Após aprovação do plano de recuperação judicial, estaleiro pretende concentrar esforços na captação de novas oportunidades de negócios. Nos últimos meses, destaque para reparo de navios de cabotagem de novos clientes.
O Estaleiro Atlântico Sul (EAS) conseguiu, na última semana, a aprovação do seu plano de recuperação judicial. Apesar do atual momento da construção naval e das incertezas sobre as demandas da indústria para os próximos anos, a administração do EAS acredita que a reestruturação financeira e a diversificação das atividades ajudarão o estaleiro a buscar novas oportunidades.
“Com nossa dívida reestruturada, concentramos todos os esforços na captação de novas oportunidades de negócio”, afirmou a CEO do EAS, Nicole Terpins, em entrevista exclusiva à Portos e Navios. Ela contou que o estaleiro também outros contratos sendo discutidos para 2022.
Desde outubro do ano passado, a atividade de reparo vem movimentando o estaleiro, que conquistou novos e grandes clientes que docaram em suas instalações, como a Flumar. Com a docagem de outros três navios da Log-In e outros contratos em negociação, o EAS espera ocupar o dique até o final do ano.
Confira a entrevista da CEO do EAS, Nicole Terpins à Portos e Navios:
Portos e Navios: Na última semana, foi aprovado o plano de recuperação judicial do EAS. Quais as próximas etapas desse processo?
Nicole Terpins: Aprovamos o nosso plano de recuperação judicial na sexta-feira passada (21), com apoio de mais de 90% dos nossos credores. Com nossa dívida reestruturada, concentraremos todos os esforços na captação de novas oportunidades de negócio. Conseguimos um grande feito, que foi manter nossa credibilidade, iniciar uma nova atividade e captar novos clientes durante a reestruturação, antes mesmo da aprovação do nosso plano. Isso só foi possível por causa de nosso histórico, de um time comprometido e de termos nos preparado e conduzido um processo de RJ transparente, com total respeito aos nossos credores e fundamentado em um plano consistente e sustentável.
Após a aprovação, o plano passa por homologação judicial e precisa cumprir atividades operacionais e otimização dos ativos. Temos um ativo de 1,6 milhão metros quadrados que foi dimensionado para uma carteira grande de construção naval. Trabalhamos na utilização dela para outros projetos, além da indústria. Estamos focados e com boas perspectivas em relação a esses projetos.
O principal benefício da aprovação do plano [de recuperação] é a segurança jurídica que ele traz. Já temos hoje posição de caixa confortável para os projetos em que estamos nos engajando. Nossos clientes sempre tiveram esse conforto de que o estaleiro tem posição de caixa confortável para concluir seus projetos. Fazer negócio com empresa após a aprovação da recuperação judicial é extremamente seguro porque está respaldado com relação a dívidas passadas. Com a aprovação do plano, conseguimos dar segurança ainda maior para o cliente em relação à nossa capacidade de entrega e cumprimento das obrigações. Se restava alguma dúvida quanto à capacidade de entrega do estaleiro, com a aprovação do plano, essa dúvida se encerra.
PN: Quais dívidas o estaleiro renegociou?
NT: Principalmente com credores financeiros. Financiamos a construção do site junto com o BNDES e outros credores. Em função da redução da demanda, não conseguimos concluir todo nosso plano. O plano de amortização da dívida foi impactado e, por isso, precisamos reperfilar nossa dívida para reequilibrar a geração de caixa e o vencimento da dívida.
PN: Quais são os pontos principais que precisam ser cumpridos pelo estaleiro a partir de agora?
NT: O plano está lastreado por um plano de negócios. Dentro dele, prevemos a continuidade das atividades operacionais da empresa e a alienação de determinados ativos. É isso que estamos perseguindo. Começamos a cumprir o plano antes dele ser aprovado, com a retomada das operações do estaleiro com atividades de reparo. Com a aprovação, continuamos nas atividades de reparo e temos condições de perseguir outras oportunidades dentro de outros mercados.
PN: Quais são as oportunidades no radar do estaleiro?
NT: Continuaremos fortes na área de reparos, olhando não apenas para o mercado local mas também para os armadores internacionais. Contamos com o aumento do fluxo de navios, tanto de cabotagem como de longo curso, no Nordeste. Além disso, estamos trabalhando em alguns projetos de construção, ainda mais tímidos do que as embarcações construídas no passado, mas com boas perspectivas. Nos preparamos também para o descomissionamento e estamos prontos para quando essa demanda se materializar. Além disso, continuamos a trabalhar na otimização de nossos ativos, buscando parcerias e investimentos para que o EAS sirva também ao incremento das áreas de infraestrutura e logística regional.
