha de modernização sobre o monitoramento e gerenciamento de frota, através de uma ferramenta da Caterpillar, chamada RFV (Remote Fleet Vision), que permite aos clientes uma visualização e tratamento dos dados dos seus equipamentos. A solução promete otimizar a operação, reduzir consumo de combustível e gerar maior controle sobre a manutenção dos ativos.
A Sotreq vê como desafios para fornecimento no Norte a logística para distribuição de peças e atendimento de serviços em regiões mais remotas. A representante Caterpillar possui uma equipe dedicada para o mercado marítimo fluvial e uma estrutura física com filiais espalhadas pela região Norte: Belém (PA), Manaus (AM), Itaituba (PA) e Porto Velho (RO). O consultor de vendas da Sotreq, Daniel Andrade, apontou como desafio a análise da relação Capex x Opex, pensando em toda a vida útil do equipamento. “Existe sempre preocupação com o custo inicial para aquisição do produto e não é dada muita atenção para um fator muito mais significativo, quanto aos impactos e resultados ao longo de todo período que aquele equipamento será utilizado”, salientou Andrade.
O Sindicato das Empresas de Navegação Fluvial no Estado do Amazonas (Sindarma) considera que o mercado está em processo de retomada, no ‘Pós-pandemia’, e vem reagindo bem com boas perspectivas. De acordo com o Sindarma, das 46 obras concluídas no Brasil com o apoio financeiro do Fundo da Marinha Mercante (FMM) no ano passado, 43,5% delas foram no Amazonas. O setor de transporte de granéis líquidos, em especial o de transporte de combustível e de grãos são os que mais demandam consultas e pedidos. Na avaliação do Sindarma, a renovação da frota é um processo lento e contínuo que foi iniciado há 25 anos com a substituição das balsas de casco simples por unidades de casco duplo, ambientalmente corretas e que reduziram praticamente a zero o risco ambiental.
O sindicato afirmou que atualmente o Amazonas possui a frota mais moderna do Brasil, com embarcações dentro de padrões internacionais. “Com a entrada dessas modernas e maiores balsas, os comboios ficaram maiores e surgiu a necessidade de substituir os empurradores antigos por empurradores maiores e mais modernos que pudessem operacionalizar com rapidez e segurança. Com o crescimento da demanda no Arco Norte, essa renovação tornou-se constante para poder acompanhar a demanda”, disse o presidente do Sindarma, Galdino Alencar Júnior.
O Sindarma entende que os rebocadores podem passar por essa modernização, substituindo as máquinas por outras mais modernas, ao passo que as barcaças necessitam de uma criteriosa avaliação do custo benefício, o que muitas vezes inviabiliza o projeto. O sindicato defende a necessidade de se analisar caso a caso. O Sindarma estima que, dependendo da embarcação, o upgrade se torna inviável. Alencar Júnior citou as balsas de grãos, modelo Mississipi, bastante utilizadas no Norte como exemplo dessa inviabilidade.
Entre os segmentos que mais vêm demandando consultas e pedidos ao Estaleiros Amazônia (Easa) estão operadores de rebocadores portuários, algumas tradings de granéis agrícolas com projetos de novos terminais fluviais. O diretor do Easa, Paulo Lemgruber, explicou que as embarcações fluviais, quando não sofrem os desgastes da corrosão marinha, têm vida longa, podendo superar os 50 anos. Para Lemgruber, o prolongamento excessivo, sem restrições pelas autoridades, reduz o mercado da indústria naval, pois são serviços realizados por terceirizados informais. “Muitas embarcações regionais estão paradas, devido às concorrências da cabotagem de grandes porta-contêineres e às mudanças das logísticas das grandes companhias no abastecimento da região, com menor número de maiores comboios”, observa.
O diretor comercial do Estaleiro Rio Maguari (ERM), Fábio Vasconcellos, observa que as empresas normalmente procuram manter de maneira adequada suas frotas para aumentar a vida útil, a fim de maximizar os investimentos realizados e procuram renovar a frota quando necessário. Vasconcellos relatou a existência de barcaças operando com cerca de 30 anos em estado satisfatório de conservação e segurança devido ao cuidado que a maior parte das empresas de navegação tem e à competência dos estaleiros de reparo locais. “As oportunidades para estaleiros de reparos na região estão aquecidas há algum tempo e deverão crescer cada vez mais com o aumento permanente da frota”, analisou Vasconcellos.