Conversamos com o deputado federal Alexandre Lindenmeyer (PT-RS) sobre a indústria naval brasileira. No próximo mês, o deputado lançará a Frente Parlamentar da Indústria Naval Brasileira, cuja organização contou com o apoio de 200 deputados federais.
Qual a sua avaliação sobre o atual estado da indústria naval brasileira?
Eu diria que o momento não é de retomada, mas de conquista de novos contratos e de ampliação de novos negócios. Para isso, tem que haver uma coparticipação do Estado brasileiro, fomentando essa atenção aos negócios na área da construção naval.
Digo isso por conta de alguns fatores. Nós vivenciamos um período onde o Brasil investiu muito na construção naval, principalmente através da Petrobras, que foi uma indutora de desenvolvimento no setor, com programas como o Prominp (Programa de Mobilização da Indústria de Petróleo e Gás Natural), principalmente com a descoberta do pré-sal, entre 2005/2006, uma conquista extraordinária para o País. Aí surgiu uma demanda por equipamentos e, consequentemente, um conjunto de programas.
Voltando um pouco mais no tempo, se falarmos da legislação de 1999, nós tivemos o Prorefam (Programa de Renovação da Frota de Apoio Marítimo da Petrobras), que teve um resultado muito importante com mais de 350 embarcações de apoio construídas através dele. Depois, com a questão do pré-sal, se entendeu que havia uma necessidade de estabelecermos uma remobilização da indústria nacional pelas oportunidades que surgiam com essa descoberta, que colocou o Brasil hoje como autossuficiente em petróleo, e que ensejou uma demanda por equipamentos, tanto plataformas quanto barcos de apoio e navios petroleiros.
Em termos de momento, a Petrobras sinaliza o começo de contratação e de revisão dos seus editais quanto à questão de conteúdo local. Menciono também a sinalização da Transpetro para contratação de navios, podendo rever a questão da BR do Mar, que, do meu ponto de vista, é um equívoco para o país. Nos Estados Unidos, a frota da marinha mercante é, praticamente, toda nacionalizada, com tripulações nacionalizadas, enquanto no Brasil nós fazemos o contrário. Nós estamos terceirizando, trabalhando com a permissão para que bandeiras estrangeiras possam trabalhar dentro do nosso país, com uma exigência pífia de um terço de tripulação brasileira, normalmente a de menor salário. Tem que haver uma revisão desse ponto.
Com relação à Lei 10.893/2004, que trata do adicional de frete, ela potencializou, através do Fundo da Marinha Mercante, o financiamento de obras nessa área. Outro ponto foi a exigência de conteúdo local, que foi importante no sentido de procurar envolver a indústria nacional na ideia de que pudéssemos agregar mais valor ao nosso país e não na exportação do emprego.
Ao mesmo tempo, nós tivemos um grave problema, que é o fato de não termos uma política de Estado, e sim de governo. Com a mudança que ocorreu após a queda da presidente Dilma, nós tivemos a abertura do mercado nacional de exploração do pré-sal por parte da Petrobras, e, na sequência, um processo de desinvestimento da companhia que acabou culminando, além da venda de refinarias, na lógica de construção de praticamente tudo fora do país, principalmente nos países asiáticos.
Embora alguma parte dessa construção tenha ficado, o conteúdo local exigido na área, de 25%, 30%, é muito pouco. Talvez isso fique restrito a mão de obra ou alguma coisa nesse sentido. Comparativamente, o que a construção local pode trazer ao setor naval em termos de geração de emprego, renda, impostos e agregação de novas tecnologias é uma oportunidade estratégica.
Para além da questão da Petrobras ou da Transpetro, estamos num país onde hoje se fala da Amazônia Azul ou da economia do mar, com rios e lagos, e que pode utilizar esse vasto potencial para a construção de navios como os graneleiros, o que já tem sido feito. Na região Norte, a construção naval está se acelerando. Em Santa Catarina, temos estaleiros construindo graneleiros para serem usados em outras regiões do país.
Eu vejo um cenário onde a construção naval está se acelerando, contudo nós temos que ter um olhar de como funciona o mundo. Na China, os estaleiros são, praticamente, vinculados ao Estado. No começo da década de 2010, eu tive a oportunidade de conhecer o estaleiro da Daewoo, na Coreia do Sul, quando me disseram que, para que a indústria naval dê certo, ela tem que ter o olhar estratégico do Estado. Por exemplo, por conta da crise mundial que enfrentamos, atualmente os estaleiros coreanos estão passando por um processo de recuperação, com o Estado dialogando com setor financeiro.
