Estaleiros especializados em embarcações de serviço começam a perceber um incremento de demandas relacionadas ao apoio marítimo. Ainda que não exista no horizonte um programa para renovação da frota, como o Prorefam, houve um incremento do número de barcos de apoio em águas brasileiras ao longo de 2022 e existem perspectivas de novas plataformas offshore até 2031. Outros segmentos que foram mais resilientes nos últimos anos, como apoio portuário e embarcações de navegação interior, seguem com consultas ou com projetos previstos para o curto ou médio prazo. Parte dos estaleiros também tem no radar o mercado eólico offshore, em fase de regulamentação no país e que pode demandar conversões e novos tipos de embarcações no mercado brasileiro para os próximos anos.
A Wilson Sons já consegue perceber um mercado mais aquecido em termos de demandas para construção, reparos e demais serviços. O diretor-executivo dos estaleiros da Wilson Sons, Adalberto Souza, observa aumento da demanda por novos orçamentos para construção, docagens e consultas técnicas para outros serviços no segundo semestre.
“Houve um aumento de consultas a partir do segundo semestre deste ano. Não consigo identificar demanda reprimida, mas sim planejamento para um futuro, que se mostra promissor”, analisa Souza.
A carteira da Wilson Sons tem contrato para a construção de seis rebocadores em seu estaleiro, sendo que dois já foram entregues e os demais estavam em processamento até o fechamento desta reportagem. Souza destaca que os novos rebocadores já incorporam novas tecnologias, que incluem o TIER III — padrão para emissão de gases, reduzindo significativamente a emissão de particulados na descarga de gases (óxido de nitrogênio). O padrão não é obrigatório na América do Sul. “Ressalto também a casaria não soldada ao casco e sim ‘flutuante’, não transmitindo vibrações para as acomodações e, assim, permitindo que esse rebocador tenha uma notação de classe CAC3 de conforto à tripulação”, acrescenta o diretor.
Para os próximos anos, a Wilson Sons vislumbra projetos de rebocadores com redução nas suas emissões, que utilizem baterias ou combustíveis alternativos, como biodiesel, metanol e etanol, que vêm sendo estudados e desenvolvidos pelo setor marítimo. A empresa também tem no radar barcos de apoio offshore, inclusive para o suporte de parques eólicos (Wind Farm Support Vessels).
Apesar de não ter havido investimentos recentes, Souza destaca que, há 10 anos, o grupo investiu no novo Estaleiro Guarujá 2, que é um dique único no estado de São Paulo. “Não acreditamos em desafios tecnológicos, mas sim na capacitação de mão de obra para nossa atividade, que exige um grande valor à segurança. É uma atividade presencial, ‘tailor made’”, diz Souza.
A empresa, que tem estaleiros no Guarujá (SP), vê ainda uma nova demanda por capacitação de profissionais. Souza conta que a pandemia fez com que a Wilson Sons reduzisse a força de trabalho, que se adaptou a outras atividades. “A retomada exigirá demanda por capacitação, o que para nós, dos estaleiros da Wilson Sons, é o retorno de 10 anos quando inauguramos nosso segundo estaleiro e capacitamos, com o suporte do Senai, 500 profissionais”, compara Souza.
O Estaleiro Navship (SC), do grupo norte-americano Edison Chouest, tem reparos e conversões da própria frota como os principais projetos e serviços em sua carteira. Para os próximos anos, o estaleiro tem como potenciais novos projetos PSVs (transporte de suprimentos) 4.500 ou superiores e AHTS (manuseio de âncoras) 18.000 e 21.000. “Como construímos para o nosso próprio grupo, ainda não notamos nenhuma consulta. Há demanda, porém, como não há o contrato, não se constrói”, diz o diretor da Edison Chouest Offshore na América Latina, Ricardo Chagas.
“O mercado está voltando a demandar mais embarcações do tipo PSV 4500+ e AHTS de grande porte, mas as operadoras ainda não sinalizaram termos contratuais que justifiquem as construções. O que está em grande demanda são as conversões e reparos de embarcações”, ressalta Chagas.
O diretor da Edison Chouest acredita que, consolidando o reaquecimento do setor nos próximos anos, haverá uma nova demanda por capacitação de profissionais. Até lá, o Navship pretende manter um efetivo mínimo, pois segue construindo um PSV 5000. Chagas considera que viabilizar novos projetos nos próximos anos passa pelo crescimento da demanda da Petrobras, que ainda é a única empresa no Brasil que pode criar um programa de construção conforme ocorreu no passado, com foi o Prorefam.
