Segundo João Azeredo, presidente da ABEEMAR, a indústria naval brasileira precisa de uma política de estado, e não de governo.
Conversamos sobre o lançamento da ABEEMAR, Associação Brasileira das Empresas da Economia do Mar, ocorrida nesta semana no Rio, com o seu presidente, João Azeredo.
O que levou a fundação da ABEEMAR?
Eu venho da Abenav (Associação Brasileira das Empresas de Construção Naval e Offshore), que havia sido criada pelo Sinaval (Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore) na época da retomada da indústria naval, no início dos anos 2010. O propósito da Abenav era auxiliar na construção de uma indústria naval mais competitiva, sustentável e perene.
Eu fiquei na associação até 2018, quando fui para o setor elétrico. Posteriormente, fui chamado para fazer parte do Sinaval e recebi como missão a reativação da Abenav, que havia sido fechada com a crise da indústria naval. Isso porque havia uma demanda anunciada pela Petrobras que geraria o desafio da retomada do setor, mas para isso seria preciso preparar a cadeia fornecedora.
O ponto é que a Abenav tinha como foco a indústria de construção naval e havia novos temas para serem trazidos, como a transição energética, a governança e a inovação. Além disso, nós temos uma demanda muito grande da economia do mar, já que a indústria naval é a principal fornecedora dos seus ativos.
Por exemplo, uma petroleira precisa de plataformas e de embarcações de apoio, a indústria de pesca precisa de barcos e a indústria do lazer precisa de embarcações de lazer que são construídas por estaleiros nichados. Se olharmos para a geração de energia eólica, essas empresas precisam de embarcações de apoio. É por isso que a indústria naval está no cerne da economia do mar.
Então, por que não convergir as ações dessas áreas numa associação que trabalhe pelo desenvolvimento da economia do mar? O Brasil é um país que possui uma extensa área marítima que faz com que o mar seja um grande indutor econômico. É por isso que a ABEEMAR inicia as suas atividades com a indústria naval, mas também tem o propósito de atrair outros agentes para que ela se torne um fórum sobre a economia do mar.
Como a entidade pretende atuar?
Além de ajudar no desenvolvimento dos negócios dos nosso estaleiros e da indústria como um todo, incentivando network, gerando conteúdos, aproximando a academia da indústria e qualificando a mão-de-obra, nós pretendemos fazer diversas ações voltadas para as questões da transição energética, como o hidrogênio verde, as eólicas offshore e a forma como a substituição dos combustíveis de navegação vão afetar os estaleiros e a cadeia fornecedora; de governança, com o objetivo de aumentar a competitividade e a eficiência da indústria como um todo e deixar suas ações mais claras; e de inovação, pois o grande segredo de qualquer país de primeiro mundo é o seu grau de inovação.
Enquanto o Brasil não possui um centro de tecnologia para a indústria naval, eu tive a oportunidade de visitar, recentemente, o gigantesco centro de tecnologia da Coréia do Sul que ajuda a desenvolver a indústria naval local. Por exemplo, existem segmentos de embarcações que são altamente tecnológicas. Nós precisamos resolver a questão da inovação, não só de tecnologia, mas também de processo
Vocês estão vendo ambiente político e empresarial para o desenvolvimento das atividades da Associação?
Eu estou participando de nove grupos de trabalho pelo Sinaval com o Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, comércio e Serviços), três com a Petrobras e três com a Frente Parlamentar, e é unânime: todos estão falando que nunca viram os agentes do setor se comunicando tão bem quanto dessa vez. Parece que todos aprenderam com o passado e estão conversando de maneira a se construir um futuro duradouro.
O próprio governo está muito aberto a construir uma política de Estado. A indústria naval sempre teve picos e vales porque não se olhou para ela como uma política de Estado, e sim como uma política de governo. Sai um governo, a política acaba morrendo e você não tem continuidade, o que faz com que tenhamos crises.
A China e a Coreia do Sul possuem políticas de estado. Seus governos colocam encomendas nos estaleiros quando falta, pois, a indústria naval gera uma série de benefícios para o próprio governo, como mais arrecadação de impostos, e para a população, como mais emprego e renda. Por exemplo, no caso das prefeituras, quando você tem um estaleiro construindo grandes embarcações e com um relevante número de empregados, você desafoga a saúde pública, pois seus empregados recebem plano de saúde, e movimenta a economia do local, pois a pessoa sai do estaleiro para tomar uma cerveja no quiosque da esquina, compra pão na padaria e coloca o filho numa escola particular.
Quais são as principais lições que a indústria naval pode tirar dos anos recentes?
Esse é um tema que é muito utilizado contra a indústria naval. “Como os estaleiros foram alvos da Operação Lava Jato, o plano de retomada da indústria é para financiar a corrupção”. Isso é uma mentira, pois todos os estaleiros, depois da Lava Jato, implementaram sistemas de gestão anticorrupção e se prepararam para mostrar transparência e integridade para os seus clientes.
Como todos os investimentos em tecnologia e infraestrutura já foram feitos pelos estaleiros para atendimento das encomendas do passado, eles estão prontos e preparados para atenderem às novas demandas anunciadas pelo governo e pela Petrobras, através do PAC, mas que ainda não aconteceram.
Mas em termos de qualidade, quais foram as lições tiradas pela indústria naval dos anos recentes? Por exemplo, eu me lembro que o petroleiro ‘João Cândido’ apresentou diversos problemas quando foi lançado ao mar em 2012.
Toda indústria possui uma curva de aprendizado. Quando o primeiro navio foi construído em Pernambuco, muitas pessoas tiveram que ser alfabetizadas. Cortadores de cana viraram soldadores. O estaleiro fez o papel que deveria ter sido feito pelo governo, com tudo isso impactando na curva de aprendizado.
Quando nós pegamos os índices de produtividade do João Cândido e comparamos com o último petroleiro que foi entregue, a HH (Homem/Hora) passou de 155, 160, para 55 por tonelada (quantidade de homem/hora utilizada para produção de uma tonelada). Quando se chegou a esse índice, nós atingimos um patamar de produtividade quase comparado ao coreano, que é o benchmark internacional.
Como em toda indústria, o que precisamos é de perenidade. A constância das encomendas eleva a produtividade. A Coreia tem encomendas de navios até 2028.