Atualmente estão sendo discutidos, no Congresso Nacional, dois projetos que interferem diretamente no Fundo da Marinha Mercante (FMM) e no Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM). Embora com propostas distintas, os projetos reduzem os recursos do FMM e preocupam o setor naval, sobretudo a indústria, conforme afirmou o presidente da Sociedade Brasileira de Engenharia Naval (Sobena), Luis de Mattos, durante Live realizada pela Revista Portos e Navios, sobre a ‘Relevância do FMM no Setor Naval e Offshore’, nesta terça-feira (30).
Um desses projetos, o Projeto de Lei Complementar (PL 137/2020), do deputado Mauro Benevides Filho (PDT/CE), visa liberar R$ 177,7 bilhões de recursos de 29 fundos setoriais para o combate à pandemia, incluindo do Fundo da Marinha Mercante (FMM). E, apesar considerar importante o propósito do PL, Mattos questiona também a necessidade de que o fundo seja mantido para garantir que a economia continue girando e os empregos sejam mantidos. “Quando a quarentena acabar e as pessoas terem para onde voltar é importante”, disse. A proposta deve ser votada pela Câmara dos Deputados ainda esta semana.
O outro projeto trata-se da Proposta de Lei (PL 3129/2020) da senadora Kátia Abreu (PP/TO). Um dos pontos da PL é a redução gradativa da alíquota do AFRMM. Segundo destacou Mattos, caso seja aprovada essa mudança, em 2024 o adicional de frete deixará de existir. Porém, considerando que a maior parte dos recursos destinados ao FMM são provenientes do adicional, em cinco anos, o fundo também tende a acabar.
Diante desse cenário, ele afirmou que o país precisa decidir primeiro qual sua vocação. Caso adote a indústria como o caminho, o país deve “perder muito” com essas medidas. Além dessa proposta, o PL da senadora ainda defende a liberação total do afretamento a casco nu, o que para Mattos também pode ser ruim para a indústria naval brasileira. Ele explicou que atualmente os armadores podem trazer embarcações de fora, no entanto, existe uma contrapartida para isso, que ele construa no país. Dessa forma, sem essa contrapartida, como propõe a senadora, ele acredita que futuramente não irá mais existir Empresa Brasileira de Navegação (EBN), nos moldes como a conhecemos hoje, mas apenas uma empresa comportando-se como um agente de afretamento.
Mattos entende que caso a escolha do país não seja pela indústria naval, pode-se perder muito com isso, visto que já existe um parque industrial instalado no país, grupos importantes de engenheiros, entre outros aspectos consolidados. Entretanto, apesar de defender a importância do FMM, ele ressalta a necessidade de que sejam feitas melhorias no fundo para que ele possa ser utilizado de forma mais eficiente, gerando, assim, mais competitividade para o setor.
Entre as medidas que Mattos defende para a melhor destinação dos recursos do FMM, está a elaboração de módulos para a construção de FPSO. Segundo ele, os estaleiros no Brasil podem usar esses recursos para a realização de mais projetos de módulos. Ele explicou que, considerando a regra de conteúdo local, é possível que o casco do FPSO seja construído fora do país, por exemplo, enquanto os estaleiros no Brasil elaboram os módulos do FPSO para exportação. Para ele, isso possibilita mais competitividade para a construção naval brasileira.
Outra medida que pode ser revista pelo FMM é sua utilização para a manutenção preditiva e preventiva. De acordo com ele, a legislação sobre o fundo quando foi escrita ainda era possível utilizar os recursos para reparo. Mas hoje, com as novas tecnologias como a Internet das Coisas, o diagnóstico remoto, que permite o conhecimento sobre o que acontece a bordo, parece não fazer mais sentido, segundo ele, “esperar quebrar” a embarcação para utilizar os recursos do fundo.
Além desses aspectos, ele acredita que deve ser encontrada também uma solução para os problemas de garantia das empresas para o financiamento de construção, reparação ou docagem. Ele afirmou que isso é um ponto de discussão importante e que motivaria mais empresas a buscarem o fundo. Segundo ele, empresas como a Petrobras possuem “musculatura” para equacionar essa questão, porém, talvez outras empresas não tenham.
Embora Mattos acredite que essas questões possam resolver algumas dificuldades para que os projetos de construção saiam do papel, ele destacou também que devem ser consideradas as mudanças de oferta e demanda que vêm ocorrendo no mercado atual. Ele afirmou que tanto a oferta quanto a demanda são diferentes para os diferentes segmentos. “A questão do escoamento de grãos no Norte do país tem uma demanda hoje maior do que embarcações de apoio offshore como foi no passado”, exemplificou.
Mattos lembrou ainda que o setor naval seja muito amplo e que os vários segmentos que o compõem são afetados de formas distintas pelas mudanças que podem ocorrer no FMM. “Você tem também os segmentos de mercado. E neste caso a cabotagem é uma realidade, a navegação interior é outra, o apoio é outra, talvez um pouco próximo de apoio portuário, mas também é outra realidade. Mas o que tem em comum é que todos usam o FMM de uma forma ou de outra”, disse.
Apesar das dificuldades referentes aos usos do fundo, Mattos destacou que nos últimos anos, o país construiu mais de 200 embarcações de apoio offshore. E, segundo ele, isso não só movimentou muito os estaleiros como permitiu a criação de um cluster de construção naval em Itajaí (SC). “É um lugar de excelência, com estaleiros muito bons, toda uma cadeia de fornecedores ao redor do estaleiro. E o FMM contribuiu para isso”, afirmou. Ele disse ainda que com o auxílio do fundo fossem construídas 400 balsas nos últimos, e permitiu também a existência de mais dois clusters, um em Manaus e outro em Belém.
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