Relatório apresentado ao governo esta semana apontou riscos da legislação à navegação e à construção naval brasileira. Documento cita importação de embarcações estrangeiras sem impostos, redução da alíquota do AFRMM e abertura do FMM para projetos portuários.
O relatório 2023 da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Indústria Naval Brasileira concluiu que, em relação ao BR do Mar (Lei 14.301/2022), o melhor para o desenvolvimento da indústria naval e da navegação brasileira, é a atualização responsável das leis 9.432/1997 (tráfego aquaviário) e 10.893/2004 (AFRMM/FMM), e não a ‘demolição’ das políticas nelas estabelecidas e bem-sucedidas — conforme entende ter ocorrido a partir do programa de cabotagem. O grupo considera crucial que estes pontos sejam cuidadosamente revistos e observa que a minuta do decreto de regulamentação do BR do Mar, que tem sido veiculada no governo e no setor, não parece estar endereçando as questões de maneira satisfatória.
O documento, entregue ao governo na última quarta-feira (13), sugere modificar o BR do Mar para reduzir drasticamente a flexibilização de importação de embarcações estrangeiras sem impostos para operação na cabotagem e o acesso do setor portuário ao Fundo da Marinha Mercante (FMM). Para a frente parlamentar, a indução de demanda é fundamental, assim como a manutenção da bandeira brasileira na cabotagem e no apoio marítimo.
A publicação compara que os Estados Unidos, visto como a nação mais liberal do mundo, exigem que todas as embarcações sejam construídas no próprio país, e os tripulantes envolvidos nessas atividades sejam estadunidenses (Jones Act — 1920). “No Brasil, a Lei 14.301/2022 abriu esse mercado, num enorme retrocesso, razão por que defendemos sua revisão, garantindo a soberania e a indústria naval nacional, a navegação de bandeira nacional e a empregabilidade dos brasileiros”, destaca o relatório da frente.
A proposta apresentada é incluir dispositivos em dois artigos no decreto que regulamenta a Lei 14.301/2022, que institui o programa de estímulo ao transporte por cabotagem. O primeiro estabeleceria, para o transporte de petróleo e seus derivados na navegação de cabotagem nacional, o equivalente a 50% da soma da tonelagem de embarcações brasileiras, construídas no Brasil, efetivamente operantes, de propriedade do grupo econômico, como limite para o afretamento de embarcações estrangeiras. O outro inciso prevê para esse segmento de transporte 15 anos de prazo mínimo de vigência do contrato entre a empresa brasileira de navegação (EBN) e o embarcador da carga, para fins do direito de afretamento de embarcações estrangeiras.
A frente avalia que o BR do Mar promoveu diversas alterações no cenário da indústria naval brasileira, entre as quais um dispositivo que permite, após 48 meses de vigência da Lei 14.301 — a partir de 2026, o afretamento a casco nu de embarcações estrangeiras, com suspensão de bandeira, para navegação de cabotagem. O grupo também sugere a supressão dos parágrafos 1º ao 7º do artigo 10 da lei 9432 e a revogação do artigo 13 da lei 14.301, com a justificativa de que tais alterações contribuam com a retomada da indústria naval brasileira e fortaleçam o conteúdo local e a cadeia produtiva naval.
O relatório cita que, nos últimos 30 anos, várias ações governamentais para a construção naval e para o transporte marítimo obtiveram sucesso, em maior ou menor grau, com base principalmente nas políticas de ordenação do transporte aquaviário (Lei 9.432/1997) e de criação do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) e do FMM (Lei 10.893/2004) precisam ser atualizadas para acompanharem a dinâmica dos mercados que se propõem a regular. “Não podemos confundir atualização com demolição das políticas nelas estabelecidas e em prática por tantos anos, especialmente no que tange à proteção da bandeira nacional e ao financiamento à indústria naval, pilares básicos e imprescindíveis para o desenvolvimento da navegação e dos estaleiros brasileiros”, alertou a frente em seu documento.
A avaliação é que o BR do Mar é extremamente prejudicial a esses objetivos, na medida em que promove uma desleal e desproporcional abertura da cabotagem brasileira, sem qualquer contrapartida e sem tributação, na entrada, a navios de bandeiras estrangeiras, atendendo aos interesses das grandes frotas estrangeiras em detrimento das EBNs de frota nacional e da indústria nacional. Segundo o relatório, a Lei 14.301/2022 foi na contramão do que fazem os países com vocação naval semelhante à do Brasil, como os EUA, possibilitando, através de diversos mecanismos, acesso quase ilimitado à cabotagem brasileira para embarcações estrangeiras, que entram no país virtualmente sem tributação, advindas de países que incentivam e subsidiam suas indústrias navais.
O relatório também aponta como ‘ponto destrutivo’ contido no BR do Mar a redução da alíquota do AFRMM, de 25% para 8%, sobre o valor do frete, ao mesmo tempo que ampliou o acesso aos recursos do FMM para o setor portuário. O grupo entendeu que estas duas medidas podem resultar em escassez de recursos para o objetivo de financiar a construção naval brasileira.
“Parece-nos que o racional que embasa a BR do Mar encontra-se em total descompasso com a política do governo federal, que é a geração de empregos diretos e indiretos na indústria naval e na armação e operação de embarcações brasileiras, bem como a busca pela autossuficiência da nação no transporte de suas mercadorias como forma de atingimento de sua independência logística”, conclui o relatório da frente parlamentar, que é presidida pelo deputado Alexandre Lindenmeyer (PT-RS).