PN: Qual avaliação que o EAS faz quanto às demandas de reparo de navios recebidas nos últimos meses?
NT: Iniciamos nossas atividades de reparos em outubro de 2020, com a docagem de dois navios para a Flumar Brasil. Desde então, não paramos mais. A Flumar docou mais um navio conosco no início do ano e, na sequência, fechamos três navios com a Log-In. Além disso, pegamos vários reparos emergenciais. Com esses e outros que estamos prestes a assinar contratos, pretendemos ocupar nosso dique até o fim do ano, e já temos projetos engajados para o ano que vem.
PN: A quais fatores atribui o aumento do número de reparos?
NT: No passado, o EAS não tinha visão de ser um estaleiro de reparo. Sempre pensamos na construção naval porque seria a atividade que daria o máximo de otimização para nossa infraestrutura. Diante da queda da demanda, entendemos que precisaríamos nos preparar e explorar melhor essa vocação. Fizemos alguns ajustes internos de layout do estaleiro, adaptamos nossas instalações — o que não significa realização de investimentos — e passamos a fazer atividade que não fazia parte do core business do estaleiro. Quando nos vimos sem encomendas em julho de 2019, revisamos nosso posicionamento estratégico e entendemos que teríamos vocação para reparo, principalmente para grandes embarcações. Existem poucos estaleiros com diques com as dimensões que nós temos. Ter a Flumar como primeiro cliente nos ajudou a estabelecer benchmarking alto em termos de velocidade e qualidade.
PN: Os fornecedores locais estavam prontos para a demanda?
NT: Não tivemos problema com a cadeia de fornecedores. Estamos trabalhando com associações e autoridades governamentais com objetivo de incrementar a base de fornecimento local. Ainda usamos alguns fornecedores de São Paulo e Rio de Janeiro, mas acreditamos que poderemos contribuir para o incremento da cadeia de suprimentos local.
PN: Como foi a mobilização da mão de obra na região para os recentes serviços de reparo?
NT: O EAS já teve mais de 7.000 empregados. Com os ganhos de produtividade e redução de nossa carteira de navios, esse número foi reduzido ao longo dos últimos anos. Entretanto, nos últimos cinco anos, trabalhamos com uma média de 3.000 empregados, os quais foram extremamente bem treinados e capacitados no Sistema Lean, Six Sigma, Toyota e demais processos de melhoria contínua adotados pelo EAS. Essa mão de obra foi mapeada e categorizada de acordo com suas especialidades. Dessa forma, não tivemos e não esperamos ter qualquer problema de mobilização de mão de obra, havendo ainda muito espaço para crescimento.
Infelizmente, a realidade hoje é diferente dos gloriosos anos do passado. Não adianta falar que daqui a pouco teremos uma série de construção de navios com 3.000 a 5.000 pessoas trabalhando. Não é mais a realidade do mercado local e estamos nos adaptando a isso. Damos alguns passos para trás, para dar outros para frente. Estamos felizes com o que alcançamos até aqui, em meio ao projeto de reestruturação. Ficamos satisfeitos de conseguir ganhar credibilidade e de trazer novos clientes durante o processo.
PN: Hoje é possível enxergar oportunidades em termos de construção, sobretudo para o segmento de cabotagem?
NT: Com o tempo, todos os diferenciais que a indústria nacional tinha foram sendo diluídos: conteúdo local, demanda da Petrobras e agora, até mesmo, prioridade de bandeira através das mudanças da BR do Mar. Não esperávamos que fosse mexido e ainda era um diferencial era a cobrança e aplicação do AFRMM [Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante], tanto para financiamentos junto ao FMM [Fundo da Marinha Mercante] quanto para construção dos navios. Essa nova proposta do BR do Mar está reduzindo a cobrança do AFRMM. Existe hoje uma dificuldade grande de competir, principalmente, com nossos concorrentes asiáticos, em função do Custo Brasil. Não temos política industrial e temos várias questões de competitividade levantadas no passado — custo da mão de obra e da matéria-prima, antidumping sobre o aço, burocracia (…) Infelizmente ainda não conseguimos superar essas assimetrias competitivas.