Chagas destaca que o estaleiro Navship, desde quando foi concebido, nunca parou de se modernizar. “Reforçamos os lançadores para construir embarcações de maior porte. O sistema de corte de chapas foi modernizado e novos galpões foram erguidos para facilitar a construção dos módulos protegidos do tempo”, diz o diretor da Edison Chouest.
O estaleiro Belov (BA) vem recebendo uma série de consultas e participa de concorrências para a construção de novas embarcações. “Os processos são lentos, mas acreditamos que teremos um grande crescimento nos próximos anos, pois existe sim uma grande demanda reprimida, principalmente agora que a Petrobras voltou a licitar para contratar muitas embarcações”, analisa o diretor de obras e serviços subaquáticos da Belov Engenharia, Juracy Gesteira.
Ele conta que o estaleiro tem orçado diversos projetos para novas construções com valores relevantes, principalmente comparado aos últimos anos. “Com o fim da pandemia e das extensões para os prazos de docagens, esse mercado [de reparos e docagens] tem tido muita procura. Estamos com uma grande procura por esse tipo de serviço e esperamos um aquecimento ainda maior em 2023”, projeta Gesteira.
Além dos dois empurradores híbridos, considerados os primeiros do planeta, que estão em fase final de construção, o estaleiro da Belov tem em carteira a conversão de um PSV em um OTSV (Offshore Terminal Support Vessel). Gesteira diz que, após a construção dos primeiros DSVs de mergulho raso do mundo com a tecnologia do sistema diesel-elétrico com a propulsão principal com hidrojato e posicionamento dinâmico tipo 2 e dos primeiros empurradores híbridos do planeta, o estaleiro tem um grande desafio tecnológico de conversão desse PSV.
O diretor da Belov Engenharia acrescenta que é uma embarcação com uma série de particularidades inéditas. “Está sendo um grande desafio para o nosso time de engenharia. Além desses projetos e dos serviços de docagem e reparos navais, estamos concluindo um projeto para iniciar ainda este ano as obras de uma embarcação para transporte de materiais sólidos, que será do próprio grupo Belov”, relata Gesteira.
Na avaliação da Belov, se as expectativas e as contratações se concretizarem, certamente o mercado precisará de mais mão de obra especializada e as capacitações de profissionais na área naval serão inevitáveis nos próximos anos. O foco principal do estaleiro é a construção de embarcações com grande valor agregado, seja por tecnologias inovadoras e disruptivas, seja por complexidades construtivas ou prazos curtos.
“Temos tido resultados positivos nas embarcações que construímos com essas características e os clientes estão reconhecendo essa nossa capacidade. Mas, como essa mudança é lenta, as construções mais triviais continuam em nosso radar e o aumento de contratações de embarcações de serviço e apoio portuário deve aquecer o mercado em 2023”, acredita Gesteira.
A Belov também vislumbra pegar parte desse mercado de embarcações de serviço e apoio portuário. Como os clientes têm buscado soluções mais ecologicamente corretas e com menor custo operacional (Opex), a empresa projeta um aumento nesse tipo de demanda nos próximos anos, ainda que os aportes (Capex) sejam maiores. A Belov também acompanha de perto e vem investindo tempo e engenharia focando o mercado eólico offshore, assim como o descomissionamento de plataformas fixas de águas rasas, que estão com boas expectativas a curto e médio prazo.
Na avaliação da Belov, apesar de o mercado offshore e portuário começar uma onda de crescimento que aparenta ser sustentável, o principal desafio é o fomento que permita o desenvolvimento da indústria. Gesteira pondera que a questão é complexa, pois vai desde ações para viabilizar crédito com baixos juros num mercado de taxas elevadas, mas também melhorar os sistemas tributários e legais que deem uma segurança para quem desejar investir com retorno a longo prazo.
“Precisaremos do esforço de todas as esferas governamentais para permitir que nossa indústria não perca espaço para o mercado internacional já que demanda existe. O desafio é incentivar para que seja interessante manter as construções navais em território brasileiro”, afirma Gesteira. O estaleiro da Belov é relativamente novo na construção de embarcações para terceiros.
A unidade começou com a construção de embarcações para o próprio grupo Belov e depois ampliou para construção para outros armadores. “Investimos continuamente não só em processos e equipamentos, mas também em mão de obra”, destaca Gesteira. Ele cita uma parceira para que os carretéis de mangotes que serão instalados no OTSV fossem construídos a quatro mãos, parte na Belov e parte importada, com montagem final e comissionamento feitos pelo estaleiro. “No final todos ganham, inclusive o cliente que tem um custo mais reduzido”, acredita Gesteira.
O Estaleiro Rio Maguari (PA) vislumbra uma continuidade na demanda na navegação interior e um aumento na procura por embarcações de apoio portuário. “O mercado de apoio portuário está aquecido, há boas perspectivas para esse segmento. E, apesar de não estarmos no mercado de reparos, temos sido consultados por operadores que buscam alternativas para este serviço e os estamos direcionando para estaleiros locais”, pontua o diretor comercial do ERM, Fábio Vasconcellos.
