Montante será usado para construção de balsas e empurradores para transporte hidroviário em seis estaleiros nacionais
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) anunciou um financiamento de R$ 3,7 bilhões para a LHG Logística, braço de logística da mineradora LHG Mining, do Grupo J&F. Os recursos são do Fundo de Marinha Mercante (FMM) e voltados para a construção de 400 balsas e 15 empurradores para o transporte hidroviário de minérios de ferro e manganês pelos rios Paraná e Paraguai.
Especialistas afirmam que a promoção do transporte hidroviário é indicada e que há experiência na construção de embarcações desse segmento no país, mas questionam a necessidade de valor dessa magnitude para uma empresa — considerando orçamento limitado do fundo — e se esta é a alocação mais eficiente dos recursos.
Segundo o BNDES, as embarcações serão construídas e entregues nos próximos quatro anos em seis estaleiros nacionais das regiões Norte, Nordeste, Sul e Sudeste. O banco informou que 87% dos recursos – ou R$ 2,35 bilhões – serão voltados para as regiões Norte e Nordeste. A LHG Logística informou que os estaleiros responsáveis pelas embarcações serão Enseada, Eram, Juruá, Rio Maguari, Detroit e Wilson Sons.
O financiamento faz parte da estratégia do BNDES e do governo brasileiro de incentivar a indústria naval, com uma série de medidas anunciadas em janeiro deste ano. Pela última previsão do presidente do banco, Aloizio Mercadante, o montante de recursos para o setor naval em 2024 é de R$ 6,6 bilhões. Isso significa que só esse financiamento de R$ 3,7 bilhões para a LHG Logística representa mais da metade dessa estimativa. No início do ano, Mercadante tinha falado inicialmente em R$ 2 bilhões para o setor naval.
O anúncio remete a políticas de governos anteriores do PT, quando o BNDES foi o grande financiador do setor naval no país. O banco concedeu, em 15 anos, R$ 18,7 bilhões em empréstimos para construir e reformar estaleiros e erguer embarcações. Nos anos seguintes, no entanto, os grandes estaleiros construídos entraram em recuperação judicial por problemas para entregar encomendas no prazo e nos custos contratados.
De acordo com o BNDES, as embarcações serão usadas para o transporte hidroviário de minérios de ferro e manganês pelos rios Paraná e Paraguai. O investimento, segundo o banco, representará aumento de 16% da frota nacional de transporte de carga para navegação interior (em rios, lagoas e canais) e a geração de cerca de 5,5 mil empregos diretos e indiretos, a maior parte deles nas regiões Norte e Nordeste.
“Esta é uma operação que contribui para o desenvolvimento da produção nacional, gerando milhares de empregos com qualidade, impulsionando a descarbonização com um transporte mais limpo e reativando a indústria naval, que faz uma competição internacional difícil, com países como China e Singapura. Ao investir na produção local, o país não só reduz a dependência de importações, mas também impulsiona as exportações e a balança comercial brasileira”, afirmou o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, em comunicado.
O banco informou que o projeto permitirá a ampliação do escoamento na logística de minérios que são extraídos em Corumbá (MS) e carregados nas barcaças, atravessando 2.500 km pela hidrovia, cruzando o Paraguai, até chegar ao terminal marítimo de Nova Palmira, no Uruguai, onde são carregados em navios de longo curso. As prioridades para o financiamento foram concedidas pelo Conselho Diretor do Fundo da Marinha Mercante (CDFMM).
“A aprovação desse projeto vai melhorar significativamente o escoamento de minérios pelos rios Paraná e Paraguai, além de fortalecer a nossa indústria naval. O mais importante é que, com esses recursos aplicados em estaleiros das regiões Norte e Nordeste, vamos gerar milhares de oportunidades de empregos e renda e impulsionando o desenvolvimento regional”, disse o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, ao mencionar também que a iniciativa reforça o papel como “líderes em inovação e desenvolvimento, seguindo rumo a um Brasil mais forte e preparado para o futuro”.
Para o economista Claudio Frischtak, presidente da Inter.B, consultoria internacional de negócios, a promoção do transporte hidroviário é adequada, por ser o modal mais eficiente para longas distâncias e pela subutilização do potencial hidroviário. Além disso, ponderou que o Brasil é experiente no segmento de embarcações fluviais e não há risco tecnológico.
“Promover transporte hidroviário faz todo o sentido. […] São embarcações simples e o Brasil tem certa experiência nesse tipo de produção. É muito diferente de financiar petroleiros, navios de maior porte. Foi um filme visto no passado e não foi bonito”, disse.
