A 18ª edição da Navalshore 2024 foi palco de debates sobre o futuro da indústria naval brasileira, abordando temas como inovação tecnológica, transição energética e políticas públicas. Palestrantes como representantes da Transpetro, Sinaval, e do setor de pesca, destacaram as oportunidades e desafios enfrentados pelo Brasil na busca por soluções sustentáveis e adaptadas à realidade nacional. As discussões apontaram para um futuro promissor, porém cheio de incertezas, reforçando a importância de estratégias que equilibrem a inovação com as necessidades específicas do país.
Durante a Navalshore 2024, a Transpetro apresentou um panorama das inovações tecnológicas que estão moldando o futuro da empresa e, consequentemente, da indústria naval brasileira. O destaque foi para a discussão sobre a necessidade de soluções brasileiras, que levem em conta as peculiaridades do país, como o uso de biocombustíveis e a construção de navios movidos a etanol. Essas iniciativas são vistas como essenciais para a adaptação da cabotagem nacional às demandas globais por sustentabilidade.
A digitalização e a implementação de novas tecnologias também foram temas centrais. A Transpetro destacou a importância da integração de tecnologias já existentes, como sistemas de otimização de trim e rumo, controle de velocidade e telemetria, que podem ser usados para aumentar a eficiência operacional e reduzir emissões. Além disso, o uso de energia de terra, que permite que navios desliguem seus motores quando atracados e utilizem eletricidade fornecida pelo porto, foi apontado como uma medida para a redução das emissões no setor.
Um dado relevante apontado foi a redução de 8% nas emissões da frota da Transpetro, equivalente a 60 mil toneladas de CO2 a menos, resultado direto dessas inovações e do compromisso da empresa com a sustentabilidade. Contudo, os desafios permanecem, especialmente em relação à necessidade de adaptar soluções tecnológicas à realidade brasileira e de desenvolver uma estratégia nacional que não dependa de soluções externas.
Sérgio Leal, secretário-executivo do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval), fez uma análise detalhada da trajetória e dos desafios enfrentados pelos estaleiros brasileiros. Durante sua palestra, ele ressaltou a importância da indústria naval para o Brasil, relembrando a época em que o país tinha a segunda maior encomenda de navios do mundo, atrás apenas do Japão. No entanto, a descoberta do pré-sal em 2006 e a subsequente construção das plataformas P-51 e P-52 marcaram uma retomada significativa, embora temporária, da indústria.
O Sinaval, que representa os estaleiros brasileiros, desempenha um papel importante na defesa dos interesses do setor e na colaboração com o governo para a criação de políticas públicas. Um dos pontos críticos levantados por Leal foi a política atual da Petrobras, que adota o afretamento em vez da construção de novos navios em estaleiros nacionais, o que resultou em uma redução significativa na demanda por construção naval no país. Além disso, as perdas para a economia nacional são estimadas em bilhões de reais por ano devido à falta de investimentos na indústria naval.
Leal também destacou a importância de tornar a política industrial naval e offshore uma política de Estado, proporcionando previsibilidade e competitividade aos estaleiros e fornecedores brasileiros. Ele sugeriu a criação de uma reserva de bandeira para embarcações que operem na cabotagem brasileira e a implementação de métricas de desempenho para fomentar a indústria naval nacional.
“Navios de apoio marítimo devem ser comparados com a Noruega, e não com a China. Isso porque há países que oferecem subsídios e apoio significativo à sua indústria. No Brasil, temos uma quantidade reduzida de navios brasileiros realizando navegação internacional, o que reflete a falta de soberania do país no transporte de suas mercadorias.” finalizou sobre o cenário dos estaleiros no país.
O setor de pesca também teve destaque na Navalshore 2024, com discussões voltadas para a necessidade de uma plataforma de dados integrada que possa fornecer uma visão clara do mercado de pesca no Brasil. Atualmente, os sistemas de informação do setor não se comunicam, dificultando a análise e a tomada de decisões estratégicas. A proposta de centralizar esses dados em um único banco de dados foi bem recebida, sendo vista como uma maneira de aumentar a eficiência e a competitividade do setor.