Ele conta que a carteira de embarcações de navegação interior do ERM continua estável e que o estaleiro está com contratos de construção de rebocadores portuários e conjuntos de embarcações para cabotagem. O diretor comercial do ERM explica que não existe especificamente um aumento, e sim uma estabilidade nas consultas por embarcações nos mercados em que o estaleiro atua — navegação interior e apoio portuário principalmente.
“Temos recebido consultas no mercado de cabotagem também, para embarcações de médio porte. Com a definição política de outubro [eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para presidência da República], esperamos que alguns investimentos que estavam em compasso de espera, aconteçam”, avalia Vasconcellos.
O estaleiro vê uma nova demanda por capacitação de profissionais. O entendimento é que, com a diversificação da carteira e a construção de embarcações mais complexas, já teve início uma busca por profissionais mais capacitados, bem como uma melhor capacitação dos atuais. Para Vasconcellos, o principal desafio para viabilizar novos projetos sempre foi e continuará sendo o desempenho satisfatório dos projetos em andamento. “Essa é a única forma de sobrevivência de longo prazo”, afirma o diretor do ERM.
Vasconcellos ressalta que uma das apostas do estaleiro é sempre investir em aumento de produtividade. “Com a entrada de projetos mais complexos, estamos investindo na capacitação de pessoal, aquisição e modernização de equipamentos visando maior capacidade de deslocamento e içamento de carga, no aumento da capacidade de detalhamento de projetos e melhoria nos processos produtivos”, destaca Vasconcellos.
O estaleiro Detroit (SC) também segue em atividade, construindo rebocadores para armadores diversos, principalmente para a Starnav, empresa de navegação do grupo. Em setembro, o estaleiro lançou o 94º rebocador da história da empresa, que está envolvida em novos projetos, entre os quais seis embarcações em andamento, quatro rebocadores e dois wellboats.
O grupo enxerga tendência de crescimento, considerando o atual cenário do mercado. O diretor comercial da companhia, Marcelo Rampelotti, diz que a atividade passa por um momento de demanda reprimida no setor de embarcações por parte de petroleiras estrangeiras, além de um leve incremento das frotas portuárias e de apoio offshore.
Ele ressalta que, desde a entrega das embarcações especializadas para o mercado de salmão no Chile, o estaleiro vem incrementando seus planos para ampliar sua atuação internacional. “Já entregamos duas embarcações ao mercado de salmão e mais duas estão em construção neste momento”, conta.
O estaleiro também intensificou a participação em eventos internacionais, como a Aquasur (do mercado de salmão) no Chile e o ITS (encontro do mercado de rebocadores) que, este ano, ocorreu na Turquia. A estratégia, segundo o diretor comercial, foi apresentar o estaleiro e as embarcações para o mercado internacional.
Em outubro, o gerente de gás, petróleo e cadeia produtiva do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), André Pompeo Mendes, disse que o Brasil tem cada vez mais como desafio trazer novos nortes para a indústria naval e buscar nichos que deem sustentabilidade e atividades perenes ao longo das próximas décadas. Ele acredita que, se o país souber escolher nichos e fazer um programa de Estado que seja perene, a construção naval deixará de ser cíclica. Na visão do banco de fomento, a solução também passa por aumentar o escopo de apoio dos recursos do Fundo da Marinha Mercante (FMM).
A leitura do BNDES é que o FMM hoje apresenta um excesso de caixa e baixa demanda de novos projetos de investimentos, o que permitiria ampliar esse escopo sem prejudicar o apoio tradicional. Mendes menciona que o fundo setorial hoje tem em torno de R$ 7 bilhões parados. Em 2019 eram aproximadamente R$ 20 bilhões, porém parte dos recursos parados foi destinada ao Tesouro Nacional.
Mendes destaca que, de 1999 a 2020, o BNDES apoiou a construção de 20 petroleiros e de 135 embarcações de apoio offshore, segmento este em que os estaleiros nacionais alcançaram produtividade e competitividade, com lastro de contratos operacionais de longo prazo. Ele ressalta que os contextos mudaram e que a indústria naval vem buscando alternativas para reativar as atividades, principalmente os estaleiros de grande porte.
“Talvez 2025 comece a ter demandas para construção de novas embarcações, porém feitas em cima de estruturas diferentes do passado. Uma possível retomada será feita em contextos diferentes. Desafios para o empreendedor e para o financiador”, afirmou Mendes durante painel do 29º Congresso Internacional de Transporte Aquaviário, Construção naval e Offshore, promovido pela Sociedade Brasileira de Engenharia Naval (Sobena), no Rio de Janeiro (RJ).
