Propostas referentes ao tema, em discussão no PL 4.199/2020 (BR do Mar), ainda serão apreciadas no Senado. Para Abac, qualidade e prazo de execução são fundamentais na contratação desse tipo de serviço.
Demandas perenes por reparos e docagens de navios de cabotagem ainda não são realidade para os estaleiros brasileiros de grande porte. Nessa classe de embarcações, ainda é preciso conquistar competitividade para competir com concorrentes estrangeiros, sobretudo em relação aos custos. A avaliação de agentes do setor é que existe um potencial de navios para receber esse serviços em instalações no Brasil, desde que prestados com qualidade e dentro dos prazos contratados. A ampliação da possibilidade do uso dos recursos das contas vinculadas, teoricamente, também pode contribuir com novas contratações de reparos no país. As propostas referentes ao tema, em discussão no projeto de lei 4.199/2020 (BR do Mar), ainda serão apreciadas no Senado.
Para empresas que operam na cabotagem brasileira, existem outros pontos a serem melhorados, como a importação de alguns itens sem similar no Brasil, que ainda dão dor de cabeça do ponto de vista tributário e alfandegário. A Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem (Abac) avalia que, quanto mais preparados estiverem os estaleiros para atender demandas de reparos e docagens, mais poderão ser utilizados. A associação entende que essa já é uma demanda regular para estaleiros que trabalham com essas atividades.
“O início das atividades do EAS com reparos indicou que existe mercado para os estaleiros que pode ser explorado. Quando não conseguimos estaleiros para fazer nossas docagens e reparos no Brasil, precisamos enviar os navios para o exterior, o que é oneroso, pois normalmente os navios fazem a travessia em lastro”, comentou o diretor-executivo da Abac, Luis Fernando Resano à Portos e Navios. Os navios exigem docagens regulares e reparos, e a manutenção é parte usual da operação das embarcações.
Questões como pandemia, deslocamento, tempo e câmbio, de alguma forma, influenciam a escolha das empresas brasileiras de navegação (EBNs) em docar e reparar seus navios no Brasil. A Abac acredita que esses sejam fatores importantes, porém o que mais influencia a escolha é a qualidade dos serviços e a sua realização dentro do prazo programado. “Quando o navio é enviado para o estaleiro, ele deixa de atuar comercialmente, causando impacto negativo na receita da empresa. Essa parada é tratada de forma muito estratégica e não podem ocorrer imprevistos”, explicou Resano.
A Abac identifica um ponto de melhoria na proposta de ampliação da possibilidade do uso dos recursos da conta vinculada, objeto do projeto de lei 4.199/2020, em tramitação no Senado. Em relação à cadeia de suprimentos, é comum EBNs precisarem de sobressalentes que não existem no mercado brasileiro, o que exige a importação. “Estes processos, no aspecto tributário, têm sido problemáticos, por vezes causando demurrage e atraso em serviços planejados durante docagens”, relatou Resano.
As empresas de cabotagem consideram que a oferta de dique é apenas um dos fatores da obra. Uma vez tendo o navio docado, a instalação de reparo precisa estar preparada para atender as demandas do reparo e docagem. “Talvez, nem todas as instalações com dique disponham desta estrutura adaptada, pois foram preparadas para a construção e a reparação exige adaptações”, disse Resano. De acordo com o diretor-executivo da Abac, não é possível afirmar o quanto novas docagens serão realizadas no Brasil. Resano considera que a demanda existe na medida em que o programa de manutenção dos navios ‘em classe’ exige docagens a tempos pré-definidos. Ele disse que nessas paradas a empresa planeja fazer as necessárias atualizações tecnológicas exigidas. A instalação do sistema de água de lastro, por exemplo, foi um caso especifico, mas outros ocorrem de acordo com a demanda.