Se olharmos a questão de preço, é mais barato produzir em outros lugares devido a diferenças de legislações fiscais, trabalhistas e assim por diante. Agora, o que se investe lá fora, fica lá fora. O que se investe no nosso País, retorna para o próprio País.
A Petrobras lançou o edital da P-84 e P-85 e contratou a P-80 e a P-82 com Cingapura, que fez uma sublocação com um estaleiro chinês. Essas duas plataformas, a P-80 e a P-82, estão estimadas na casa de R$ 15 bilhões, o que em dólar ficaria na casa dos US$ 3 bilhões. Se olharmos o que foi construído no país, como a P-75 e a P-77, cada uma ficou na casa de US$ 950 milhões. Com a P-80 e a P-82, nós teríamos a possibilidade de aumentar o conteúdo local, mas não de forma abrupta devido ao contexto atual. Nós temos que trabalhar em algo similar ao Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), retomando a qualificação de mão de obra.
Em Santa Catarina, a Marinha está construindo quatro fragatas e se articulou com a Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro) para que um grupo de fornecedores estabelecidos no Brasil pudessem acelerar a questão do conteúdo nacional. Eu digo a mesma coisa com relação ao meu estado, Rio Grande do Sul, para a Fiergs (Federação das Indústrias do estado do Rio Grande do Sul). A indústria tem que se sentir copartícipe desse processo para que possamos aumentar o conteúdo nacional.
Eu me lembro da Petrobras apresentando seu planejamento estratégico e convidando as indústrias a se inserirem nas pautas de contratação. Só que com a mudança da política nacional e com a questão da Lava Jato, o setor de fornecimento de bens passou por uma diminuição significativa, o que nos desafia a dialogar com todos os setores, como os trabalhadores, o Sinaval (Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore), o Sindicato da Indústria Pesada e os petroleiros. É preciso que haja uma política que enxergue o fornecimento dos estaleiros para o setor privado, que tem uma demanda considerável.
Indo além, a transição energética é uma grande oportunidade batendo à porta. O fato de o petróleo do pré-sal ser de excelente qualidade, com menor teor de enxofre e gás carbônico, faz com que a tendência, considerando as restrições que estão sendo impostas, seja de que o petróleo brasileiro seja mais valorizado. Com isso, precisamos de equipamentos.
Ao mesmo tempo, a receita que vem do petróleo pode ser destinada ao desenvolvimento de tecnologias para captação de energia limpa. Por exemplo, quando eu falo dos parques eólicos offshore, eu também falo do setor naval. Na costa do Rio Grande do Sul, existem 50 projetos em curso que estão em análise ambiental. Quando se fala desses parques, também estamos falando de barcos de apoio e de estruturas que precisam de locais para serem construídas. Na Europa, os estaleiros já são copartícipes da construção de torres e pás devido às tecnologias que possuem.
O momento nos desafia, mas é uma oportunidade de reaquecimento do setor. Para isso, tem que haver um olhar do país para a sua indústria naval.
Na sua opinião, o que precisa ser feito para que a indústria naval brasileira se estabeleça de forma sólida, perene e eficiente, de forma a produzir navios a preços competitivos em comparação ao mercado internacional, atendendo tanto ao mercado interno quanto ao mercado externo?
Para termos competitividade, é preciso ter mão de obra qualificada; incentivo, planejamento e identificação de toda a cadeia de suprimentos que possa haver no país; e uma política de conteúdo local que não aumente o parâmetro no “canetaço”, mas que enxergue tudo aquilo que pode ser agregado e comprado no país, potencializando o setor e os empregos e estimulando a contratação de mão de obra, que pode ser qualificada através de programas como o Pronatec e Prominp, e também dentro dos institutos federais e das universidades.
Eu cito o exemplo prático da minha cidade, Rio Grande (RS). Nós tivemos um conjunto de novos cursos para qualificação de mão de obra. Isso fez com que tivéssemos o ápice de pleno emprego. Engenheiros, que trabalhavam até como camelôs, passaram a ser mão de obra rara. Todo mundo passou a ser absorvido.
