A Reforma Tributária para a construção naval: Renaval

  • 24/01/2025

O texto final do Projeto de Lei Complementar nº 68/2024 que regulamenta a Reforma Tributária e institui o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Seletivo (IS), foi sancionado com alguns vetos presidenciais e deu origem à Lei Complementar nº 214/2025. Naturalmente, políticas de Comércio Exterior e Regimes Aduaneiros Especiais sofreram importantes modificações.

No nosso artigo anterior, publicado na Portos e Navios, defendemos a importância da manutenção dos tratamentos diferenciados para o setor de construção naval, em especial das equiparações legais à exportação, pelas nuances da concorrência internacional e da notória crise que este passou recentemente, pontuando que isso não violava o texto da Emenda Constitucional da Reforma Tributária. Acertadamente, essa posição prevaleceu na regulamentação e boa parte dos tratamentos necessários foram mantidos (ainda que com uma nova estrutura), viabilizando a continuidade do setor.

Os pleitos do setor de construção naval foram quase que totalmente atendidos. Foi fixada a aplicação para a IBS e CBS dos Regimes Aduaneiros Especiais de aperfeiçoamento previstos na legislação que suspendem os tributos aduaneiros, tais como o Drawback, o Entreposto Aduaneiro para Industrialização e o Recof (e suas variações) (art. 90), exceção feita às modalidades de isenção e restituição do Drawback (art. 91). Como não houve mudança na Lei nº 8.402/92, segue possível o uso do Drawback-Embarcação. Além disso foi solucionado o problema anterior do ICMS no Drawback, no qual ele apenas se aplicava nas importações.

Também foi mantida e ampliada a possibilidade de uso das modalidades do Repetro nos novos tributos (art. 93). Para além da desoneração (a) das saídas de bens utilizada nas atividades exploração, de desenvolvimento e de produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos para empresas adquirentes estrangeiras sem saída do território nacional por força da equiparação legal à exportação que foi mantida (art. 81, inciso VII); e (b) da importação e aquisição interna de insumos para uso no processo produtivo destes bens, ela se estenderá também para (c) a importação e aquisição interna de bens para a planta industrial de conversão e construção destes bens; e (d) para a aquisição destes bens por empresa brasileira, sem necessidade de venda a estrangeiro, mitigando assim um grande custo tributário desnecessário da regulamentação anterior.

A novidade ficou por conta do Regime Tributário para Incentivo à Atividade Naval (Renaval), que permite aos beneficiários habilitados (obrigatoriamente estaleiros) a suspensão do pagamento de IBS e CBS (a) nos fornecimentos de embarcações registradas ou pré-registradas no Registro Especial Brasileiro (REB); (b) nas importações e aquisições nacionais (i) de máquinas, equipamentos e veículos para composição do ativo; e (ii) matérias-primas, produtos intermediários, partes, peças e componentes, destinados a utilização nas atividades de construção, conservação, modernização das embarcações registradas.

A preocupação do setor pela pretensão de afastamento da equiparação à exportação prevista na Lei nº 9.432/97 do projeto inicial dessa Regulamentação da CBS e do IBS foi em grande parte resolvida com o novo regime. A limitação prevista no art. 503 que inseriu o §9º-A no art. 11 na Lei nº 9.432/97 agora apenas tão somente obriga os estaleiros ao uso do Renaval, mas não gera risco de inviabilidade econômica da atividade.

Ele também resolveu inúmeras lacunas da atual regulamentação como (a) a aplicabilidade de normas de desoneração para a fase de aquisição de insumos e maquinário, especialmente quando as atividades seriam de modernização e reparo; (b) a necessidade de arcar com o ônus tributário nas aquisições para somente depois solicitar a devolução dos valores pela equiparação à exportação; e (c) a grande divergência da regulamentação do ICMS quanto às atividades dos estaleiros que eram desoneradas. Também afastou a necessidade de uso do Recap e do Reporto para a aquisição de maquinário destinada ao ativo dos estaleiros.