Na ocasião, ele acrescentou que, apesar da curva de aprendizado e da redução de custos na construção de embarcações de grande porte e de plataformas naquele período, o setor ainda enfrentava dificuldades para competir com os baixos custos oferecidos pelos concorrentes asiáticos. O cenário atual, salientou o gerente, é de queda no número de empregos na construção naval e de baixa perspectiva de novas encomendas no curto prazo.
Para o gerente do BNDES, o setor naval brasileiro está passando por uma fase de transição e ajustes em que precisa encontrar novos modelos de negócio sustentáveis. Segundo Mendes, existem novas oportunidades de negócios relacionados ao setor naval ou setores afins, além de práticas socioambientais e de governança (ESG) para atividades que o FMM poderia apoiar.
Entre as propostas de apoio com recursos do FMM listadas pelo BNDES está o financiamento aos gastos locais para aquisição, construção e integração de módulos de plataformas de petróleo. As expectativas são de entrada em operação de cerca de 30 unidades de exploração e produção entre 2021 e 2031, com investimentos domésticos entre R$ 2 bilhões e R$ 3 bilhões por ano a partir de 2021, além do incremento do número de embarcações de apoio às novas plataformas.
O BNDES também estuda o financiamento para fabricação de navipeças, o que contribuiria para a desverticalização do setor e especialização da indústria fornecedora, com diversificação industrial de forma a mitigar riscos de descontinuidade em tempos de crise. O tempo de reparo e reposição de um equipamento nacional e assistência técnica tendem a ser menores. Outra frente avaliada, segundo Mendes, é o incentivo à construção ou modernização de embarcações mais eficientes e menos poluentes, como forma de fomentar o desenvolvimento tecnológico.
Com a flexibilização das restrições sanitárias contra a Covid-19, o estaleiro São Miguel (RJ) teve uma demanda considerável de reparos em 2022, além da construção de dois batelões para clientes externos. “Já começamos a receber consultas para serviços de docagem e adequação de embarcações para atendimentos a novos contratos ainda para este ano, bem como para 2023. Isto mostra que o mercado esboça uma retomada, ainda que de forma um pouco reprimida, porém o suficiente para prospectarmos novas demandas para os próximos meses”, analisa o coordenador comercial do estaleiro São Miguel, Marcos Porto.
Ele acrescenta que, com a captação de novos clientes, o estaleiro do grupo Bravante tem realizado serviços de manutenção geral, docagem e adequação para atendimento a novos contratos, tanto em embarcações da frota das demais empresas do grupo, quanto de outros clientes. “Nos últimos dois anos, entregamos dois batelões e dois rebocadores. E ainda temos mais um em fase final para entrega”, destaca Porto.
O coordenador comercial do São Miguel diz que, por conta da pandemia, houve uma desaceleração nas docagens e demais projetos, que ficaram paralisados aguardando o desdobramento do cenário de então e que, agora, estão retornando de forma não tão reprimida. “Há ocasiões em que a oferta é menor que a procura, o que mostra que, aos poucos, o mercado está começando a aquecer”, ressalta. Segundo Porto, o estaleiro vem trabalhando em projetos para construção de novas embarcações, adequações de embarcações para atendimento a novos contratos, docagens e reparos de um modo geral.
Outra aposta do São Miguel e da Bravante, de acordo com o coordenador, é investir nos colaboradores. “O estaleiro não apenas incentiva, mas treina, capacita e promove programas de motivação e crescimento profissional. Com a preparação destes novos profissionais, juntamente com a contratação de outros já experientes no mercado, o estaleiro tem expandido sua visão para novas oportunidades, soluções criativas e desenvolvimento de novas tecnologias”, afirma Porto.
Na avaliação do estaleiro, o mercado fica a cada dia mais competitivo e a empresa que deseja se manter nele precisa estar atenta às mudanças. Porto observa que, nos últimos anos, algumas empresas encerraram suas atividades, ocasionando uma evasão da mão de obra para outros ramos. Recentemente, o estaleiro São Miguel investiu na instalação de receptores nas duas gruas do cais para operação remota, além de adquirir um compressor de ar para aumento da demanda. Porto conta que o estaleiro também iniciou o processo de implantação de um sistema de gestão integrada (ISO 9001/45001/14001).
“É preciso investir na renovação e qualificação da mão de obra específica para o reparo e construção naval, além de investimento, também, em sua infraestrutura, equipamentos e processos. Somados a isso, ter uma gestão dinâmica e proativa, tanto na área comercial como de marketing, sempre atenta às demandas do mercado”, comenta Porto.