Posteriormente, muita mão de obra que foi qualificada no Brasil acabou indo trabalhar no estrangeiro, em países como China, Cingapura, Coreia do Sul, Canadá e Estados Unidos. Brasileiros que haviam sido qualificados, mas que, com a mudança na política nacional, foram exportados.
Como disse, tem que haver uma política de Estado que passe por um olhar do governo articulado com os setores. É por isso que é importante que o parlamento debata esse tema com os setores, para que possamos, dialogando com o próprio governo brasileiro, construir políticas adequadas à importância do setor de construção naval.
Eu já escutei pessoas dizendo “não, conteúdo local não dá”. A própria Inglaterra está retomando uma política para fortalecer a sua indústria naval. Os Estados Unidos protegem a sua indústria quando contrata 100% das suas embarcações no próprio país.
O Brasil tem que avançar nessa pauta, fortalecendo a sua indústria. Competitividade e preço também se conquistam com o tempo. Quando se falava em 10 anos para qualificação de mão de obra, era preciso buscar uma governança que funcionasse de forma mais eficaz no curto prazo, mas nós estávamos num processo de implantação e ampliação.
Hoje, temos estaleiros que estão funcionando muito bem, como o estaleiro que está construindo as fragatas (ThyssenKrupp Estaleiro Brasil Sul). O próprio estaleiro Brasil EBR, em São José do Norte (RS), tem um trabalho importante, mas também sofre pela questão dos suprimentos.
Preço por preço, volto a dizer, muitas vezes nós podemos encontrar mais em conta lá fora, mas, como já disse, a China tem todos os estaleiros estatizados, e mesmo com Cingapura ganhando uma concorrência, ela subloca para um estaleiro chinês. Se estabelecêssemos pelo menos 40% de conteúdo local, já estaríamos falando em algo de mais de R$ 160 bilhões de recursos que ficariam no país por conta da carteira de negócios que se tem em torno dos projetos que estão no planejamento do setor.
Na sua avaliação, quais foram os principais erros e acertos das políticas públicas de fomento à indústria naval adotadas nos últimos 20 anos no Brasil?
Nós tivemos acertos como o Prominp; o programa de renovação da marinha mercante brasileira, tanto é que vários navios e barcos de apoio foram construídos; o adicional de frete para criação de uma linha de recursos para financiamento da construção naval; e a questão do conteúdo local. Por conta de tudo isso, tivemos o número de empregos que foram gerados e de plataformas que foram entregues. Esse conjunto de ações foi exitoso.
Contudo, eu me atrevo a dizer que toda vez que o Brasil começa a crescer muito num setor industrial, para além de produções como de implementos agrícolas e automobilísticos, nós encontramos alguns problemas. Nós tivemos problemas até dentro de uma disputa internacional. O Brasil descobriu o pré-sal, passou a ser autossuficiente no petróleo e criou um fundo soberano destinado a investir na educação e na saúde do seu povo, mas, de uma hora para outra, tudo isso foi derrubado.
Hoje, o país exporta, diariamente, 1 milhão de barris para importar petróleo manufaturado; vende refinarias; faz uma política de desinvestimento; despotencializou a sua indústria nacional e parou de dar continuidade ao projeto do Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro), que, além da refinaria, tinha a petroquímica agregada. Esses foram erros estratégicos.
Eu não estaria pensando tanto na questão do resultado do acionista. Quando se investe nos equipamentos e na infraestrutura de uma refinaria, se investe por hora. Pode ser mais barato produzir lá fora, mas, dependendo da valorização do barril do petróleo, quem tem equipamento quer construir para si.
O petróleo é um dos primeiros no ranking em termos de divisas para o Brasil. Como a tendência é ampliar ainda mais o volume de extração de petróleo, defendo a ideia de que possamos passar a beneficiá-lo no próprio país, gerando a implementação de novas refinarias e otimizando as refinarias existentes, de forma a que deixemos de importar diesel e outras coisas que estão vindo de fora.
Temos agora o desafio da requalificação da mão de obra, o mapeamento da cadeia de suprimento e a instigação do surgimento de micros, pequenas e médias empresas que possam fornecer para o setor. Dentro desse contexto, eu sou otimista. Nós vamos superar as dificuldades do momento. Tenho convicção naquilo que deu certo no passado e de que os erros possam ser superados.