Frischtak questiona, no entanto, a alta concentração em uma empresa. “Qualquer recurso escasso deve ser usado com parcimônia. Será que um formato de blended finance, uma espécie de financiamento híbrido, não seria uma opção mais adequada?”, analisou o presidente da Inter.B.
Pierre de Souza, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV Eaesp), concordou de que “não há dúvida” sobre o foco em hidrovias, mas indagou sobre o uso eficiente dos recursos para estímulo à indústria.
“Faz sentido gastar para desenvolver a indústria porque vai dar mais empregos e desenvolver a região, se fica uma dúvida para “o depois”? É a alocação mais eficiente dos recursos?”, indagou.
Souza lembrou problemas do passado. “O problema de investir em algo ineficiente é que funciona a curto prazo, mas a médio e longo prazos pode não continuar vingando. Vai ser preciso esperar para avaliar esse caso”, disse.
A LHG já opera na hidrovia Paraguai-Paraná, principal via de escoamento da produção de minério de ferro da mineradora LHG Mining. De acordo com a empresa, as embarcações são necessárias para o aumento da produção. A operação foi adquirida da Vale em 2022, com produção de cerca de 2,5 milhões de toneladas por ano. Agora, está em 12 milhões de toneladas por ano.
O presidente da LHG Mining, Aguinaldo Filho, destacou que o financiamento do Fundo de Marinha Mercante (FMM) e do BNDES ajudaram a garantir a competitividade dos estaleiros brasileiros frente aos estrangeiros.
“O Fundo da Marinha Mercante e o BNDES foram fundamentais para garantir a competitividade dos estaleiros brasileiros frente a concorrentes estrangeiros, que apresentaram um custo inicial até 20% menor”, informou.
Aguinaldo Filho disse ainda que a operação “viabiliza o aumento da eficiência e da capacidade de escoamento de minério da LHG, necessários para fazer frente ao crescimento da produção, além de gerar empregos na construção dos equipamentos navais, na operação da hidrovia e nas atividades mineração”.
O FMM é um fundo setorial, administrado pelo Ministério de Portos e Aeroportos, e a principal fonte de crédito do setor naval. Os recursos vêm da cobrança de adicional de 8% sobre o preço dos fretes das importações brasileiras. A escolha dos projetos é do conselho diretor, com representantes de ministérios, entidades da sociedade civil e bancos públicos.
“É um projeto realmente superlativo. Por isso, a empresa optou por essa divisão em seis estaleiros. As garantias pedidas aos tomadores nos empréstimos são muito reais e o Fundo de Marinha Mercante é um fundo que de fato funciona. E ele se retroalimenta, com os recursos de devolução dos empréstimos”, afirmou o diretor comercial do estaleiro Rio Maguari e vice-presidente do Sindicato Nacional da Indústria Naval (Sinaval), Fabio Vasconcellos.
Dentro da estratégia de fomento à indústria naval, o BNDES já tinha anunciado este ano R$ 495 milhões para modernização do Porto de Paranaguá e R$ 12 milhões para estudos sobre o uso dos ambientes marinho, costeiro e oceânico dos Estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo.
No comunicado, o BNDES informou que o projeto representa um aumento da capacidade de escoamento da extração de minério em, no mínimo, 5,9 milhões de toneladas por ano. Além disso, “ao adotar o modelo hidroviário como base para sua logística de exportação, [o projeto] apresenta potencial de emissão de gases do efeito estufa significativamente menor frente a outras opções logísticas para o escoamento, contribuindo para a descarbonização da matriz logística brasileira”.
Para o mesmo montante de granel mineral transportado por mil quilômetros, o modal hidroviário representa redução de 95% das emissões em relação ao modal rodoviário e de 70% das emissões em relação ao modal ferroviário, segundo dados da Empresa de Planejamento e Logística (EPL) e do Instituto Energia e Meio Ambiente (Iema). O minério de ferro originado no projeto tem, ainda, uma peculiaridade: apresenta alto teor de ferro, possibilitando o uso de rotas tecnológicas que favorecem a descarbonização do setor de siderurgia.
“O projeto possibilita um aumento da capacidade do transporte de minérios por meio de um modal eficiente e de baixa emissão relativa de gases do efeito estufa. Além disso, a logística eficiente para o escoamento é fundamental para manter os custos competitivos e garantir a entrega em grandes volumes”, disse a diretora de Infraestrutura, Transição Energética e Mudança Climática do BNDES, Luciana Costa