Só que apesar da inegável melhora em comparação ao ponto inicial da regulamentação, há alguns pontos de atenção. Para a obtenção da desoneração integral na aquisição dos insumos ainda será necessário efetuar o uso combinado do Renaval e do Drawback-Embarcação (ou outro regime aduaneiro de aperfeiçoamento). Seria positivo ao setor pleitear a ampliação legal das hipóteses de desoneração do Imposto de Importação para englobar também o uso do Renaval, com o objetivo de mitigar a burocracia inócua, evitando que seja necessário o uso de múltiplos regimes para se alcançar a desoneração possível (e que será buscada).

Houve um erro na regulamentação do Renaval em função da adoção da mesma estrutura do Reidi e do Reporto sem perceber que existem condições em uma das modalidades que são direcionadas não ao beneficiário legal, mas ao adquirente, o que gera uma aplicação problemática das regras que fixam, sem exceção, que no descumprimento das condições do regime, o beneficiário legal será responsabilizado pelo IBS e pela CBS suspensos. A regulamentação deveria ter adotado a sistemática do Repetro.

Não é coerente que o estaleiro, após cumprir seus compromissos e dever de cautela, possa ser responsabilizado em caso de revogação retroativa do REB ou do Pré-REB ou desmobilização da embarcação pelo adquirente antes do prazo de 12 meses, circunstâncias completamente alheias ao seu controle. É necessário o ajuste das normas do regime para fixar que o titular da embarcação será responsável pelo pagamento dos tributos suspensos no descumprimento das condições do regime decorrentes de seus atos.

Além disso, apesar do novo regime ser bom para os estaleiros, ficou de fora a manutenção das embarcações feitas pelos próprios titulares, inclusive os reparos emergenciais feitos no mar. Ou seja, a aquisição dos insumos destas atividades sofrerá com a tributação da CBS (não do IBS, ante a limitação da ressalva à equiparação legal à exportação), o que verdadeiramente não nos parece ideal até por questões de segurança.

Igualmente, não nos parece ideal a ausência de qualquer ressalva à transferência de propriedade dos maquinários, especialmente considerando o longo período de permanência (5 anos). Isso acaba inviabilizando um mercado secundário que já existe em alguns regimes especiais e que é benéfico para a modernização do setor, nos quais as empresas mais abastadas renovam seu maquinário e vendem o maquinário enquanto ele ainda é economicamente relevante para outras empresas do mesmo setor.

Com isso, ambas ficam modernas (ainda que uma mais do que a outra) dentro de suas capacidades financeiras, o que é positivo para o setor, os clientes e o país como um todo.

Em conclusão, comparado com o que poderia ter acontecido, o setor naval pode comemorar a regulamentação Lei Complementar nº 214/2025, mas existem pontos de atenção a serem abordados, tais como (a) a inclusão de nova modalidade para matérias-primas, produtos intermediários, partes, peças e componentes utilizados no reparo de embarcações pré-registradas ou registradas no REB pelo próprio titular; (b) o ajuste na responsabilização em caso de descumprimento do regime; (c) a ampliação do Renaval para o Imposto de Importação, tornando prescindível o uso do Drawback-Embarcação; e (d) a inclusão de uma ressalva na trava para a transferência de maquinário a outro estaleiro.

Fonte: Portos e Navios

 

 

 

 

 

 

 

Daniella Maria Alves Tedeschi é Sócia Fundadora do DMAT Advogados e Membra da Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/RJ. É advogada que atua em demandas tributárias/aduaneiras de empresas de construção naval. Também é autora de diversos artigos e palestrante em eventos tributários.

Taissa Meira Coelho Arruda Aragão é advogada com vasta experiência na indústria naval e segmentos de comércio exterior. Especialista em Direito Fiscal pela PUC/RJ, em Direito Aduaneiro pela AVM/RJ e em Compliance pela BRA Certificadora.

Thales Belchior Paixão é advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor Convidado em Direito Aduaneiro e Tributário no IBDT/SP, APET/SP, FBT/SP e PUC/PE. Diretor de Contencioso Aduaneiro do Instituto de Pesquisas em Direito Aduaneiro (IPDA).

 

 

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