Outro ponto abordado foi a questão do financiamento para a renovação da frota pesqueira. A maioria das embarcações no Brasil de madeira, um obstáculo para a obtenção de financiamento, já que os bancos não aceitam barcos de madeira como garantia. Além disso, as seguradoras não oferecem seguros para essas embarcações, complicando ainda mais o acesso a crédito.
O planejamento espacial marinho (PEM) foi tema de uma palestra ministrada pelo contra-almirante Ricardo Jaques Ferreira, que destacou a importância de equilibrar os objetivos econômicos e ecológicos no uso dos recursos marinhos. O PEM é uma ferramenta fundamental para equilibrar o uso econômico e a preservação ecológica dos mares brasileiros. A ideia central é mapear e organizar as atividades no mar para evitar conflitos e maximizar o uso sustentável dos recursos.
O Porto do Açu, por exemplo, foi destacado como uma região de intensa atividade de óleo e gás, com potencial para gerar até 33 GW de energia. No entanto, essa atividade convive com o desafio de harmonizar interesses conflitantes, como a pesca local. Ferreira ressaltou a necessidade de encontrar soluções que mitiguem os impactos ambientais sem comprometer o desenvolvimento econômico.
Keity Corbani Ferraz, assessora subsecretaria adjunta de Economia do Mar, trouxe à tona a importância de integrar as diferentes esferas de governo no planejamento e execução de projetos costeiros, destacando o Projeto Orla, que mapeia conflitos e propõe soluções em um processo participativo que envolve todos os atores sociais. O Rio de Janeiro foi mencionado como um estado pioneiro em legislações voltadas para a proteção do ambiente marinho, apesar dos desafios em implementá-las de forma eficaz.
“O Rio de Janeiro possui algumas leis relacionadas ao assunto. Embora essas leis existam, elas refletem um movimento e um interesse na questão. O estado foi vanguardista ao tentar implementar essas leis, embora com iniciativas estaduais.” explicou ela sobre a legislação no setor.
O PEM foi apresentado como uma ferramenta de planejamento participativo que já realizou 22 oficinas no sul do país, discutindo com comunidades locais as melhores práticas para o uso sustentável da costa brasileira. O painel concluiu com um apelo à necessidade de políticas públicas que apoiem o desenvolvimento sustentável da economia do mar, uma área fundamental para a vida no planeta e para o futuro econômico do Brasil.
A transição energética na indústria marítima foi abordada pelo comandante Fernando Alberto Gomes da Costa – Coordenador do MEPC – DPC/Marinha do Brasil, que atualizou as estratégias da IMO para a redução das emissões de gases de efeito estufa até 2050. A palestra se concentrou na necessidade de considerar o ciclo de vida dos combustíveis, com foco especial nos biocombustíveis, e nos desafios econômicos e técnicos associados a essa transição.
O Brasil tem defendido o uso de biocombustíveis tanto no curto quanto no longo prazo, e uma proposta nesse sentido será formulada em outubro pela Antaq. A transição energética, no entanto, impõe custos que precisam ser geridos cuidadosamente para que não comprometam a competitividade da indústria marítima brasileira.
“Os combustíveis serão os principais atores na discussão. O ciclo de vida dos biocombustíveis está sendo debatido, especialmente no que diz respeito à biomassa e se os valores regionais serão considerados. É necessário demonstrar que a produção do biocombustível não resultou no deslocamento de terras para sua produção.” disse o comandante.
A Navalshore 2024 demonstrou que a indústria naval brasileira está em um momento de reflexão e transformação. As palestras mostraram que, embora haja desafios significativos, como a dependência de políticas públicas e a necessidade de adaptação tecnológica, há também um forte potencial para que o Brasil se estabeleça como líder em soluções inovadoras e sustentáveis para o setor naval.