O AFRMM hoje ainda é um motivador para realização de projetos de reparo e de construção naval no Brasil. Na nova proposta estão reduzindo a cobrança do AFRMM e receio que venha a impactar a longo prazo a perspectiva da indústria. Acreditamos que a questão da construção naval passaria por um vale e que haveria retomada ao longo do tempo. O problema é que se, com a redução do imposto de importação, a redução do AFRMM e a abertura de mercado pelo BR do Mar, acho que as perspectivas de retomada da construção naval acabam sendo impactadas.
Tem conteúdo local para plataformas. Mas há uma orientação mais firme de fazer o casco e a maior parte do conteúdo local lá fora. A indústria naval tem toda condição de fazer isso aqui, precisaria haver uma mudança de direcionamento. Esse vale infelizmente está se alongando desde 2014. Se tivéssemos mantido as mesmas diretrizes do passado, acredito que estaríamos em um momento de retomada, como já estamos vendo em alguns nichos específicos. Hoje já se vê demanda maior por construção de embarcações de apoio, barcaças etc. Com essa mudança regulatória, fica mais complicado.
PN: O que esperar então do BR do Mar?
NT: Uma incógnita. Hoje, o pior dos mundos: saiu da pauta emergencial, não anda para frente e nem para trás. A incerteza inviabiliza a tomada de decisões e, portanto, os investimentos esperados na área de cabotagem. Entendo que devemos sim ter uma norma de incentivo à cabotagem, e louvo a iniciativa da BR do Mar, embora discorde da forma como trataram a indústria e o investimento nacional, privilegiando embarcações estrangeiras através da proposta de alteração da Lei 9.432/1997. Espero que as discussões envolvendo o tema levem a uma melhor compreensão das necessidades dos vários stakeholders envolvidos, e resultem no aprimoramento do texto.
O BR do Mar vai aumentar o número de navios de cabotagem operando na costa brasileira. Claro que tem a possibilidade de reparar fora, mas tem o custo de deslocamento. Acredito que se houver estaleiros capazes de fazer essas docagens no Brasil, esse deslocamento será fortemente considerado na escolha entre estaleiros brasileiros e concorrentes internacionais. Falando de navios de longo curso, a demanda ficaria mais restrita aos reparos emergenciais.
O BR do Mar deve trazer acréscimo nos negócios de reparo. Da forma como está sendo desenhada essa abertura e com redução do AFRMM, deve haver impacto de demandas por construção naval. O BR do Mar favorece o mercado de docagens e reparos, mas prejudica novos projetos de construção de navios de cabotagem. Até 2019, o EAS estava com capacidade lotada para Petrobras. Sem demanda no mercado de petróleo, nos voltamos para a cabotagem. Sempre vimos a cabotagem como potencial mercado para construção de embarcações. Ele pode ser afetado pelo BR do Mar, dependendo de como sairá o texto.
A indefinição é o pior cenário. Quando não podemos mudar, nos adaptamos. Nosso plano de diversificação foi iniciado na medida em que aceitamos o fato de que determinadas circunstâncias não poderiam ser alteradas por nós mesmos. Entendemos como companhia que deveríamos ser flexíveis e buscar outros mercados.
PN: Existe demanda por construção de grandes embarcações no horizonte de curto prazo do EAS?
NT: Temos que dar um passo de cada vez. Acabamos de aprovar nosso plano e estamos começando de novo aos poucos e felizes com os reparos. Estamos trabalhando em cima de construção, mas não do mesmo porte do passado. Nossa perspectiva em relação à construção naval é mais ‘tímida’ do que já foi. A expectativa existe, mas enquanto não sair a o BR do Mar não consigo ver investimentos em embarcações de cabotagem. Para a parte de petróleo, também não vejo a Petrobras com uma estratégia de compra de novas embarcações. A estratégia tem se mostrado mais no sentido de afretar. E ainda não consigo entender o racional por trás da inclusão de navios petroleiros no BR do Mar.
PN: O EAS é um dos poucos estaleiros brasileiros correndo atrás da certificação internacional para descomissionamento de plataformas. Quais as expectativas para essa atividade?
NT: Estamos trabalhando com o objetivo de obter a certificação e hoje estamos seguros de que essa é uma meta possível, sem muitos investimentos. Após algumas auditorias, por parte de consultores e clientes, estamos convictos de nosso diferencial para o descomissionamento. Sabemos que a demanda existe e que irá se materializar, mas a questão é “quando?”. A incerteza nos obriga a priorizar negócios de curto prazo, mas sem tirar de vista os projetos de descomissionamento, e as ações necessárias para que sejamos a melhor opção para quando eles acontecerem.