Pela legislação atual, é possível financiar alguns tipos de reparos com recursos do Fundo da Marinha Mercante (FMM). Reparos de classe costumam ocorrer a cada cinco anos. Reparos acidentais podem ou não ser feitos dentro do dique. Também há possibilidade de financiamento de alguns equipamentos para a embarcação. Nessas três hipóteses, as normas estabelecem que os serviços precisam ser solicitados por EBNs, para embarcações próprias e devem ser realizados por um estaleiro brasileiro. A liberação dos recursos da conta vinculada para os armadores estão sujeitos à análise e liberação do BNDES, que faz a administração dessas contas.
Não são financiados reparos de operações executadas pela própria tripulação ou pelo fornecedor e prestador de serviço. O FMM também não financia a aquisição e troca de equipamentos realizados em estaleiros fora do país, bem como insumos necessários para operação da embarcação, inclusive peças desgastadas. Hoje, também não é possível utilizar recursos do FMM para reparo em navios de longo curso de empresas estrangeiras.
As chamadas contas vinculadas acumularam mais de R$ 3 bilhões em desembolsos entre 2011 e 2021. Nesse período, houve utilização expressiva para financiamento de reparos, ainda que em menor proporção que para construção. A partir de 2017, a tendência foi de aumento gradual no valor de utilização da conta vinculada para atividades de reparo, com exceção de 2018. “Hoje o acesso à conta vinculada está mais fácil. Existe muito a se aprimorar, mas hoje os armadores estão conseguindo acessar a conta vinculada com mais facilidade”, avaliou a presidente do EAS, Nicole Terpins, durante webinar com fornecedores promovido pela Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), na última segunda-feira (7).
A percepção da executiva é que o reparo está alocando uma parcela cada vez maior dos valores disponíveis na conta vinculada. Em 2020, o percentual de desembolsos de reparo representou 30% do total utilizado da conta vinculada, o que é considerado expressivo em função do volume de valores que passa pela conta vinculada. No primeiro trimestre de 2021, R$ 132,1 milhões foram destinados a diversos projetos de construção naval, sendo aproximadamente um terço (R$ 46,2 milhões) para a atividade de reparo.
O EAS avalia que essa curva ajuda a determinar a perspectiva do mercado de reparo ao longo dos anos. Nicole acredita que a demanda é crescente, seja em função do aumento do mercado de cabotagem, seja em razão das alternativas para realização dos reparos no Brasil com qualidade e com disponibilidade dos recursos da conta vinculada ou financiamentos do FMM, o que ela vê como diferencial para os estaleiros brasileiros. Ela observa que a tendência de utilização dos valores da conta vinculada para a construção naval existe, mas ainda está direcionada a embarcações de menor porte. Na visão dela, um dos motivos é que as embarcações de grande porte têm valor superior ao que armadores têm na conta vinculada, seja em função de assimetria competitiva em relação à aquisição e embarcações, seja por certa preferência dos armadores de afretar, em vez de construir no Brasil.
O número de reparos de navios de cabotagem ainda é menor que para a navegação interior porque no modal marítimo existe o custo de deslocamento que, muitas vezes, acabava sendo compensado pela preocupação em relação à qualidade do serviço ou ao preço. Nicole disse que o setor pretende alterar essa dinâmica, oferecendo serviços com a mesma qualidade e preços competitivos em relação a estaleiros no exterior. “Estamos potencializando o benefício de fazer no Brasil, evitando custos de deslocamento e com a utilização do AFRMM (Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante). Resolvendo a questão do fornecimento, estamos fortalecendo a atividade de reparo no Brasil”, afirmou.
O levantamento do EAS indicou que a frota brasileira tem 983 embarcações cadastrados no registro especial brasileiro (REB), o que garante benefícios fiscais em relação aos não registrados e financiamentos através do FMM. Desse total, aproximadamente 760 correspondem a embarcações de apoio e 223 de cabotagem. Como a vida útil do navio pode chegar a 30 anos em alguns casos, a expectativa é que ainda haverá potencial elevado de docagens periódicas, sobretudo até que os estaleiros consigam novas encomendas. O estaleiro mapeou cerca de 350 embarcações com potencial para fazer reparos em suas instalações, a maior parte correspondente a navios de cabotagem com rotas regulares dentro do porto de Suape (PE).